Opinião — Sem Data Venia, de Luís Roberto Barroso

Matheus C.
Livromento
Published in
7 min readMay 26, 2021

Informações

  • Autor(a): Luís Roberto Barroso
  • Quantidade de páginas: 286
  • Tipo do livro: e-Book (Kindle)
  • Dificuldade de leitura: ■□□□□
  • Avaliação pessoal: ★★★★★

A Obra

Sem Data Venia: Um olhar sobre o Brasil e o Mundo é o mais recente livro do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso.

Em uma obra destinada ao público amplo, Barroso lança um olhar sobre o Brasil e o mundo, passando pelo passado e presente, a fim de abordar os principais problemas que deixaram o país — e sua população — na atual condição.

Capa de Sem Data Venia: Um olhar sobre o Brasil e o Mundo

Além de uma visão acerca do Brasil, na obra também temos a possibilidade de conhecer quem de fato é Roberto Barroso. De onde veio, para onde foi. Onde estudou, com quem estudou. Como chegou ao cargo de ministro, quem o indicou. Quais eram suas ideias no passado, quais são suas ideias no presente.

Opinião

Não se pode esperar menos de alguém que atinge o mais alto cargo do poder judiciário brasileiro.

Em uma obra com uma escrita elegante, uma boa separação de tópicos abordados, e — o mais importante — sem vícios ideológicos, Barroso procura, passando pelo passado e pelo presente, evidenciar os problemas que nos afligem até hoje e que mantém o Brasil um país atrasado.

Uma leitura gostosa, de fácil compreensão e com uma linguagem simples. Se você procura algo que mostre a realidade do Brasil sem qualquer paixão ideológica, talvez esse livro seja um bom começo. Nem de esquerda, nem de direita: interessante para todos os lados.

Nós não somos atrasados por acaso. Somos atrasados porque o atraso é bem defendido.

A estrutura do livro

A obra, ao meu ver, é bem dividida. Possui, basicamente, três grandes partes, as quais discorrerei brevemente a seguir. Cada parte é dividida em capítulos.

Parte I: Uma visita ao passado

A primeira parte é dividida em três capítulos, todos dedicados a uma visita ao passado.

O primeiro capítulo é um relato na primeira pessoa, onde o ministro narra fatos de sua infância e adolescência — para quem não gosta de biografias, esse capítulo pode ser pulado, sem prejuízo à leitura que se segue.

Evidentemente o presente capítulo é um pouco recheado de algo que eu gosto de chamar de "bom mocismo" do autor. No geral, é interessante para quem gostaria de conhecer mais a respeito de quem é Luís Roberto Barroso. Não estou aqui para duvidar do "bom mocismo" apresentado, então não farei comentários a respeito.

O segundo capítulo é destinado integralmente aos anos da ditadura militar no país. Defendida por muitos brasileiros atualmente, a ditadura foi um período sombrio para a nação, não apenas no quesito de falta de liberdade de expressão, mas também no extenso crescimento do Estado — nessa época, o Estado foi inchado e foram criadas diversas empresas estatais. Acerca disso, todos já sabem o fim da história.

Esse capítulo é fundamental para o restante da leitura, pois aborda um dos motivos que nos trouxeram a situação atual. Além disso, para alguém jovem como eu, é uma parte interessante que narra os fatos de uma visão diferente das que nos são apresentadas nas escolas. Por não ser um livro de história, não entra em muitos detalhes, mas é o suficientemente para gerar uma boa compreensão.

O último capítulo narra uma linha do tempo até a redemocratização em 1985 com o fim do regime militar no Brasil. Importante para entender como chegamos à constituição de 1988, quando Sarney, cumprindo a promessa de campanha de Tancredo Neves, convocou uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova constituição para o país.

Parte II: Um olhar sobre o mundo

Essa parte é dividida em dois capítulos que tratam a respeito dos aprendizados do século XX e dos grandes desafios do século XXI.

Barroso cita Admirável mundo novo, de Aldous Huxley e 1984, de George Orwell — duas importantes obras do século XX para demonstrar que as distopias idealizadas por Huxley e Orwell nunca se concretizaram, porém, mostra que ambas trazem alertas importantes para os riscos reais de combinações catastróficas entre política, autoritarismo e tecnologia. Também diz o óbvio: obras como essas nem sempre são profecias, mas servem efetivamente para despertar os perigos que podem germinar na sociedade.

Gostei de como o autor busca trazer não apenas os desastres do século passado, mas também mostrar como diversos avanços ocorreram mesmo durante tempos tão difíceis. Um século marcado por guerras e genocídios, mas também marcado por conquistas dos direitos humanos e expansão da democracia.

Parte III: Um olhar sobre o Brasil

Essa parte é dividida em quatro grandes tópicos — política, costumes, direito e economia — e cada tópico é dividido em capítulos.

Aqui é onde o livro realmente começa.

Política

Sem dúvida essa é uma das melhores partes de toda a obra, ainda mais pelo fato de ser uma visão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, uma pessoa que fatalmente possui alguma atuação política.

Este primeiro tópico aborda muitos assuntos, iniciando com Corrupção (tratarei especificamente deste a seguir). Passa por liberdade de expressão, pobreza e educação básica, até chegar na reforma política. O autor faz bem em criticar os sistemas atuais (educação, sistema político) e sugerir mudanças, algumas óbvias, mas até o óbvio deve ser dito acerca destes temas.

Imagino que seja indiscutível o fato de que nosso país é extremamente corrupto. Como bem pontuado pelo autor durante sua exposição acerca do "jeitinho brasileiro" no tópico relacionado a costumes, a corrupção não existe apenas na esfera pública, mas ocorre em demasia, também, na esfera privada — não apenas no ambiente corporativo, mas também nas nossas relações interpessoais.

Fazendo um oportuna citação da operação “Mãos Limpas”, na Itália, o autor demonstra que a luta contra a corrupção enfrenta obstáculos quase intransponíveis, simplesmente pelo fato de envolver “criminosos do colarinho branco”. Essa crítica — do ministro — à corrupção é feroz e incisiva, chegando a dizer o que deveria ser óbvio para todos: a corrupção é um crime violento. Mata na fila do SUS, mata na educação, mata na falta de segurança pública.

De acordo com Barroso, o crime do colarinho branco passou impune no Brasil, até o caso do Mensalão, onde dezenas de pessoas foram julgadas e condenadas por práticas criminosas envolvendo a administração pública. A corrupção no Brasil é institucionalizada e todos que atingem o poder se veem no direito de cometê-la.

O refrão repetido é o de que sempre foi assim. Agora a história mudou de mão, consideram-se vítimas de um atropelamento injusto.

Barroso também diz que, além de a corrupção ser institucionalizada, soma-se o fato de que, por questões ideológicas, certas pessoas preferem atacar o judiciário — que condena — , ao invés de apoiá-lo para incentivar o combate à corrupção. Segue um trecho que não posso deixar de colocar:

Em chocante distorção, o fato de o juiz ter referido uma testemunha à acusação — e se fosse de defesa deveria tê-la referido aos advogados — trouxe mais indignação que o apartamento repleto com 51 milhões de reais (…)

Todos sabemos de qual juiz o autor se refere neste trecho, não?

Ainda acerca da corrupção gostei das cutucadas que o ministro da em seus colegas. Alguns trechos do livro evidenciam que o autor vê certos laços políticos nas "instâncias" superiores do judiciário brasileiro.

(…) e Judiciário independente e sem laços políticos, ao menos na primeira e na segunda instâncias (…)

Costumes

Um bom tópico, que, iniciando com o "Jeitinho brasileiro" (assunto o qual discorrerei brevemente a seguir), passa por aborto, descriminalização das drogas, direitos LGBT e racismo.

Um critério para saber se o jeitinho é aceitável ou não: verificar se há prejuízo para outra pessoa, para o grupo social ou para o estado

Em suma, a definição dada por Barroso ao jeitinho é a de acepção mais comum: é o conjunto de comportamentos de um indivíduo voltados a resolução de um problema por via informal.

Esse jeitinho pode utilizar o charme, a simpatia e até a corrupção. A verdade é que o jeitinho quase sempre envolve a tentativa de criar um vínculo afetivo com o interlocutor. Há também uma expectativa de compadrio — e você está fazendo por ele, por que ele não faria por você?

Uma boa crítica ao jeitinho brasileiro, para acabar com a visão romântica que muitas pessoas atribuem a ele.

Direito

Esse tópico envolve uma crítica construtiva ao judiciário brasileiro, passa pelos temas de Estado Laico, STF e faz uma crítica à judicialização da vida que ocorre no Brasil.

Uma parte bem interessante deste tópico é o último capítulo, onde há um compilado de 15 decisões históricas — na visão do autor — tomadas pelo Supremo Tribunal Federal.

No geral, Barroso faz bem em criticar o modus operandi do judiciário e judicialização extensa no Brasil, mostrando casos reais, não tirando coisas da sua própria cabeça.

Economia

Tratando da pandemia de covid-19, o ministro busca trazer algumas preocupações em relação ao agravamento da desigualdade durante e no pós-pandemia, porém é raso na exposição de ideias que ajudam a solucionar o problema.

Passando também por meio ambiente e desenvolvimento sustentável, Barroso critica a maneira que o governo brasileiro lida com o meio ambiente e demonstra sua preocupação acerca do assunto, revelando, inclusive, um resumo de um artigo escrito por ele mesmo que serviria de base para uma palestra adiada devido a pandemia. O autor faz bem em criticar a maneira que o governo lida com a Amazônia e introduz o assunto de bioeconomia e o conceito de Amazônia 4.0, onde a ideia é transformar recursos naturais em produtos de valor agregado gerados e consumidos de forma sustentável.

Passando por livre iniciativa, Barroso faz uma crítica ao intervencionismo do Estado.

Na minha vivência brasileira, sou convencido de que o Estado, na sua atuação econômica, é quase sempre um Midas pelo avesso: o que ele toca vira lata. Em seguida, enferruja.

Também da um parecer acerca do capitalismo brasileiro, onde inúmeras empresas recorrem a investimentos públicos, visando eximir o capital próprio de eventuais riscos.

Um ambiente de negócios feito de financiamento público, reserva de mercado e favorecimento não é capitalismo, mas socialismo para ricos.

Conclusão

Apesar de ser raso nas propostas de solução dos problemas expostos, o autor faz bem em criticá-los e consegue prender o leitor com uma escrita muito elegante e agradável, sem jargões do direito e, como dito acima, sem paixões ideológicas. Uma aula de cidadania!

É um pequeno livro e vale o tempo de leitura, principalmente aos mais jovens. Recomendo.

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Matheus C.
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Desenvolvedor de software que às vezes gosta de dar uma lida :)~