Coronavírus e o novo normal da Redenção

Crimes no entorno do Parque Farroupilha caem 74% desde o início da pandemia

Frederico Tarasuk
Local e Esportivo 2020/1

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por Fredo Tarasuk

O vírus chegou e transformou a vida de todos. O que há pouco mais de dois meses era considerada uma atividade corriqueira, como uma simples corrida ao ar livre, hoje deve ser ao menos refletida antes de se tornar realidade. A maior parte das pessoas que decidem enfrentar a pandemia e sair para a prática de atividades físicas tenta tomar cuidados extras com a questão de saúde. Mas há outros aspectos além da saúde física, como a segurança, a necessidade e até mesmo os sentimentos, que motivam e fazem alguns insistirem em sair de casa, mesmo que para outros o mundo pareça estar acabando. Quem transita pelo Parque Farroupilha percebe: já está diferente. Dados da Secretaria de segurança Pública (SSP-RS) demonstram uma queda de quase 75% nas ocorrências criminais no entorno do parque. Somado ao fator coronavírus e o não-isolamento social, este dado dá uma ideia do que pode se tornar o novo normal no mais antigo parque de Porto Alegre.

Crimes em queda

No período analisado, de janeiro até o fim de abril, os índices de criminalidade tanto das ruas que cercam, como dentro do Parque Farroupilha, caíram 74%. Para dar um exemplo mais tátil, apenas em janeiro foram registradas 55 ocorrências de roubo na região. Em fevereiro o número teve leva baixa, para 51 ocorrências. Já em março, quando adotadas as primeiras medidas mais intensivas quanto ao isolamento, as ocorrências caem para 35 e em abril chegam a 15 registros de roubo. Índices como furtos, ameaças e lesão corporal, também caem quase que exponencialmente.

fonte: SSP/RS

O movimento menor de pessoas pode ser um dos fatores determinantes para quem já está propenso a tomar a decisão de sair de casa para seja para relaxar ou praticar atividades físicas. Isso se comprova quando o tom de vários entrevistados dita, quase que forma imperativa, o pensamento de ‘vou estar apenas eu’, que a reportagem muito ouviu nestes últimos dias.

Corrida para longevidade

Aos 80 anos, o médico Bernardo Sukienik corre para manter a longevidade. foto: FT

Bernardo Sukienik chama a atenção na pista Ramiro Souto. Um senhor de 80 anos correndo de máscara. Enquanto se alonga, o médico conta que sempre correu para manter o coração saudável, e que ficou as primeiras semanas — desde que a pandemia chegou a Porto Alegre, na primeira quinzena de março — sem frequentar o parque. “Ficava em casa apenas lendo, mas o trabalho não pode ser apenas intelectual. Vim sozinho um dia e tinha muito menos gente, por isso eu resolvi seguir correndo” — relata. O médico também acredita que o uso de máscaras será comum a partir de agora, e que as pessoas precisam se acostumar a ela. Enfrente.

De máscara e sozinha, assim como o médico, a Relações Públicas Valkiria Finger, 49, também frequenta a redenção durante a pandemia para fazer atividades físicas. “A academia que eu vou está fechada e eu prefiro ambientes abertos neste momento”. Trabalhando apenas em um turno e em home office, ela usa a manhã para realizar as tarefas que envolvem saídas, como mercado ou farmácia, aproveitando a ‘escapada’ para fazer exercícios nos aparelhos no parque.

Entre o mercado e a farmácia, Valkiria, aproveita para manter a saúde se exercitando. foto: FT

Ela conta que achava “inimaginável” viver algo assim, e cita o modelo de distanciamento controlado, oficializado no último dia 10 pelo decreto Estadual 55.240 e que classifica, por meio de bandeiras, o Rio Grande do Sul em 20 regiões de acordo com o risco de contaminação: “cidades que não tem tantos casos e não sobrecarregam o sistema de saúde, acredito que podem ter um pouco mais de flexibilidade”.

O médico intensivista e pneumologista Claudio Crespo também concorda com o sistema de bandeiras de distanciamento controlado, mas tem algumas ressalvas que aumentam as dúvidas. “O sistema de bandeiras é bom, mas precisa ser melhor explicado”. Ele ainda exemplifica com uma polêmica recente. “O futebol ainda é proibido, mesmo na bandeira amarela. Mas templos e igrejas podem funcionar nesta bandeira com 25% da capacidade. Então, pode juntar 250 pessoas num templo — fechado — que cabem mil, mas não pode juntar 22 pessoas para jogar futebol — aberto. Pode”?

Crespo ainda conclui reforçando que a prática de atividades físicas é importante e que está tudo bem ir correr na redenção, desde que utilizando máscara e sem aglomerações. Hoje, dia 14 de junho, Porto Alegre está em bandeira laranja, de risco médio. São dois os cenários possíveis: média capacidade do sistema de saúde e baixa propagação do vírus; ou alta capacidade do sistema de saúde e média propagação do vírus.

`Mas se estou só eu aqui, tudo bem’

Após todas as entrevistas realizadas, persiste a sensação coletiva de ‘mas se estou só eu, então tudo bem’ entre os entrevistados. Para a psicóloga e psicanalista Ana Paula Melchiors Stahlschmid, este sentimento é reforçado pela desconfiança da população em relação ao poder público, em parte, potencializado pela atual polarização política. “Isso faz com que o que é escutado seja relativizado, e daqui a pouco a pessoa transgride o isolamento por não confiar no discurso das autoridades sanitárias, atribuindo ao mesmo um viés mais político do que técnico”. A profissional também ressalta a importância de um mecanismo da psique humana: a negação. “É tão ruim se eu começar a pensar em tudo que pode acontecer: se eu me contaminar, contaminar a minha família… Isso é tão grave que eu prefiro pensar que isso não é real”, conclui.

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