Reflexões sobre a atuação em Lobby e 6 dicas para ingressar na área

Por Felipe Moreira*

Victor Roland
Lobby Para Todos
8 min readJun 25, 2020

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Há 4 anos atrás, eu me candidatei para uma vaga de coordenador de Relações Governamentais de uma grande empresa multinacional com atuação no Brasil.

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Fazia pouco tempo que eu havia deixado a Secretaria de Casa Civil e Relações Institucionais do Estado de Minas Gerais por conta da mudança de governo, em 2015. Sem oportunidades no setor público, ir para a iniciativa privada não era apenas uma possibilidade, mas uma necessidade caso eu desejasse seguir meu expertise profissional na área de Lobby.

Na época, vagas de Relações Governamentais e Advocacy eram ainda mais raras do que são hoje. Por isso, fiquei entusiasmado ao checar as seguintes atribuições requeridas para o cargo:

· “Monitoramento e acompanhamento de projetos de lei, discursos, requerimentos e demais iniciativas em trâmite nas casas legislativas Federal, Estadual e Municipal;

· Análise de cenário político e colaboração na definição de estratégias de atuação;

· Relacionamento institucional com representantes dos poderes executivo e legislativo, associações de classe e outras empresas.

· Elaboração de relatórios, redação de ofícios, análise e compilação de dados e informações.”

E aqui vai a primeira dica para quem deseja ingressar na área de relações governamentais e advocacy:

1 — PLANEJE ONDE VOCÊ QUER CHEGAR

As ações do Poder Público impactam todos os atores sociais e você pode treinar suas habilidades gerais de monitoramento, análise, relacionamento e produção de materiais técnicos no âmbito de diversas instituições. No meu caso, as habilidades que adquiri trabalhando no Poder Executivo Estadual correspondiam às demandadas pelo setor privado na ocasião.

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Mas, por outro lado, se você tem planos de atuar na iniciativa privada, é interessante direcionar-se sempre que possível para temas ligados ao setor específico de atuação que você busca no mercado e que seriam relevantes para a empresa ou instituição “dos sonhos”. Conhecer quais são a decisões do Poder Executivo, Legislativo e do Judiciário que afetam a realidade deste setor, com quais atores sociais a empresa ou entidade se relaciona, bem como o organograma e os processos no âmbito destes órgãos, é um diferencial decisivo para o sucesso de sua candidatura.

2 — UM MONITORAMENTO ATIVO É CRUCIAL

Seria mais fácil se todo mundo chamasse nossa profissão por um único nome, essa é uma característica peculiar da nossa área. Mas já que não é assim, use ferramentas como o “LinkedIn Jobs” e “Google Empregos” para buscar e monitorar palavras chave como:

· Relações Governamentais

· Políticas Públicas

· Relações Institucionais

· Relações Públicas

· Assuntos Regulatórios

· Diplomacia Corporativa

· Incidência Política

Além dos vários anglicanismos que permeiam a área, uma vez que o mercado brasileiro ainda percorre uma trajetória de consolidação da prática de Lobby, buscando se inspirar em exemplos de fora:

· Advocacy

· Policy

· Public Policy

· Public Affairs

· Institutional Relations

· Regulattory Affairs

· Corporate Affairs

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Isso fará com que você encontre mais rápido as oportunidades para se candidatar, além de garantir que você acompanhe as movimentações de mercado e entenda os critérios de seleção e requisitos exigidos na área.

Foi assim que descobri a vaga desta empresa no LinkedIn e tive a oportunidade de me candidatar, já que cumpria os requisitos indicados, que eram os seguintes:

· Nível de escolaridade: Graduação, com preferência em Direito, Ciência Política, Administração Pública ou Relações Internacionais.

· Habilidades: Fluência em inglês e espanhol intermediário;

· Experiência: Interesse político. Conhecimento do processo legislativo e estratégias políticas recomendável.

Mas é claro que não basta apenas enviar a candidatura e currículo pelo LinkedIn ou site da empresa. E aqui vai a terceira dica:

3 — CONHEÇA MAIS DA EMPRESA E AS PESSOAS QUE TRABALHAM ALI

Além de se candidatar o mais rápido possível às vagas anunciadas, é importante que você se familiarize com os detalhes da empresa e o trabalho a ser desempenhado pela vaga. Pode ser relevante também apurar o histórico profissional e acadêmico de seu possível futuro chefe e colegas, entender seu perfil a partir das publicações que fazem em redes sociais, seus assuntos de interesse, posicionamentos pessoais, institucionais e assim por diante.

No meu caso, eu não conhecia ninguém da empresa, mas consegui participar de uma conferência que eles estavam presentes e consegui contato direto com um de seus funcionários, para quem pedi mais informações sobre a área de Relações Governamentais da companhia.

A pessoa não conhecia bem o departamento, mas sabia que uma pessoa chamada “Fulano de Tal” trabalhava lá, contudo, não tinha o contato para passar. Aproveitei a ocasião para entregar presencialmente meu currículo, para que fosse encaminhado internamente.

Passados alguns dias sem resposta, em uma tentativa e erro arrisquei seu endereço de e-mail corporativo. É preciso ter cautela neste tipo de abordagem. Pode dar errado. Regra número 1: jamais peça qualquer benefício ou privilégio e busque a maneira mais simpática e menos invasiva de iniciar este contato.

Naquele caso, atuei apenas para tentar fazer com que meu currículo fosse lido pelo responsável pelo processo seletivo. Esse é um receio que quem já buscou vagas de emprego na internet conhece bem, muitas vezes ficamos receosos se nossos currículos serão lidos nessas plataformas de recrutamento. Entre correr o risco de não passar pelo algoritmo da plataforma de candidaturas e o risco de perder a vaga por incomodar com um e-mail, abordagem ou mensagem, preferi atuar para evitar que essa última opção acontecesse

Não tenho como saber qual estratégia garantiu que eu fosse selecionado para a próxima etapa do processo. . Só sei que depois de alguns dias um número com o DDD de Brasília me ligou e era o “fulano” me convidando para uma entrevista.

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Nas primeiras entrevistas, eles queriam me conhecer melhor, mas também identificar no meu perfil experiências relevantes que já tinha tido, meus conhecimentos práticos e atitudes de liderança da minha parte.

E aqui vai a quarta dica:

4 — SAIBA QUAIS SÃO SEUS PRINCIPAIS ATRIBUTOS

É importante que você saiba fazer uma boa apresentação pessoal, concisa e objetiva que deixe claro suas habilidades, como que você já as aplicou na prática e por que você acha que elas são úteis para a instituição. Faça o recrutador entender que é vantajoso te contratar.

É preciso treino, mas com o passar do tempo costumamos aprimorar o discurso, entender a melhor maneira de contar nossa história e as mensagens que possuem melhor adesão perante os recrutadores. Mas é sempre importante ter um olhar específico para cada processo seletivo que estamos participando e nos adequarmos ao que está sendo solicitado e as características da vaga e da empresa que estamos aplicando.

Uma boa maneira de expor aos recrutadores nossas competências é através de um caso concreto, um bom e velho “causo” pode nos ajudar a auxiliar rapidamente nossos conhecimentos técnicos, capacidade de resolver problemas e resultados que alcançamos.

Depois da primeira etapa fui convidado para uma segunda entrevista, desta vez com o diretor de relações governamentais da empresa. Depois das apresentações de praxe, de forma muito gentil ele mencionou que nós de Minas Gerais somos famosos pelo gosto por contar causos e me pediu para contar um.

E aqui vai a quinta dica:

5 — FAÇA A LIÇÃO DE CASA

Pesquise previamente na imprensa, nos portais dos poderes Executivo, Judiciário e, sobretudo,do Legislativo sobre a instituição que você está aplicando. É interessante realizar a mesma busca para os principais concorrentes desse mercado.

Tendo feito isso, consegui contar um “causo” sobre a própria companhia para qual eu estava me candidatando, que foi o seguinte:

Anos atrás, esta empresa comprou um terreno para uma nova fábrica. Estavam previstos um alto investimento e a geração de milhares de empregos. Contudo, surgiu um detalhe. Aliás, vários detalhes que colocaram em xeque a instalação daquela planta operacional.

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Uma lei estadual declarou de preservação permanente e imune de corte todos os pés de pequi localizados em Minas Gerais. E, para infortúnio daquela empresa, o terreno em questão tinha 405 deles.

Diante disso, foi necessário iniciar um processo de compensação junto aos órgãos ambientais que custou R$ 2 milhões.

Além disso tudo, a empresa ainda esqueceu de contabilizar duas árvores. Cortá-las poderia ser considerado crime e a reabertura do processo de compensação ambiental demoraria demais. Por isso, optou-se por mantê-las.

Tempos depois da instalação da fábrica apesar dos percalços, um projeto de lei foi apresentado para flexibilizar a legislação de corte de pequizeiros. Após um ano de uma tramitação complicada foi publicada a Lei estadual.

O entrevistador, que era diretor de relações governamentais da empresa, conhecia muito bem os detalhes deste causo. E vendo que eu tinha pesquisado a fundo o histórico da empresa ele se deu por bastante satisfeito. Mas acabou que eu tive um revés. Naquele momento eu havia concluído algumas pós-graduações e estava prestes a defender minha dissertação de mestrado, podendo ser já considerado um especialista, o que era um perfil acima do que eles estavam buscando para aquela vaga.

E aqui vai a sexta e última dica:

6 — TENHA CUIDADO COM O GRAU DE SENIORIDADE.

Mesmo quando especificado no anúncio, o nível de senioridade buscado pelas empresas pode mudar até mesmo durante o processo seletivo. Portanto, busque entender com os recrutadores da vaga (seus futuros chefes e o pessoal da área de Gestão de Pessoas) o que está sendo buscado naquele momento.

No meu caso, acabou que o “fulano de tal” optou por redirecionar a vaga para um perfil mais júnior do que o anunciado, até mesmo por uma questão de remuneração. Diante disso, a princípio informei que estaria disposto a aceitar um salário inferior naquele momento, uma vez que uma experiência em uma empresa daquele porte era muito interessante.

Essa não foi a única vez em que recebi a resposta de que era “qualificado demais”. Mas foi a primeira. É frustrante e difícil de lidar. Mas se você passar por isso busque não se sabotar achando que foi uma mera desculpa. Infelizmente essa situação é comum porque raramente a remuneração, os benefícios, carga de trabalho, nível de experiência são informados com detalhes no anúncio da vaga. Quem nunca ficou receoso de preencher sua “pretensão salarial”?

Depois dessa experiência que acabo de contar passei a demonstrar meu conhecimento em ações voluntárias, divulgação de conteúdo, pesquisa acadêmica, eventos etc. Foi assim que surgiu meu escritório e, também, a iniciativa Lobby Para Todos.

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Felipe Moreira é professor, advogado e possui experiência prática no setor público e no setor privado como consultor nas áreas de Relações Governamentais e Advocacy. Doutorando e mestre em Direito pela UFMG, pesquisa sobre lobby, transparência pública e novas tecnologias, tendo palestrado sobre esses temas na Argentina, na Itália e no Canadá. Sócio do escritório Rodrigues Moreira Consultores e Advogados é também fundador da Lobby Para Todos, iniciativa que visa desmistificar o lobby e democratizar conhecimento e boas práticas de defesa de interesses.

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Victor Roland
Lobby Para Todos

Profissional de Public Affairs, colaborando com projetos da #LobbyParaTodos. Atuo também terceiro setor com educação popular de imigrantes e refugiados.