Estar em campo, estar escutando.
Trata-se de uma saída de campo que tinha como objetivo ir ao encontro das formas de sociabilidade e interação vinculada ao fazer cotidiano de “pegar o ônibus para ir trabalhar”. Para tanto, a intenção era a de captar sonoramente as interações e a circularidade da palavra entre os passageiros, cobrador e motorista que configuram o ônibus como um espaço praticado. Nessa experiência de captura do som e com ajuda de uma representação desse espaço, desenhada em uma folha do caderno de notas, provocou a pesquisadora a pensar nas particularidades de cada um dos pontos de escuta escolhidos.
Fundo de origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS.
Fonte: Coleção do Projeto Cidade e Memória: a cultura do trânsito em Porto Alegre, RS.
Autor: Luciana Tubello Caldas
Local: Linha Alvorada via Protásio Alves
Data: 11 de abril de 2010.
Ponto de escuta 1
“(…) Sentei-me em um banco que ficava entre o motorista e o cobrador, no lado esquerdo do ônibus (o lado do motorista). Aquele ponto de escuta era perfeito! Direcionei o microfone para a porta de embarque. Nesta parada embarcou uma senhora, mais ou menos 50 anos de cabelos curtos e roupas simples — calça jeans e blusa bege de mangas curtas. Essa senhora foi em direção ao cobrador e lhe perguntou algo, que não pude ouvir com clareza, pois o som do motor era muito forte e evidente.”
Ponto de escuta 2
“(…) era o momento de seguir para o meu segundo ponto de escuta — mais próximo do cobrador. Entreguei os meus R$2,80 para Alexandre (cobrador) e comuniquei-o que iria ficar naquele primeiro banco para poder captar a interação entre ele e os passageiros. Sempre sorridente Alexandre concordou e disse que eu poderia ficar à-vontade. Sentei-me e coloquei a mochila no chão, ficando com as mãos livres para segurar o MD e o microfone (que direcionei para Alexandre). Neste ponto de escuta o que se evidenciava era o som das moedas e da roleta a cada passagem dos usuários.”
Ponto de escuta 3
“(…) Visto que em breve os embarques cessariam e que a minha intenção era captar os sons no “meio” do ônibus, próximo a “articulação”. Resolvi olhar para trás para ver se ainda havia algum lugar disponível, constatei que restava apenas um lugar disponível próximo a articulação. (…) Ali as conversas eram mais evidentes, como havia previsto no roteiro. No banco do lado oposto ao banco em que eu estava sentada havia duas senhoras negras na faixa dos 40 anos que conversavam e riam. Atrás do banco em que eu estava sentada também havia duas mulheres que conversavam e próximo da porta de desembarque havia mais algumas mulheres que conversavam. Neste ponto de escuta não era mais o motor do ônibus que se sobrepunha às conversas, naquele ponto quem disputava o espaço sonoro era o barulho da articulação que se movia conforme o movimento do ônibus. Era um som muito forte e estridente, parecia que iria se desmanchar, se desconectar do ônibus.
Ponto de escuta 4
“(…) Os embarques haviam se intensificado, já não havia mais pessoas em pé. Alguns bancos já estavam desocupados, achei que aquele era o momento de ir para o meu quarto ponto de escuta — o fundo do ônibus — e captar a sonoridade nesse momento de “despedida”. Dirigi-me para o fundo do ônibus e sentei-me no banco. Fiquei no meio, entre duas mulheres. Naquele ponto de escuta o balanço do ônibus era mais intenso, o que dava a impressão de se ter caixas batendo e caindo do ônibus. Naquela situação de desembarque outro som que se evidenciava era o das sacolas que batiam umas nas outras, aglomeradas na porta de desembarque, disputando lugar enquanto esperavam o momento de sair do ônibus. O ônibus estacionou, essa ação era percebida tanto pelo corpo que se inclinava para frente por conta da “travada”, como pelo som que essa ação produzia: Ziiiiinnhhnn…”