Reconstrução em 360° da Praça da Matriz

BIEV UFRGS
Livro do Etnógrafo
8 min readMar 29, 2018

Escrito por: Felipe Rodrigues

Escrevendo com imagens

Vídeo Produzido para a Apresentação no FINOVA VII — Feira de Inovação Tecnológica 2016–2017

Reconstrução em 360° da Praça da Matriz é uma tentativa de remontar o tempo, de (re)narrar as transformações na Praça da Matriz através de imagens de acervo de Porto Alegre.

O início do processo se deu através de uma busca exploratória por imagens antigas da Praça da Matriz, dispersas pela internet. Diversos tamanhos, tempos, resoluções. Logo, essa busca saiu do virtual e foi para dentro de acervos de Museus de uma forma mais criteriosa de imagens que possibilitassem a (re)figuração do na praça da Matriz.

No Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo deu-se uma volta ao passado através de uma busca labiríntica por termos, nomes e características que fizessem menção à Praça da Matriz: Praça do Palácio, Praça Dom Pedro II, Praça Marechal Deodoro (nome oficial), Monumento a Júlio de Castilhos, Catedral Metropolitana, Palácio Piratini, Theatro São Pedro, Bailante… Essas foram algumas das palavras chaves para achar imagens do mesmo lugar.

Já na Praça da Matriz ao defrontar as representações do passado com o seu estado atual, percebe-se que houve transformações: a Igreja da Matriz, o Palácio Piratini, o Palácio da Justiça. Novos elementos surgiram: a Assembleia Legislativa, a Arborização da Praça, asfalto. Alguns saíram da praça como a Bailante e a concha Acústica do Araújo Viana. Porém, alguns se mantiveram quase da mesma maneira — O Theatro São Pedro ilustra isso.

E tem um elemento que se manteve, mas não está mais lá: o Rio Guaíba. A sua invisibilidade contradiz com a própria fundação da Praça, e por que não da Capital Porto Alegre, que se estabelece como sede, vinda de Viamão, no Alto da Praia para que se pudesse controlar a bacia do Guaíba e seus afluentes. Hoje não se vê mais o Rio, apesar dele estar lá. A cidade cresceu em volta praça, ilhando-a.

Para a continuação da pesquisa foram utilizadas imagens tanto do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, quanto do BIEV –Banco de Imagens e Efeitos Visuais e da Professora Ana Luiza Carvalho da Rocha. São exemplos de autorias das imagens e acervos compiladas durante as buscas por fotografias antigas que narrassem o passado de Porto Alegre: Irmãos Ferrari, Virgílio Caligare, Acervo Eva Schmid, Acervo Terragne, Acervo Dr. João Ribeiro Neto.

As imagens catalogadas, referenciadas e separadas por autores ou acervos foram reunidas e formaram o meu próprio acervo- um banco de imagens para que pudesse começar a trabalhar na reconstrução da Praça da Matriz. Para tanto, utilizei uma ferramenta (software) que trabalha com gerenciamento de banco de imagens, o Adobe Bridge. Através dele posso manter as imagens juntas, porém categorizadas com tag’s (metainformações ou metadados), possibilitando uma metabusca dentro do banco de imagens, mantendo as informações originais e demais informações que eu atribuí posteriormente.

Imagens do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo — — — — — — — — — — — — — — Imagens do BIEV — Banco de Imagens e Efeitos Visuais
Banco de imagens criado para o projeto Reconstrução em 360° da Praça da Matriz

A partir da criação do meu próprio Banco de Imagens inicio o processo de remontar o tempo na praça. Misturando imagens, autores e datas distintas tento, em cima da imagem que tenho da praça hoje, reconstituí-la. Muitas dificuldades surgem, diferentes perspectivas, enquadramentos e lacunas vão surgindo nas primeiras tentativas de “montagens”. Considero que estou “escrevendo” essa imagem com palavras de outros autores, procuro não “distorcê-las”, usá-las da mesma forma como eles a “foto”grafaram no passado.

Tentativas de reconstrução da Praça da Matriz

Por fim, ao longo do processo, chego nesta forma de reconstrução do tempo na Praça da Matriz:

Aqui a representação conta com uma grande distensão de tempo, pois vemos misturados vários momentos da praça: a Bailante junto com o Monumento a Júlio de Castilhos, imagem sem a futura Catedral Metropolitana (momento das obras de construção) e outra com ela inserida digitalmente para integrar essa (re)figuração da Praça da Matriz.

Ao apresentar essa representação da Praça à minha orientadora,a professora Ana Luiza Carvalho da Rocha, ela questiona justamente a amplitude do tempo apresentado na representação. E sugere uma nova forma de pensar essa representação e essa decalagem de tempo presente na Praça da Matriz, desde as imagens antigas até a forma como ela seapresenta hoje. Pelo viés da Etnografia da Duração (ECKERT&ROCHA, 2015), ela sugeriu apresentar a praça em camadas de tempo: Cidade Colonial, Cidade Imperial, Cidade Republicana, Cidade Democrática e Cidade Memorial/Pratrimonializada.

Para tal feito eu deveria voltar as imagens do banco que criei com as fotos que coletei em diferentes acervos, e buscar não mais autorias, e sim, rastros e pistas do tempo presentes em cada imagem em si, para poder remontar essa camada e ir superpondo-as uma sobre as outras e assim poder figurar o tempo por imagens na Praça da Matriz. Agora o processo, dentro do banco construído, era de categorizar as imagens, e não apenas classificá-las, criando assim uma coleção etnográfica (ECKERT&ROCHA , 2013). Essa coleção, aqui será representada por duas camadas de tempo — a Cidade Imperial e a Cidade Republicana.

Na Cidade Imperial o intervalo de tempo a ser considerado foi de 1866, data da inauguração do chafariz em homenagem à visita do Imperador Dom Pedro II e aludindo aos cinco grandes rios que formam a bacia do Guaíba, até 1906, data da destruição da Bailante para abertura de uma larga rua, processo progressista da República. Dentro do banco de imagens a busca foi feita buscando esses elementos que deveriam estar ali na época: A capela do Divino Espirito Santo, o Palácio de Barro (sede do Governo), a Bailante, o Theatro São Pedro, o Palácio da Justiça e o Chafariz.

Outro ponto abordado na orientação que tive, fui justamente o questionamento da professora, ao pedir que eu reflexionasse o meu próprio processo utilizado na reconstrução da Praça da Matriz. Até então eu achava que era apenas um operador/escriba utilizando um software/alfabeto operando com fotos/palavras de outros para contar a narrativa deles. Eu não me colocava no processo como ser pensante. No momento em que é feita essa proposta de reflexão, junto com os Seminário de Escrita — ministrados no BIEV, percebo que sou o autor dessa narrativa (reconstrução) fazendo com que eu passe a dialogar com os autores do passado e podendo, intervir nas imagens e até preencher algumas lacunas, amarrando as imagens. E para tal utilizo não apenas um programa de computador e sim uma linguagem, utilizo o Photoshop, porque ele me possibilita trabalhar com camadas (layers), bem como as camadas utilizadas para remontar o tempo na praça da Matriz.

Ao trabalhar com coleções etnográficas de imagens presentes e passadas, estamos operando com uma convergência de imagens da quais a imaginação criadora do antropólogo participa intensamente em seu processo de produção de imagens como forma de narrar a cidade, dando a ela um continuum de consciência a si e a todos os outros nelas representados. (ECKERT&ROCHA, 2013:60)

Assim, a Cidade imperial passa a fazer parte da narrativa que quero contar com a Reconstrução da Praça da Matriz. Narrativa escrita com imagens.

Para a recriação da camada da Cidade Republicana, o processo foi o mesmo, o intervalo dessa camada vai de 1912, com a construção do Monumento a Júlio de Castilhos, até 1949, ano do Incêndio do Palácio da Justiça. Nesse período temos significativas transformações na Praça da Matriz como a substituição da sede do governo do antigo Palácio de Barro pelo Palácio Piratini, em 1921. Surge a Concha acústica do Araújo Viana, inaugurada em 1927, ao lado do Theatro São Pedro e a Obra da Construção da atual Catedral Metropolitana, que se inicia em 1929, junto com o deslocamento da Capela do Divino Espirito Santo (pedra-a-pedra) para o Bairro Bom Fim.

Para a finalização do projeto ainda faltam as camadas: Cidade Colonial de 1772 até 1866 — uma era pré-capital, na qual os registros imagéticos existentes contam apenas com aquarelas da paisagem da cidade; Cidade Democrática de 1949 até 1967- data da inauguração da sede da Assembleia Legislativa; e a última camada - a da Cidade Memorial/Patrimonializada que será registrada por mim, iniciando-se no final da camada anterior 1967 indo até a presente data.

Para tal registro fotográfico da Praça da Matriz nos dias de hoje terei de me valer de técnicas e ponto de vistas utilizados pelos meus precursores colegas na tarefa de fotografar a cidade de Porto Alegre. No início do século, por conta do equipamento e angulação das lentes, eles valiam-se de fotos mais panorâmicas para registrar a Praça da Matriz. Assim, subiam nas edificações mais altas na época, Theatro São Pedro e a Igreja da Matriz, fazendo um plano e um contra plano, registrando quase todos os ângulos da praça. Hoje terei de copiá-los, pois por causa da arborização iniciada em 1883, hoje há arvores muito altas. Então terei também de procurar as edificações mais altas atualmente e tentar reproduzir os planos e contra planos já feitos no passado.

E justamente esses planos e contra planos das imagens panorâmicas, tanto as fotografadas no passado quanto as que eu irei registrar é que possibilitaram que essa reconstrução da praça da matriz fosse em 360 ° como visto aqui:

Camada da Cidade Imperial em 360°
Camada da Cidade Republicana em 360°

E esses panoramas das camadas em 360° vão fazer com que possamos remontar o tempo na Praça da Matriz, não por um historicismo (uma camada de tempo após a outra), e sim pela duração (uma camada superposta a outra). Esta superposição vem dos elementos que (per)duraram na praça da matriz, que furaram o tempo, que perpassaram as camadas, camadas que formam uma espiral, uma uma dialética da duração (BACHELARD, 1994).

Espiral das Camadas do tempo na Praça da Matriz
Representação da Espiral das camadas de tempo na Praça da Matriz

Outra forma de representar as Camadas de Tempo:

Referências:

BACHELARD, G. A dialética da duração. Tradução Marcelo Coelho. 2.ed. São Paulo: Ática, 1994.

ECKERT, C. ; ROCHA, A. L. C. . A preeminência da imagem e do imaginário nos jogos da memória coletiva em coleções etnográficas. 1. ed. Brasília: ABA, 2015.

ECKERT, C. ; ROCHA, A. L. C. . Etnografia da Duração: antropologias das memórias coletivas nas coleções etnográficas. 1. ed. Porto Alegre: Marcavisual, 2013.

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