O futebol que não deu certo

Josiele Araújo
Local e Esportivo 2020/1
6 min readJun 28, 2020

Por Gabriel Fraga e Josiele Araújo

Quando a vida dos jogadores inicia nas categorias de base, mas também pode acabar no mesmo lugar.

Chegar nas categorias de base já é uma grande conquista na vida dos jovens que buscam alcançar o sonho de se tornar jogador de futebol. Entretanto, problemas físicos e emocionais no esporte prejudicam o desempenho desde a pré seleção até o engajamento oficial no estrelato. Essas adversidades que desvirtuam o sonho desses garotos tanto emocional quanto fisicamente podem vir não do campo, mas sim de uma rotina complicada, causando dificuldades de manter a disciplina necessária para essa tão sonhada ascensão nos gramados, resultando na desistência e busca por outro ofício.

Um garoto do Rio Grande do Sul entrou para a base do Internacional com cerca de 9 anos (2009), iniciou sua carreira em um dos maiores times do estado. O sonho de muitos que só pensam nas partes boas. De acordo com Dener Dutra dos Santos (ex-jogador de base, 20 anos) “Não é só chegar nas quatro linhas e jogar, é muito difícil porque não é só futebol”.

Já Robert Riffel (ex-jogador das escolinhas do Internacional, 24 anos) com a trajetória inicial parecida, iniciou no Genoma Colorado em 2006 e permaneceu até 2009, coincidentemente ano em que Dener dava início ao seu sonho. Riffel conta que sempre foi apaixonado pelo esporte devido ao seu pai e seu avô, que passaram o fanatismo de geração em geração, o que é costume em uma região tão fanática por uma dupla de futebol.

Segundo a psicóloga Fabiana Bock, as dificuldades estão presentes em todos os esportes, e elas vão desde frustrações, até superações e triunfos. O papel da psicologia é dar auxílio, consultoria e observar os problemas existentes, tanto que psicólogos dessa área vão aos treinos para realizar o acompanhamento completo.

A partir de uma conversa com Clóvis Martins, representante do departamento de competições da Federação Gaúcha de Futebol, foi informado que nas competições da FGF participam, aproximadamente, 120 clubes, envolvendo em torno de 3.600 atletas. A Federação não divulga os dados sobre desistência, e segundo o agenciador da Care.Pro Luiz Felipe Niffa Maciel, esses dados são sigilosos e de difícil acesso.

Ouça o ex-técnico das categorias de base do Grêmio e do Internacional Ricardo Gros da Fonseca falando sobre a trajetória dos meninos que jogam/jogaram nas categorias de base.

Não é só jogar futebol

A prioridade deve ser a escola, depois vem o futebol, independente das coisas que ele proporcione. No momento em que iniciou sua vida como atleta, o ex-jogador aprendeu a andar de ônibus sozinho, pois precisava ir até os treinos. “Eu tinha que sair com fome da escola, porque não dava tempo de almoçar no colégio, ir pro treino e voltar pra casa. — Aí acabava comendo e tomando banho só no final do dia, no próprio CT (Centro de Treinamento) do Inter.”

Se torna difícil conciliar essa correria diária com foco nos estudos e nos treinos simultaneamente. Dener teve problemas em relação a isso. “Parei na sétima série, eu lembro porque eu saí do Avaí por conta disso também. Por não ir para escola e muitas vezes ter que treinar de manhã. Treinar dois turnos e não conseguir ir para aula.” Ou seja, a criança — ainda nas fases iniciais, se obriga a escolher um caminho, e é claro que o futebol é mais atrativo e se torna o foco principal.

Foto do arquivo pessoal de Dener Dutra dos Santos.

Segundo Luiz Felipe Niffa Maciel, ocorre acompanhamento e conversa com a família se está tendo algum problema em relação a isso. Ele diz que hoje os clubes fazem um acompanhamento mais de perto e exigem boas notas. Porém, uma pesquisa postada na universidade do futebol diz que até 2018, 406 clubes de futebol não possuíam o certificado do “CCF”, o que significa que esses clubes não garantem que 35 mil dos seus atletas têm acesso a escola. O número é gritante e contradiz a afirmação do agenciador.

O fim da trajetória

De acordo com Ricardo Gros da Fonseca, há vários motivos de desistência existentes nas fases iniciais, mas poucos desistem por escolha própria. Segundo ele, é comum o time optar por dispensar o atleta por questões de rendimento físico, mas quando isso não acontece, são as dificuldades que se tornam responsáveis pelo término da carreira. São elas: psicológicas (por causa da pressão envolvida tanto do lado profissional quanto familiar) ou sociais/econômicas, como falta de verba, necessidade de ajudar a família financeiramente, e principalmente a realidade precária em que muitos se encontram, tendo que escolher outros caminhos.

Para Riffel, o desgosto por algumas coisas no futebol foi determinante para ele largar o esporte, e por mais que ele tenha tentado pela última vez após insistência do seu técnico, logo após ele conta que abandonou a ideia de ser jogador de futebol. Hoje, com 24 anos, o ex-atleta é formado em Educação Física e diz ser realizado na sua profissão, afinal, o futebol é paixão nacional, mas pode ser trabalhado de outras formas.

Tem casos que assim como o de Robert, de certa forma dão certo, mesmo que por outro caminho. Mas, nem sempre isso ocorre. Aconteceu com o Dener, que não conseguiu se restabelecer após sua saída.

“Não acredito mais em sonhos. Para ser bem sincero, eu não tenho planos.” Dener dos Santos Dutra, ex-jogador da base do Internacional.

Dener foi mais um dos inúmeros jovens que desistiram da carreira de atleta. Ele diz que parou porque era complicado se manter, e ressalta mais uma vez que não é só futebol. O garoto teve auxílio do clube e de psicólogos, mas nada foi suficiente, afinal, a vida já estava difícil. Para ele, a carreira chegou ao fim e o que restou foram as frustrações.

Foto do arquivo pessoal de Dener Dutra dos Santos.

O rendimento físico também influencia

Além de problemas escolares, lesões e problemas físicos também são empecilhos na carreira de muitos atletas do futebol. Robert passou por isso quando ainda jogava e rompeu os ligamentos do joelho durante um treino, o qual foi o responsável por dar início ao fim da sua carreira. Mesmo após sessões de terapias e retorno ao futebol em outro time do interior, nada adiantou, seu rendimento físico já não era mais o mesmo. Para ele, jogar futebol se tornou algo distante, mas, como citado acima, atualmente ele é realizado na profissão que exerce.

Fabiana Bock diz que tem pacientes que são competidores de alta performance e que muitas vezes passaram por derrotas ou tiveram lesões que tiveram que se afastar por um período ou por determinado tempo da atividade esportiva. Isso exerce um poder emocional muito forte, onde a pessoa começa a desenvolver uma série de pensamentos negativos e autodestrutivos, que precisam de acompanhamento psicológico. Além disso, durante o processo de preparo pessoal, a pessoa tem uma família, então pode passar por alguma situação de perda, de separação ou até mesmo pressão familiar. Problemas pessoais também afetam no desempenho técnico.

Há motivos externos que interferem constantemente nesse caminho. Na categoria infantil (que vai dos 14 aos 15 anos) as dificuldades de adaptação variam muito. Segundo João Paulo Pettini de Oliveira (técnico de uma escolinha de futebol em um centro social) , vai da adequação da carga dos treinos ao próprio treinador, na forma que ele os conduz. Na categoria Juvenil, os jovens criam a necessidade de ter um emprego, o que acaba tornando tudo mais complicado.

Sobretudo, João Paulo complementa que há a cobrança dos próprios colegas da equipe, que acham que um é pior que o outro. Ele diz que trabalham sempre a questão do respeito, do crescimento e da formação. E tem a questão dos pais, que quando eles tão mal na escola, os pais acabam tirando eles da equipe como punição. “A gente sempre tenta trabalhar a importância tanto do futebol quanto da escola”, ele finaliza.

Dificuldades, problemas financeiros, falta de rendimento físico e falta de foco são os motivos de desistência. Ricardo Fonseca diz que é necessário encarar que faz parte do processo. Nem todos vão querer ou conseguir seguir, mas o importante é que eles possam buscar alternativas para seguir a sua vida. O processo de formação deve estar embasado nessa questão. “Não estamos somente para o futebol, estamos formando para a vida.”

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