Cynthia Zanoni (fundadora da WomakersCode) e Sol Feliciano (Líder de Parcerias da WomakersCode e autora deste artigo)

A mulher negra no mercado de trabalho

Dados de mercado e minha vivência na prática

solange feliciano
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4 min readMay 19, 2022

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Artigo escrito por Solange Feliciano, Líder de Parcerias da WomakersCode, a convite do #LocalizaLabs

As mulheres negras no Brasil recebem menos do que as mulheres brancas e é maioria nos setores da economia com baixa remuneração. Entre os principais obstáculos para a inserção estão o preconceito e dificuldades de acesso à educação.

Muitas dessas mulheres, desempregadas, acabam sendo absorvidas por trabalhos informais, domésticos e de baixa remuneração. As dificuldades que a mulher negra tem no mercado de trabalho são enormes. Algumas supostas vagas afirmativas pedem inglês, espanhol, Excel e 5 anos de experiência. Só que algumas ou a maioria das mulheres negras com mais idade se formam acima dos 30 anos porque são mães recentes ou porque elas têm que ajudar em casa para pagar as contas e não conseguem estudar.

No Brasil, um homem branco que cursou ensino superior em uma instituição pública ganha em média R$ 7.892, já uma mulher negra formada no mesmo tipo de faculdade recebe em média R$ 3.047. Essa diferença é ainda maior quando comparamos profissionais formados em universidades particulares e com o mesmo perfil, chegando a uma diferença em torno de 128% entre o salário de um homem branco (R$ 6.627) e um mulher negra (R$ 2.903).

Quando analisamos homens brancos e mulheres negras que cursaram ao menos o ensino médio, a maior diferença salarial, de 105%, ocorre entre homens brancos e mulheres negras que se formaram em escolas privadas. O salário médio deles é de R$ 3.672 e o delas de R$ 1.792.

Também tem mulheres que sem referência e representatividade em casa acabam seguindo uma profissão a qual elas nunca exerceram, ou para a qual descobrem que terão que se capacitar e não sabem nem por onde começar, porque a informação não chega para essa mulher negra da mesma forma que chega para um homem branco ou uma mulher branca.

A minha trajetória é um exemplo disso. Sem referências e representatividade, sou uma mulher negra neurodiversa (disléxica), nasci na periferia de São Paulo e cresci num curtiço com um cômodo, cozinha e um banheiro externo. Filha de uma mulher negra não alfabetizada e de um homem negro semialfabetizado e neurodiverso (esquizofrênico), hoje sou formada em Tecnologia e Marketing pela Universidade da Cidade de São Paulo, MBA em Gestão de E-Commerce pela FMU Faculdades Metropolitanas Unidas, MBA de SEO pelo Senac-SP, Especialista em Diversidade e Inclusão pela PUC-RIO, Gestão de ESG pela PUC-RIO, MBA em Gestão de Projetos pela Anhembi Morumbi e estou iniciando mais um MBA em Gestão de Pessoas pela USP. Sei que depois de visualizar todas as minhas formações você que está lendo esse artigo deve ter pensado “nossa quantas formações ou como é que ela consegue fazer tudo isso?”. Mas só fiz tudo isso por falta de base. Isso mesmo, falta de base. Sou a única da minha família hoje formada e com MBAs, e quando alguém entra no meu perfil do Linkedin fica muito surpreso ou assustado com o número de MBAs que possuo. E, infelizmente, minha trajetória é uma exceção.

Hoje em dia vejo empresas abrindo diversos cursos para pessoas negras visando capacitá-las, mas estão capacitando jovens negras de 16 a 26 anos, mulheres que moram em grandes capitais. Vejo poucos projetos para mães negras solos, mulheres negras de 35 a 55 anos de idade, mulheres negras de regiões distantes das grandes capitais.

Os desafios não acabam depois da conquista da vaga. Um exemplo é a disputa por cargos na empresa, em que as mulheres negras saem prejudicadas desde o início. Em uma concorrência interna entre mulheres negras e brancas, até quando a mulher negra tem todas as competências necessárias, muitas vezes os patrões dizem que ela não está apta para assumir aquela vaga, e assim ela continua na sua mesma cadeira por mais tempo que uma pessoa branca.

Por ver esse mercado desleal para as mulheres negras, assumi a gestão de parcerias e projetos na WomakersCode, para que os projetos focados em tecnologia para mulheres negras sejam para elas, de forma que se adaptem a elas e suas rotinas, e não que elas tenham que se adaptar ao projeto ou tenham que ajustar a sua rotina para participar. Eu costumo dizer para as mulheres negras que “se aquilombar” faz um bem danado. As mulheres negras tem consigo não só a síndrome da impostora, mas a síndrome que elas não pertencem àquele lugar, de que tecnologia não é para elas. Mas quando elas nos conhecem, conversam com a gente, elas começam a acreditar mais que qualquer lugar é lugar de uma mulher negra, e que sim temos que estar em todos os lugares, nos capacitando em projetos e Ongs que realmente nos respeitam, assim como aqui na WomakersCode, aonde trazemos o protagonismo da mulher para a tecnologia. São incríveis os feedbacks das mulheres nas finalizações das capacitações, e muitas vezes essas mulheres voltam para se candidatar como uma voluntária para transmitir o seu conhecimento e sua energia às próximas mulheres.

Agora, ao lado da Localiza e #LocalizaLabs, espero somarmos ainda mais esforços para fazermos da tecnologia um espaço cada vez mais diverso e inclusivo.

Quer conhecer mais sobre a gente? Acesse: https://womakerscode.org

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