A serviço do trabalho e da saudade

Com rotinas totalmente alteradas, a tecnologia se torna a maior aliada na hora do trabalho e, também, para distração em meio ao isolamento social

Rômulo Vizzotto
Local e Esportivo 2020/1
8 min readJun 22, 2020

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por Rômulo Vizzotto

Estar em casa o tempo todo não é fácil. Mudar uma rotina também. A pandemia do novo coronavírus fez que com a vida fosse mudada de cabeça para baixo e, diante das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de governos estaduais para o isolamento social, ficar em casa é mais que um dever, vira uma obrigação. E é nesse momento em que a criatividade toma conta. Quem estudava presencialmente, agora está, do jeito que pode, tirando dúvidas com os professores na internet. Quem trabalha, atende telefone e envia e-mails de casa. E as reuniões com os amigos ou com a família agora são por videochamadas. A covid-19 mostrou como a tecnologia pode ser aliada das pessoas nessas horas.

Seja em Porto Alegre ou no interior do Estado, o chamado “novo normal” já faz parte da realidade da população gaúcha. Usar máscaras quando sair, higienizar as compras ao voltar do mercado, tomar banho quando chegar em casa já começam a ser algumas das práticas adotadas pela população. E não só isso. A comunicação entre os amigos, familiares e colegas de trabalho também se adaptou aos tempos de pandemia. Mesas de bar viraram salas virtuais e os encontros com amigos para “jogar papo fora” são por videoconferência.

Da Fronteira Oeste para a Capital

Gianluca Borges, de 21 anos, é um desses casos. Natural de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, é estudante de Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é bolsista no Laboratório de Ensaios Geotécnicos e Geoambientais (LEGG) da Escola de Engenharia. Por causa da pandemia, e mesmo realizando as atividades à distância, as aulas presenciais na universidade ainda estão suspensas e não há data para voltarem à normalidade. Mas isso não significa que saiu do LEGG, pois foi tudo bem conversado com o coordenador.

Gianluca, enquanto está na casa do primo, em Pelotas, fala com os pais sempre que pode. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Sua rotina, conta, era agitada. Do apartamento que divide com mais dois amigos, ia para a faculdade e de noite, já de volta em casa, reservava mais um tempo para estudar. Com o isolamento declarado e sua rotina totalmente mudada, Borges acabou indo para Uruguaiana passar uns dias com a família, principalmente a mãe, que é dona de um salão de beleza na cidade. O receio de estar levando o vírus de Porto Alegre para a terra natal, segundo ele, era grande. “Com o alto crescimento (da contaminação) em Porto Alegre, era a minha maior preocupação, de poder estar infectado e levar o vírus para minha família”, diz.

O estudante até voltou para Porto Alegre, porém, logo em seguida, viajou para Pelotas, na Zona Sul do RS, para ficar na casa do primo vivendo o isolamento. Segundo ele, a rotina é quase a mesma. “A gente só sai para o necessário, para ir no mercado. Mas passamos, praticamente, o tempo todo em casa”. Mesmo estando em outro município com contágio menor — de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde do Estado (SES-RS), Pelotas está com 191 casos até o fechamento desta reportagem — , Gianluca diz que é importante tomar todos os cuidados.

Com a quarentena, o estudante mata a saudade dos pais e dos amigos através da internet. Borges conta que fala duas vezes por semana via Skype com os pais. Já com os amigos, além de conversar sobre variados assuntos, aproveita o tempo para jogar e falar com eles ao mesmo tempo — uma “call”, nas gírias atuais.

Uma quarentena de ressignificados

O período de isolamento é, também, de trazer novas reflexões. Para a porto-alegrense Vitória Soares, de 20 anos, o início da quarentena foi de muita angústia por não saber o que viria pela frente. Ou como ela mesmo diz, achar que viria um “apocalipse”. Mas, com o tempo, segundo ela, o jeito foi focar as energias para poder ter um isolamento com mais tranquilidade. Vitória é estudante de Ciências Sociais na UFRGS e apesar de estar em casa, ela admite que não consegue focar nos estudos. “E um curso muito teórico, que cobra bastante e apesar de eu dever estar estudando, não consigo centrar a minha cabeça com tudo o que está acontecendo no mundo”, mas entende que isso faz parte do processo.

Além de estudar, Vitória também trabalha como assistente administrativo num setor que cuida da formação humana dos colaboradores de uma instituição religiosa. A estudante conta que a maior parte da formação dos funcionários era feita de forma presencial e hoje considera que é um período de desafio para ressignificar o setor em que atua e o próprio trabalho. “É o momento de ver e rever muitas coisas e de que forma a gente tem que se colocar para continuar realizando o nosso trabalho, só que à distância”, afirma.

Vitória, além de estudar, trabalha como Assistente Administrativo e está em home office devido à pandemia. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Vitória diz que, mesmo sabendo que promover uma formação à distância é um desafio enorme, gera um pouco de frustração, pois se sente “andando em círculos” e que é preciso lidar com esse sentimento. E não só isso. “Assim que a pandemia passar, muita coisa será repensada. É preciso preparar o coração e a mente para um futuro pós-pandemia”, afirma.

Com o isolamento, a rotina, que segundo ela, era muito agitada entre a Zona Sul, onde mora, o bairro Independência, onde trabalha, e na Agronomia, onde estuda, tem variado de acordo com o dia a dia. “Não estabeleço muitos horários, do tipo vou estudar às nove da manhã, começar a trabalhar às dez. Eu tento ir fazendo conforme vai andando”, conta. Entre uma atividade da faculdade e do trabalho, Vitória tenta manter um período para ler e também assistir um filme. A estudante conta que, com o período, pôde trabalhar um pouco da relação com o irmão e com a mãe, devido a falta de tempo.

Ainda assim, Vitória afirma que estar em isolamento é muito diferente do que poder escolher ficar em casa, uma possibilidade que, no momento, não existe. Para ela, isso gerou um sentimento incômodo no início. Depois de mais de 70 dias em casa, Vitória se sente mais tranquila. Durante o período de isolamento, a estudante conta que explorou suas habilidades na cozinha, com receitas veganas, o que não fazia pelo pouco tempo que tinha disponível. A saudade dos amigos, conta Vitória, é por chamadas de vídeo ou pelo WhatsApp, de acordo com a vontade de cada um.

Da solidariedade aos exercícios em casa

A jornalista Silvia Medeiros é natural de Santa Maria. Antes da capital gaúcha, esteve em sua cidade natal, onde trabalhou no Grupo RBS por cinco anos e na Índia onde, em 2012, trabalhou no departamento de marketing de um hotel do país. Desde março de 2013 está em Porto Alegre, motivada pelas oportunidades e as possibilidades de crescimento pessoal e profissional.

Carinhosamente chamada de “Silvinha” pelos amigos e colegas de trabalho, a jornalista, que trabalha na Assessoria de Comunicação e Marketing de uma rede privada de ensino, conta que o que mudou na sua rotina foi o contato com os colegas, que agora é virtual, e o cancelamento de vários eventos programados ao longo do ano. E nem tudo, segundo Silvia, está perdido. A jornalista conta que, mesmo com tudo cancelado, a instituição onde trabalha se reinventou neste período de pandemia como, por exemplo, arrecadação de doações às famílias mais necessitadas. “Estamos conseguindo realizar todas as entregas de casa, são poucas as vezes que precisamos sair do home office”, diz. No âmbito pessoal, Silvia diz que o que mudou foi o mesmo para todo mundo. “Sem junção, viagem, café, jantinha, barzinho, passeios aleatórios por aí”.

Durante a pandemia, a casa de Silvia se tornou espaço para as aulas da academia. Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

E mais do que isso. A profissional diz que, com o isolamento, as aulas da academia na qual frequenta há dois anos agora são virtuais. Silvia conta que os encontros são feitos em plataformas de videochamada e também pelo WhatsApp, onde são enviados os treinos todos os dias e de onde parte a motivação entre ela e os colegas. Com os tempos de pandemia, a criatividade rola solta. “Não tenho aparato de academia em casa, então improviso com sabão líquido e detergente para fazer peso”, conta a jornalista.

Silvia está em modo home office onde, segundo ela, não viu muita dificuldade. Mesmo assim, a jornalista diz que as reuniões virtuais são mais cansativas e acredita que esteja trabalhando mais. “Está tudo tão perto e a gente sempre acaba ficando um pouco mais com o notebook ligado”, diz.

A profissional conta que sente saudade dos abraços apertados e mata esse sentimento fazendo videochamadas com a família, os colegas e os amigos. Nas primeiras semanas de quarentena, segundo ela, os contatos eram mais frequentes e, com o tempo, foi diminuindo aos poucos, mas as conversas ainda se mantêm. “Faço uma espécie de ronda semanal ou quinzenal pra saber como estão todos. Com a família a ronda é quase diária”, explica.

Recurso indispensável

A tecnologia, com a evolução do mundo, se tornou um meio imprescindível na vida das pessoas. Seja para o trabalho, ouvir música, assistir um filme ou falar com os amigos, a internet, em tempos de pandemia, virou uma parceira indispensável. O líder técnico da Menvie Software Juliano Monteiro defende que, com esse cenário, a tecnologia serviu para nos aproximar, informar e entreter no período em que estamos em casa.

Juliano ainda diz que, mesmo com a tecnologia nos auxiliando nos tempos de isolamento, acaba criando uma dependência por parte do uso. O líder técnico diz que não se sabe até que ponto ela pode ser positiva, mas o fato é, segundo ele, que se tornou algo de extrema importância. “A tecnologia vai só aumentando cada vez mais sua presença em nosso dia a dia através de suas mais variável ferramentas com suas mais variáveis utilidades”, afirma.

“Nós somos seres sociais”

O psicólogo Tiago Brenner diz que há poucos estudos específicos para tempos de pandemia, mas com base nos estudos em desastres, o profissional diz que a pessoa pode desenvolver o chamado estresse agudo, reação normal do organismo diante de algo inesperado. Desse estresse, Brenner diz que há três sensações: a de fuga, que faz querer que a pessoa fuja do lugar em que esteja; de combate, para lutar contra esses sentimentos; e de congelamento, onde a pessoa tenta assimilar o que está acontecendo. As crises de ansiedade, segundo Tiago, são provocadas por estruturas orgânicas, que modificam o organismo para esses tipos de situações inesperadas. Junto a elas, surgem os pensamentos invasivos.

Nesse período de isolamento, o psicólogo diz que o ser humano está mais propenso a conviver com esses quadros de ansiedade e depressão ao mesmo tempo, visto que o Brasil é o país mais “ansioso” do mundo. Um estudo da OMS diz que 18,6 milhões de brasileiros, o que corresponde a 9,3% da população, vivem com ansiedade. Para ajudar a combater esse quadro, Brenner diz que a socialização é muito importante. “Nós somos seres sociais. A gente precisa das pessoas para sobreviver”, diz.

A tecnologia, segundo Tiago, é importante para amenizar o sentimento da saudade. Para ele, as lives no YouTube e as chamadas, seja em áudio ou vídeo, são benéficas para quem sente falta dos amigos. Mas, Tiago diz que usar por muitas horas pode acarretar, além de uma enorme dependência, numa alimentação péssima e poucas horas de sono. Uma das dicas é um uso moderado da internet.

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Rômulo Vizzotto
Local e Esportivo 2020/1

Estudante de Jornalismo. Há 27 anos tendo dúvidas, erros e alguns acertos nessa vida.