Enfrentando a crise da UERJ

Como resgatar uma das melhores instituições de Ensino Superior do país

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7 min readMar 27, 2017

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Por Daniel Duque (colaborou Carol Margulies)

Tânia Rêgo/Agência Brasil

Tem sido incessantemente acompanhada na mídia a questão da situação financeira de nosso Estado, assim como as perspectivas para Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A UERJ, de fato, atravessa a pior crise da sua história. Enquanto se aproxima Abril de 2017, os estudantes da universidade ainda não puderam dar início ao período letivo 2016.2. Já os funcionários de diversas categorias têm sido pagos de forma extremamente instável, com diversos atrasos, assim como os bolsistas. Agora, o governador Pezão anuncia corte de 30% do salário de todos os professores, dando mais um motivo para o início de outra greve.

O clima entre os estudantes é de inércia e desesperança. Muitos alunos de classe média alta já estão se transferindo para universidades privadas. Para os que não podem pagar, restam apenas a espera e a incerteza quanto ao futuro.

Não há como negar que a da crise da UERJ está ligada à crise financeira do Estado do Rio de Janeiro, mas também vai muito além dela. Como se vê pelo Gráfico abaixo, a universidade, apesar do corte de 2015 de quase 10%, o orçamento da UERJ vem crescendo a vultuosas taxas nos últimos anos, de modo que, de 2011 a 2015, já considerando o corte, o crescimento real do orçamento foi de 8,7%. O gasto por aluno da UERJ, portanto, nesse período, cresceu 3,14% em termos reais (isto é, descontando a inflação do Rio de Janeiro no período).

Fonte: DataUERJ

Em 2013, os governos federal, estaduais e municipais gastaram 13.540 dólares em paridade de poder de compra com cada estudante nas Universidades Públicas, cerca de 86% do gasto dos países da OCDE nessa área. Portanto, ao contrário do Ensino Básico, estamos próximos aos países desenvolvidos em relação ao investimento na aos alunos das universidades públicas.

Por que, portanto, nossas universidades, em especial a UERJ, apresenta resultados educacionais tão inferiores, junto a uma crise orçamentária tão grande? Dentre outras questões, uma das principais é a relação de alunos por funcionários da universidade, que será tratada em primeiro lugar, e sua composição contratual, que será tratada em seguida.

Alunos por funcionários

Segundo os dados divulgados pelo DataUERJ, em 2015, havia apenas 12 alunos ativos para cada professor ativo, e apenas 11,5 para cada funcionário não docente ativo, ou seja apenas 5,9 alunos ativos para cada funcionário ativo. Considerando alunos e servidores ativos e não ativos, essa relação chegou 11,6.

O gráfico abaixo compara essa relação de alunos por funcionário nas cinco melhores universidades públicas do mundo e do Brasil, segundo a Times Higher Education, com a da UERJ. Pode se perceber, portanto, que as universidades de excelência mundial e nacional, como a ETH Zurich e a Berkeley University, ficam em torno, por vezes pouco acima da UERJ. Para as melhores universidades brasileiras, ainda, essa diferença chega a ser consideravelmente maior, com exceção da UFPR. É importante ressaltar também que essa relação considera estudantes e servidores inativos. Ao excluí-los, essa relação vai a apenas 5,9 alunos ativos para cada servidor ativo.

Fonte: Times Higher Education; DataUERJ

Essa relação teve um aumento significativo entre 2011 e 2015, muito acima do aumento real orçamentário da universitário, o que ajuda a explicar sua dificuldade financeira nos últimos anos. Enquanto o número de alunos ativos aumentou 5,4% no período, o quadro docente ativo apresentou um incrível crescimento de 32,1% — o que significa que houve um aumento de um terço no efetivo de professores em apenas quatro anos. O número de servidores não docentes ativos, no entanto, teve um incremento ainda mais significativo: de 2011 a 2015, seu efetivo cresceu 38,6%.

Fonte: DataUERJ

Composição contratual dos professores

Grande parte do alto número de servidores por aluno, na UERJ, se deve a uma grande distorção presente na Universidade do Estado do Rio de Janeiro: o excessivo percentual (73%) de docentes com dedicação de 40 horas sem exclusividade. Os professores 40 horas que optam por dedicação exclusiva recebem um aumento de 2/3 do salário, mas ficam impedidos de assumir outro emprego. Já professores de 40 horas sem dedicação exclusiva podem ter outro emprego.

Fonte: DataUERJ

Tipicamente, professores que têm outro emprego dedicam-se à UERJ não mais que 15 ou 20 horas por semana, incluindo o tempo fora de sala de aula. No entanto, com a realização de tarefas de pouco impacto ou intensidade, como tarefas administrativas e participação em conselhos, esses professores conseguem receber o salário como se dedicassem 40 horas às atividades da universidade apenas.

Historicamente, o efetivo de professores com 40 horas sem dedicação exclusiva caminhou próximo aos 60%, como mostra o Gráfico abaixo. No entanto, de 2011 a 2015, houve um salto de mais de dez pontos percentuais dos docentes com essa carga horária, com proporcional redução dos professores com 20 horas de carga horária, que saíram do patamar histórico em torno dos 20% para apenas 9,8%, gerando grande impacto sobre o orçamento da UERJ.

É possível, portanto, reduzir consideravelmente o número de professores com dedicação de 40 horas para 20, sem a necessidade de demissões. Com isso, é possível aumentar a relação alunos/professores, contabilizando dois professores em horário parcial como um em horário integral. A partir da normalização orçamentária da UERJ, para se manter sua sustentabilidade financeira, poderão ser feitos prioritariamente concursos para 20 horas, exigindo que os professores de 20 horas deem no mínimo duas disciplinas de quatro créditos presenciais cada por semestre letivo, independente de outras atividades.

Outras soluções complementares

Há outros métodos de aumentar o número de estudantes por professor, largamente adotados por outras universidades de excelência mundo afora. Entre elas, estão a permissão de alocação de alunos de doutorado para ministrar cursos introdutórios de graduação. Trata-se de iniciação à docência, sob supervisão do orientador (que poderá lançar 20% da carga horária do curso, e não mais, como tempo de trabalho dedicado à supervisão). Pode-se, assim, permitir que até 15% das matérias da graduação de cada departamento sejam ministradas por doutorandos em cada semestre letivo, condicional à aprovação do departamento e do orientador.

Outra prática corrente em qualquer boa universidade fora do país são turmas de até 150 alunos para matérias obrigatórias no início da grade curricular. A UERJ já dispõe de estrutura mínima para tanto: salas de tamanho adequado e auditório. Basta então permitir que as turmas sejam abertas com o número máximo de alunos estipulado pelo professor. Deve-se ainda permitir que, quando o número de alunos ficar entre 100 e 150, o professor possa lançar carga horária dobrada (ou nada mudará em relação a hoje, mantendo-se o incentivo a minimizar o número de alunos por turma, com toda a improdutividade que isso acarreta). Na prática, isso significa que o professor deve poder dar um curso a menos no semestre posterior àquele em que teve uma turma com mais de 100 alunos (ou seja, não basta que a turma seja aberta permitindo-se um número alto de alunos: é necessário que o número de inscritos fique acima do corte, de forma a evitar fraudes).

Da parte das receitas, há alternativas para aumentar o orçamento da universidade sem depender dos repasses do Governo Estadual. Entre estes,
estão a cobrança do estacionamento, cuja gratuidade atualmente funciona como um subsídio destinado aos estudantes que têm um carro, raramente entre os em maior vulnerabilidade social. Com uma cobrança módica de R$ 5,00 por dia, haveria uma receita de cerca de três milhões por ano.

Por fim, a UERJ poderia aceitar o financiamento de pesquisas específicas por entidades privadas. Apesar de haver grande resistência por parte do corpo docente, tal mecanismo certamente amenizaria a crise financeira da Universidade, e geraria maiores oportunidades de pesquisa e integração dos estudantes com a academia e o mercado, além de ainda maior autonomia financeira em relação ao Governo Estadual.

Conclusão: vencendo a(s) crise(s) na UERJ

Como se observou, apesar da crise financeira conjuntural do Estado do Rio de Janeiro, a origem da crise orçamentária da UERJ está em grande parte na sua estrutura docente pouco produtiva, baixo número de alunos por professor, subsídios de estacionamento e pouca abertura à pesquisas com a iniciativa privada. Essas características não se apresentam na mesma magnitude entre outras universidades nacionais e internacionais bem avaliadas.

Portanto, com a adoção de práticas consagradas por quase a totalidade das melhores universidades públicas do mundo, será possível que os estudantes uerjianos poderão, no futuro, terem garantido uma instituição de ensino superior de qualidade e financeiramente sustentável, sem riscos orçamentários no futuro. São soluções sem demissões, com caráter estrutural e politicamente possíveis.

Daniel Duque é economista e mestrando em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. O autor agradece às contribuições e comentários da estudante de Direito da UERJ, Carol Margulies.

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