Peaky Blinders: sangue, apostas e navalhas

Mariana Oliveira
Lôba no Covil
Published in
6 min readJun 12, 2020

Se você gosta de séries com uma boa dose de adrenalina, drama histórico, inteligência, gangsteres, violência e reviravoltas, não pode deixar de assistir Peaky Blinders. A série britânica da BBC, dirigida por Steven Knight e Tom Harper, chegou a cinco temporadas em 2019 e atingiu uma legião de fãs do jeitão “frio e calculista” do protagonista — o que rendeu bons memes. Mas Peaky Blinders não se resume só a isso.

Baseada em uma gangue britânica de mesmo nome que atuou entre os anos 1890 e 1930 na região de Birmingham — Inglaterra, Peaky Blinders mostra a ascendência da fictícia família Shelby que lidera a gangue. A série começa em 1919, numa Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial, em que a luta da classe operária, motivada pelas privações socioeconômicas que sofriam e pela falta de assistencialismo do governo, começa a crescer, impulsionada pelo ideais comunistas trazidos da Revolução Russa de 1917. Por outro lado, gangues como as da série, basicamente formadas por jovens desempregados e ex-combatentes da Grande Guerra, que passam a ter poder social e influência política por meio de roubos, fraudes, contrabandos e outras atividades ilícitas, também começam a tomar conta do país.

É aqui que entra os Shelby. A gangue ganha cada vez mais espaço no ramo das apostas ilegais de cavalos e são conhecidos por suas roupas feitas sob medidas, por usarem o mesmo corte de cabelo e por agir com violência contra quem se mete em seu caminho. Outra característica do grupo é o uso de boinas com navalhas costuradas na aba, que servem para atacar e cegar seus inimigos — por isso o nome “peaky blinders”. A população de Birmingham vive no bom estilo “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, pois ai de quem resolve mexer com o grupo ou não obedecer às ordens dos Shelby. É tratado sem dó nem piedade.

Thomas Shelby (brilhantemente interpretado por Cillian Murphy) é o líder dos Peaky Blinders, apesar de não ser o homem mais velho da família. Tommy é um homem sisudo, meticuloso e atormentado por pesadelos derivados das suas experiências como sargento na Primeira Guerra, que, um belo dia, se depara com uma perigosa chance de erguer seus negócios: o roubo acidental de uma remessa de armas de guerra do governo britânico.

Porém, Thomas vê seus planos serem ameaçados quando o major irlandês Chester Campbell (Sam Neill) é enviado à Birmingham por Winston Churchill (Andy Nyman/ Richard McCabe) para investigar o sumiço da carga bélica, já que o medo é que as armas sejam vendidas para o Exército Republicano Irlandês (IRA). Campbell é conhecido por ter livrado Belfast do domínio das gangues, mas se vê numa situação muito mais complicada com os Peaky Blinders, já que Tommy é um líder inteligente e perspicaz, que tem sempre uma carta na manga, o que pode acabar com a carreira do major.

Apesar de mostrar o crescimento dos negócio dos “Irmãos Shelby cia. ltda.”, a série também traz suas derrotas, traições e os sofrimentos psicológicos vividos pelos personagens. Arthur Shelby Jr. (Paul Anderson), por exemplo, é o mais velho, porém, seu histórico de estresse pós traumático pós-guerra e seus temperamento explosivo o impedem de ser o líder que deveria ser para a gangue. Vemos Arthur lidar o tempo inteiro com sua raiva, seu abuso de cocaína (droga que estava começando a circular na época) e algumas tentativas de suicídio.

As personagens femininas também merecem destaque. Tia Polly (Hellen McCroy), tesoureira do grupo, apesar de parecer destemida, tem um passado triste. Já liderou os Peaky Blinders enquanto os irmãos lutavam na guerra, mostrando que ser mulher não era impedimento para comandar os negócios da família. Ada Thorne (Sophie Rundle), única irmã dos Shelby, não é de levar desaforo para casa e acaba preferindo se desligar dos negócios ilícitos da família por um tempo, por não compactuar com eles. E ainda tem Grace Burgees (Annabelle Wallis), uma misteriosa garçonete vinda da Irlanda, que aparece para trabalhar no bar de Arthur e acaba chamando a atenção de Thomas.

Além das atuações de peso (Tom Hardy, Andrien Brody e Sam Claflin também se juntam ao elenco), a série possui uma produção de fazer inveja. Figurinos, fotografia e cenário trazem todo o charme dos anos 20 para os episódios. E, indo de encontro de propósito a tudo isso, temos a trilha sonora, composta por nomes como Black Sabbath, Joy Division, The White Stripes, Radiohead, Queens of the Stone Age, Arctic Monkeys, Black Rebel Motorcycle, Nick Cave And The Bad Seeds, entre outros. O contraste do rock n’ roll (que só viria nascer uns 30 anos depois da época em que se passa a série) com o ambiente do início do século XX é crucial para criar a sensação pesada de algumas cenas. Não sei quantos cigarros Cillian Murphy teve que fumar durante as gravações, mas o vício exagerado que os personagens possuem é outro detalhe da época que não foi esquecido, afinal, o hábito já foi considerado glamouroso no passado.

Tudo isso é combinado aos fatos históricos que são costurados à trama. Nomes como Churchill (já citado), Al Capone, Billy Kimber, Oswald Mosley e outros aparecem em Peaky Blinders sejam como personagens recorrentes, ou apenas citações. Nunca pensei que iria conseguir odiar Sam Claflin na vida, até vê-lo brilhar atuando como Mosley, o fundador do partido fascista britânico.

Eu diria que Peaky Blinders seria uma Sons of Anarchy da década de 1920. Possui a mesma pegada da série americana, de criar no telespectador uma empatia pela gangue protagonista, você torce por eles. Apesar das várias atitudes violentas e de todos os crimes cometidos, algumas coisas são justificáveis quando vemos, por exemplo, o lado que deveria ser o certo também ser corrupto, violento — principalmente contra a população a quem devia defender — e criminoso.

A série ganhou reconhecimento um tanto quanto tardiamente — eu mesma só fui assistir agora, apesar de terem me recomendado há alguns anos. Mas não deixa de ser uma boa pedida. A única ressalva que tenho é sobre o desenvolvimento da personagem de Annabelle Wallis (Grace), que não vou entrar em detalhes para não soltar spoilers, mas, na minha humilde opinião, não gostei muito do rumo que a personagem tomou, me pareceu que o papel caiu um pouco.

Envolvente e supreendente, prepare-se para viciar na obra, devorar as cinco temporadas compostas de seis episódios de uma hora de duração cada uma, e aguardar ansiosamente pela sexta temporada, que, devido à pandemia, só deve sair ano que vem. Todas as temporadas lançadas se encontram no catálogo da Netflix.

Teaser:

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Mariana Oliveira
Lôba no Covil

Analista de Sistemas, jornalista em formação, bebe cerveja, escuta rock clássico, heavy metal e axé music. Gosta de terror, coisas fofinhas e escrever resenhas.