(re)conhecer a Vila: um percurso nos arredores do bairro Tristeza

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo
3 min readJan 1, 1970

Em busca das formas de se habitar as ruas do bairro Tristeza, na zona sul de Porto Alegre/RS, percorri outros lugares que me levavam a ele. Os fragmentos de diário de campo trazidos aqui são algumas descrições do cenário urbano que observei nesse trajeto.

Fundo de origem: BIEV/NUPECS/LAS/PPGAS
Fonte: Coleção Projeto BIEV: A criação de um museu virtual da cidade — FAPERGS/CNPq (ALCR)
Autor: Stéphanie Ferreira Bexiga — bolsista PIBIC/CNPq
Local: Porto Alegre/RS
Data: 16/03/08 e 01/09/08

Um mormaço pouco incentivante para caminhada, mas como já estava próximo das 16hs, o calor não estava tão intenso. Assim, parti em direção à Tristeza começando pelas ruas de paralelepípedos do lugar onde moro (bairro Ipanema, ‘emicamente’ Jardim Isabel). Percorro a rua. As sonoridades de hoje encontram-se com aquelas do dia 17 de julho (em que fizemos a captação sonora), e vejo, de forma mais atenta, talvez justamente pelo que Vivi e eu percebíamos nesse mesmo dia, recorrências daquela sociabilidade entre os funcionários dos “belos” condomínios ali instalados — aqueles com praia particular: na av. Cel Marcos, com margens para o rio Guaíba. (Diário de campo, 01/09/08).

Continuei meu trajeto subindo a lomba que demarca, a meu ver, as fronteiras entre os bairros da Tristeza, Vila Conceição e Pedra Redonda e, mais uma vez, me indignei com o estado das calçadas nesse trecho — não só neste trecho, mas na maior parte do trecho compreendido entre a Vila Conceição e minha casa — pois acho que a largura da calçada é de 1m e é realmente difícil caminhar ali; isso me parece muito um favorecimento do trânsito de automóveis e não de pedestres! Os ônibus, anunciados pelos volumosos sons de seus motores, passam por ali com uma velocidade que me assusta um pouco.

Seus vaivéns, assim como de outros carros, se interrompem e se prolongam pela avenida, diferentemente do que ocorre no interior da Vila Conceição. É nessa lomba que se situa, do lado direito de quem vem do centro, a Vila Conceição, muito diferente daquela que eu entro posteriormente: uma mistura de casas de concreto e madeira pequenas — se comparadas às casas da outra parte da Vila –, as cercas feitas de diversos tipos de material, como sem um padrão, faixas e-ou placas nas fachadas das casas com coisas do tipo “Faço Carreto”, crianças jogando bola e um senhor sentado num banquinho próximo à avenida. Esse conjunto, como se nos aparece, lembra uma bricolagem, uma “colcha de retalhos”.

Mais adiante está a entrada, que considerei como principal, da Vila Conceição, na Rua Picasso. Construída em cima da onde passava o trem (como conta meu pai) — olhando para baixo podemos ver o arco de pedra por onde o trem passava e o caminho dos trilhos, mas não vi os trilhos — essa entrada se apresenta pra mim como uma sobreposição de camadas, não só de concretos mas, de tempos outros que parecem nos convidar a lembrá-los, pois essa paisagem parece guardar um mistério, como se tivesse que descobri-lo, procurá-lo. Logo ao entrar na rua, observo uma casa que eu já havia visto antes mas ela parece diferente, tive a sensação de que parte da casa tinha sido demolida, … não sei, mas é antiga, grande, de cor branca e janelas azuis. É nessa casa, a primeira a se ver na Vila, que a rua se bifurca em T, podendo, então, se seguir à direita ou à esquerda para continuar no bairro. Ignorando todas as crenças e concepções acerca do “direito” e do “esquerdo” — (“A preeminência da mão direita — um estudo de polaridade religiosa”, de Hertz) — optei por dobrar à esquerda e a partir dali (re)conhecer a vila. (Diário de campo, 16/03/08).

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