Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex

Jéssica Weirich
Entrelivros
Published in
3 min readJun 22, 2019

Livro narra a história das pessoas que passaram pelo hospício de Barbacena, que matou mais de 60 mil pacientes

Foto: Divulgação/Geração Editorial

Holocausto Brasileiro te faz sofrer por razões que até então você possivelmente nem conhecia. A morte das mais de 60 mil pessoas que passaram pelo Hospital Colônia, em Minas Gerais, ao longo do século XX, é um fato que a jornalista Daniela Arbex relembra por meio de fotos, documentos e relatos que transmitem a dor de todos que enfrentaram ou testemunharam as crueldades da instituição. As páginas carregam o sofrimento vivido por pacientes e funcionários da instituição, que abrigou milhares de pessoas com os mais variados diagnósticos de distúrbios psicológicos. O livro é o compilado de reportagens escritas para o jornal Tribuna de Minas, posteriormente publicado pela editora Geração.

Como apontado por Eliane Brum no prefácio, o jornalista “transforma em palavra o que era silêncio”. Daniela Arbex faz isso com maestria ao trazer à tona um dos maiores massacres da história do país, que ocorreu em Barbacena, uma das cidades integrantes do que era chamado “corredor da loucura” — também estavam inclusas Juiz de Fora e Belo Horizonte. Durante cerca de 80 anos, a instituição recebeu pacientes que chegavam aos montes diariamente, a bordo do “trem de louco”. Alguns eram diagnosticados com tristeza, outros com rebeldia, outros simplesmente por não cumprir as expectativas da sociedade, por “dar muito trabalho”. Estes pacientes eram tratados de forma desumana, sendo obrigados a enfrentar situações extremas para sobreviver.

Dormiam amontoados no chão de pavilhões sujos, e constantemente os mais fracos — ou aqueles que ficavam embaixo na pilha de pessoas — não acordavam para viver um novo dia. Eram levados para o pátio antes do amanhecer, e formavam aglomerados para não morrerem de frio, revezando entre os que ficavam dentro do círculo, no centro do calor humano. Como só possuíam a roupa do corpo — geralmente trapos que não davam conta de mantê-los aquecidos — os pacientes passavam dias nus, pois entregavam o pouco que tinham para acender a fogueira que os manteria vivos no frio da cidade. As gestantes constantemente passavam fezes na barriga para não serem maltratadas pelos funcionários do Colônia.

Uma das vítimas sobreviventes do hospital, Sônia Maria da Costa usava da violência como defesa em seus mais de 40 anos de internação. Como relata Arbex, a história da ex paciente foi toda construída dentro da instituição: órfã, sem data de nascimento exata, em seus documentos Barbacena consta como cidade natal — apesar de não ser. Ela deixou o Colônia em 2003 com a amiga e também ex paciente Terezinha para morar em uma residência terapêutica e passou a ter autonomia em seus horários, afazeres e finanças. Depois de tantos anos de vida, teve a chance de descobrir coisas de que gostava, como pintar as unhas e tomar refrigerantes. Frequentemente veste dois vestidos, sequelas do tempo em que não tinha nenhuma peça de roupa para usar.

Assim como Sônia, muitos brasileiros enfrentaram as condições desumanas no hospital. Um grande número de pessoas não suportava a precariedade do tratamento e, por conta disso, os cemitérios da cidade ficavam superlotados. A instituição lucrava com a venda de alguns desses cadáveres para universidades da região. Daniela Arbex ressalta o dado de que 1853 corpos foram comercializados pelo Colônia, resultado de ações corruptas de alguns funcionários.

São relatos sensíveis e sérios sobre violações de direitos humanos, sobre violência médica, sobre a precariedade e os absurdos do tratamento psiquiátrico no Brasil no século XX. Daniela Arbex traz de volta a memória dos tempos obscuros em que os manicômios eram comuns no país, em que a banalização da loucura era diária e os “loucos” eram tratados pior do que como bichos. Holocausto Brasileiro é uma obra importante para nos lembrar dessa parte dolorosa da história do país. Nas palavras de Eliane Brum: “agora é preciso lembrar. Porque a história não pode ser esquecida. Porque o holocausto ainda não acabou”.

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