Corpo da letra — entenda a seção

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo
3 min readFeb 8, 2018

Também trabalhamos com Antropologia Visual. Apontamos para os perigos ao se empregar os recursos audiovisuais apenas como dados documentais de campo, conferindo-se à imagem técnica o poder de ilustrar ou “demonstrar” os acontecimentos vividos em campo, acabando por submetê-los à construção de modelos mecânicos que simulam a realidade. O documentarista sempre segue um percurso “etnográfico” para enquadrar devidamente um ponto de vista — mas que ponto de vista é este? O roteiro é o grande responsável por reunir os fragmentos de imagens e sons captados em torno de um objetivo comum. Ele pode explorar imageticamente, por exemplo, o antagonismo entre grupos e indivíduos nas ruas: antagonismo de personagens e de ambiências urbanas apresentadas dentro de um mosaico de diferenças sociais, étnicas, econômicas e suas relações com a cidade de Paris. Aqui você encontrará nossas reflexões na criação de roteiros para trabalho de campo, entrevistas, saídas de campo planejadas e observações participantes com o uso de recursos fílmicos.

O método etnográfico é a base na qual se apóia o edifício da formação de um(a) antropólogo(a). A pesquisa etnográfica constituindo-se no exercício do olhar (ver) e do escutar (ouvir) impõe ao pesquisador ou a pesquisadora um deslocamento de sua própria cultura para se situar no interior do fenômeno por ele ou por ela observado através da sua participação efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a realidade investigada se lhe apresenta. Nesta parte, o corpo da letra se apresenta através das aventuras das interações sociais de um aprendiz de etnógrafo da cidade.

O diário de campo não é algo que possa ser escrito ao mesmo tempo em que nos encontramos compartilhando com os outros suas vidas. Ele resulta de outro instrumento: o caderno de notas. É onde o(a) antropólogo(a) costuma registrar dados, gráficos, anotações que resultam do convívio participante e da observação atenta do universo social onde está inserido e que pretende investigar; é o espaço onde situa o aspecto pessoal e intransferível de sua experiência direta em campo, os problemas de relações com o grupo pesquisado, as dificuldades de acesso a determinados temas e assuntos nas entrevistas e conversas realizadas, ou ainda, as indicações de formas de superação dos limites e dos conflitos por ele vividos. O caderno de notas e o diário de campo são instrumento de transposição de relatos orais e falas obtido desde a inserção direta do(a) pesquisador(a) no interior da vida social por ele ou por ela observada. Aqui você encontrará apontamentos sobre o dia-a-dia da escrita dos antropólogos através de fragmentos registrados da vida urbana.

Esforçando-se para ultrapassar antíteses tais como vida e matéria, espaço e tempo, vida interior e ação ou linguagem nascidas no berço do racionalismo ocidental, e mais ainda seduzida pela mística da estrutura “natural” da linguagem, absorvida pela disseminação da civilização da escrita, a Antropologia pode perder de perspectiva a convergência, no plano da “intratemporalidade”da obra etnográfica, das dimensões discordantes do tempo vivido e do tempo refletido como princípio normalizante de suas descrições pela opção dos absolutos próprios ao sujeito da consciência. Assim, nesta tag você encontrará reflexões em torno dos tempos compartilhados em campo e os tempos solitários que a escrita etnográfica proporciona aos pesquisadores na sua dimensão de interioridade.

--

--

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo

Dilemas e desafios na produção antropológica em sociedades complexas — núcleo de pesquisa BIEV UFRGS — acesse nosso site em ufrgs.br/biev