Método Kanban — estratégia para um ritmo sustentável

Daniel Junior Porto
#LocalizaLabs

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Neste artigo irei abordar sobre o método Kanban e como ele pode promover uma melhoria contínua ao negócio por meio da gestão do sistema de fluxo, gestão de riscos, gestão de sobrecarga, gestão da resistência à mudança e gestão de resultados, tudo com o intuito de alcançarmos o ritmo sustentável.

Kanban com “K” maiúsculo

“Somente os desesperados, os desavisados e os corajosos bancam fazer grandes mudanças”

Assim pensa David Anderson — o pai do Kanban, e por isso que ao falarmos de Kanban com “K” maiúsculo estamos nos referindo ao método de mudança evolucionária, que tem como mantra “comece pelo o que você faz hoje”.

Quando desejamos realizar mudança de processo podemos encontrar dificuldades para reduzir a sobrecarga de trabalho e para lidar com a resistência natural das pessoas à mudança, essas dificuldades se tornaram as motivações para se utilizar o método Kanban.

O Kanban se preocupa em gerenciar e melhorar serviços que o criador do método chama de trabalho do conhecimento. Por ser uma coletânea de práticas e por adotar princípios evolucionários, o Kanban se torna um grande catalisador para a mudança nas organizações, principalmente por apresentar práticas que reduzem a resistência à mudança e que focam no resultado e nos objetivos das organizações.

O Kanban possui a natureza de tornar visível o que até então chamávamos de invisível ou intangível. Trata-se de um sistema especializado em transformar trabalho intangível em resultados eventualmente valorosos para os seus clientes. E não para por aí, essa ideia de tornar visível se expande de uma forma viral fazendo com que aprendamos sobre o trabalho que fazemos, as regras que nos guiam, o acompanhamento que temos das demandas e a qualidade do que entregamos. Por isso dizemos que o Kanban é “um método que nos mostra como funciona a nossa maneira de trabalhar”. Ele visa entregar serviços para as organizações por meio da colaboração de uma ou mais pessoas.

De acordo com o Kanban, a definição de serviço é quando temos pelo menos um cliente solicitando um trabalho que deva ser realizado por meio da colaboração de pessoas, e ao fim do processo a entrega deve passar obrigatoriamente pelo crivo do cliente para ser considerada concluída.

Valores que respeitamos

Para se alcançar o mudança evolucionária, propósito basilar do Kanban, se fez necessário criar uma coletânea de valores que tem como objetivo agregar sentido aos princípios e práticas do método. Esses valores denotam o grau de importância e força que os princípios e práticas têm com os resultados que desejamos alcançar com suas aplicações.

Por isso, respeitamos e confiamos nestes preceitos que regem os comportamentos para o ritmo sustentável:

· Transparência é a confiança que as trocas de conhecimentos por meio de uma comunicação eficiente gera crescimento do negócio.

· Equilíbrio é a certeza de que o caminho do meio resulta na eficácia. Independente dos aspectos, a distribuição deve ser proporcional, pois andar pelos extremos por muito tempo pode gerar desalinho e desordem.

· Colaboração é o núcleo que garante que as pessoas trabalhem de forma construtiva.

· Foco no Cliente é a garantia que entendemos o valor que estamos gerando.

· Fluxo é perceber como o trabalho flui e como ele se comporta de maneira contínua mesmos sob estressores.

· Liderança é a habilidade de criar um ambiente que responda com exemplos práticos, que valorize a experimentação e inspire mais atos de forma cíclica, gerando um processo que se autoalimenta com o tempo.

· Compreensão é a premissa para manter a melhoria contínua. Os indivíduos e as organizações vêm desenvolver um processo de autoanálise com fim de obter ciência dos pontos fortes a explorarem e pontos a desenvolverem.

· Acordo é o contrato que fazemos para que juntos possamos atingir os objetivos e metas estipulados. Importante com o tempo revisar os contratos para garantir que continuem aderentes ao propósito.

· Respeito é o entendimento que no cerne de tudo estão as pessoas e, portanto, é imprescindível valoriza-las independente dos papéis que elas assumem no seu fluxo (Cliente, Líder, Empreendedor, Desenvolvedor, Usuário).

Uma agenda a ser seguida

O Kanban tem o respeito como o seu principal dos valores por se tratar de um preceito que fomenta o senso de humanidade. Porém, precisamos organizar o método de forma alinhada às necessidades do negócio. Desta forma, foi desenvolvido três planos que norteiam os propósitos da mudança.

1) Plano de sustentabilidade

A busca pelo ritmo sustentável é tão importante para o Kanban que temos uma agenda direcionada a esse tema. O plano de sustentabilidade fala da importância de balancear carga sistêmica, afim de evitar sobrecarga do fluxo que comprometa o desempenho. É um plano que nos provoca a olharmos para dentro da organização e buscarmos melhoria na relação e satisfação dos clientes, engajamento das pessoas, redução de custos e aumento de receita.

As práticas ligadas a esse plano estão relacionadas aos valores de transparência, equilíbrio, colaboração, fluxo e respeito. Elas impactarão positivamente a quantidade de trabalho concluído, o tempo de conclusão e a confiança das equipes e dos clientes, pois provocarão mudanças na forma como o serviço flui e como identificamos e tratamos pontos de restrições, riscos e dependências, bem como interagimos, compartilhamos e contribuímos, além de como nos enxergamos e nos apresentamos.

A maior parte destas práticas geram frutos a médio prazo, porém em alguns casos conseguimos observar benefícios já nas primeiras semanas, reduzindo a resistência à mudança e potencializando a adoção de mais práticas.

2) Plano de orientação de serviço

A necessidade das organizações de terem propósito que estejam alinhados com os funcionários, clientes, acionistas, executivos e demais interessados se tornou a chave para se ter resultados surpreendentes, ganhar novos mercados e até para a própria sobrevivência.

O plano de orientação de serviço expande nossa visão para além das paredes organizacionais, nos provocando a focar em estratégias que tenham como objetivo atender e quando possível superar as necessidades e expectativas dos clientes, por meio de serviços cada vez mais customizados, enxutos e valorosos.

Para atendermos essa agenda com precisão é imprescindível levar em consideração o poder de impacto que as decisões internas e externas têm nas ações dos clientes, lembrando que resultados positivos, aumento na rentabilidade e maior reconhecimento de marca são consequências da satisfação dos clientes com a organização.

As práticas ligadas a esse plano estão relacionadas aos valores de foco no cliente, colaboração, liderança, acordo e respeito.

3) Plano de sobrevivência

Quando falamos em sobrevivência é quase impossível não relacionarmos com adaptação, e quando adentramos ao mundo organizacional podemos também relacionarmos com competitividade, pontos primordiais a serem tratados pelas empresas que buscam a antifragilidade.

Mesmo organizações com modelos preditivos com grande grau de confiança necessitam de uma abordagem evolutiva de mudança, pois sabemos que existem estressores que moldam comportamentos de forma aleatória, e não há forma de continuarmos satisfazendo nossos clientes sem uma abordagem que nos permita experimentar novas possibilidades com segurança em prol da evolução constante.

Adaptação é aceitar que mudanças vão ocorrer, que devemos estar abertos para compreendê-las a fim de gerarmos ações transformadoras que nos levarão ao novo patamar evolutivo, o que pode ser a adoção de novas tecnologias, criação de novos produtos, alteração de segmento de mercado, dentre outras iniciativas.

É importante sabermos que a adaptação poderá gerar mudanças complexas, grandes e com pouco retorno, como poderão gerar mudanças simples, pequenas, mas eficazes.

As práticas ligadas a esse plano estão relacionadas aos valores de equilíbrio, fluxo, foco no cliente, colaboração, liderança e respeito.

O que nos fundamenta são os nossos princípios

As causas primárias que fundamentam as práticas do Kanban foram separadas em dois grupos.

O primeiro relacionado a gestão de mudanças nos ensina que as pessoas são seres psicologicamente e sociologicamente conectadas a resistirem às mudanças, portanto as organizações também passam por esses desafios. Porém, os princípios ligados a este modelo de gestão nos ajudarão no trabalho de diminuir e/ou evitar esta resistência. São eles:

- Comece pelo o que você faz hoje.

- Concorde em prosseguir a melhorar por meio de mudança evolutiva.

- Encoraja atos de liderança em todos os níveis.

As razões pela qual acreditamos que estes princípios podem guiar uma mudança com baixa ou nenhuma resistência está ligada ao fato de quando começamos uma transformação respeitando os papéis, funções, práticas e processos atuais os desafios se tornam menores, ficam mais atrativos, angariam mais adeptos e aumentam as chances de sucesso. Os resultados das primeiras mudanças, por menores que sejam, se tornam alavancas poderosas que atraem mais adeptos e geram maior força para implantar novas mudanças.

Outra alavanca poderosa está relacionada ao fato de evoluirmos processos e ferramentas existentes. Desta forma, conseguimos utilizar todo o conhecimento existente para promover ações de melhoria. Essa conduta de forma natural incentiva atos de liderança, fazendo as pessoas a participarem e contribuírem com o máximo que podem.

O segundo grupo diz respeito a interconexão existente aos diversos serviços dentro a uma organização. Assim, é imprescindível a visão sistêmica da organização até mesmo para propor pequenas mudanças.

Os princípios ligados a esse segundo grupos são:

- Compreender e focar nas necessidades e expectativas dos seus clientes.

- Gerenciar o trabalho e deixar que as pessoas se auto organizem em torno dele.

- Desenvolver políticas para melhorar os resultados ao cliente e ao negócio.

Estes princípios querem garantir que o consumidor final esteja utilizando o produto satisfeito com os valores que ele agrega à sua vida. Portanto, quanto mais conhecermos este ecossistema, mais eficaz seremos, pois conseguiremos trabalhar a mudança sobre o conhecimento que temos, sobre aquilo que está visível e explícito. O foco tem de ser no cliente mesmo que a mudança seja interna, pois estamos num sistema interligado e de alguma forma ele será impactado pela mudança.

Práticas para a vida

As diversas práticas do Kanban foram divididas em seis práticas gerais, com o objetivo de facilitar sua utilização e deixar o modelo mais flexível.

Com a implantação das práticas seremos capazes de visualizar, medir e gerenciar o fluxo, gerando oportunidades para propormos pequenas melhorias.

Visualizar o Fluxo:

É importante lembrar que o fluxo de trabalho sempre existiu, porém muitas vezes está oculto, por isso a ideia central desta prática é darmos visibilidade no que já existe, para em seguida buscar melhorias que irão otimizar o fluxo.

O simples ato de deixar o fluxo visível, gera um trabalho colaborativo entre as pessoas, além de provocar discussões e reflexões sobre o processo atual. Porém, no início é importante salvar as ideias de melhoria para um próximo passo e modelar o fluxo como está atualmente.

O quadro Kanban é a principal forma utilizada pelos adeptos do método (Kanbanzeiros) para visualizar o fluxo, e ele pode ser físico ou digital.

Além do fluxo de trabalho — que consiste nas etapas necessárias para que o trabalho esteja pronto -, é comum darmos visibilidade às etapas de compromisso e de entrega, limites de WIP, classes de serviços e políticas. Encontraremos também práticas de visualizações primárias como a criação de um Personal Kanban até visualizações complexas aonde trataremos de hierarquias entre quadros kanbans em visões de portfólio.

O mapeamento do fluxo pode ser feito através de várias técnicas. A mais utiliza é a VSM — Value Stream Mapping, e o design do quadro vai variar de acordo com o fluxo, objetivo, ferramentas e maturidade das pessoas com o método.

O fluxo mapeado é uma simplificação do fluxo real, portanto ele não precisa ser perfeito, porém é importante que seja possível identificar as principais etapas do início ao fim.

Limitar o trabalho em progresso:

Introduzir a limitação de WIP é mais que uma restrição e/ou controle de fluxo. Ela equilibra a carga no sistema, gera oportunidade de mudança de hábito, incentiva atos de liderança, demonstra falhas no processo, tende aumentar a vazão e diminuir tempo de ciclo do fluxo, e melhora a comunicação e contribuição, pois as pessoas interagem com maior frequência, além de que garante que o trabalho do fluxo seja puxado.

As práticas de gestão do trabalho em progresso aumentam o foco no processo em andamento, diminui a troca de contexto, aumentando a qualidade das entregas, sem falar na redução de risco de não entrega.

No início, é boa prática conversar com a equipe e buscar consenso sobre o limite das etapas, pois pode acontecer de precisarem deduzir alguns números, observar o comportamento do fluxo e calibrar durante o tempo.

“Pare de começar e comece a terminar”, um mantra a ser seguido e compreendido por todos.

Gerenciar o fluxo:

Na busca de melhoria contínua e do ritmo sustentável é imprescindível fazermos uso de indicadores que foquem em produtividade, qualidade, previsibilidade e responsividade.

As práticas da gestão do fluxo são importantes pois ajudam a conhecer e entender a realidade do sistema que estamos inseridos. O simples fato de conhecermos a taxa de transferência, densidade de defeitos liberados, variabilidade da taxa de transferência, capacidade de resposta e tempo no fluxo, contribui para tomarmos decisões que afetarão a qualidade, as entregas, o comportamento das pessoas, e evita desperdício, sobrecarga e muito mais.

Com essas práticas conseguimos identificar se estamos no caminho da estabilidade e previsibilidade, aspectos importantes para se conquistar o ritmo sustentável. É importante iniciarmos com poucas práticas de gestão de fluxo, pois pode ser danoso querermos medir tudo, uma vez que aumenta o custo operacional e gera desperdício. Portanto, analise bem o que vai medir e sempre questione a eficácia e o valor que tais indicadores estão trazendo para os clientes — lembre-se que mesmo indiretamente todas as ações impactam nossos clientes.

Tornar as políticas explícitas

As políticas de serviço quando estão ocultas se tornam regras a serem aplicadas quando lembradas, porém quando a explicitamos e deixamos todos cientes de sua existência e da importância em aplicá-las no dia a dia, elas se tornam acordos de qualidade.

Esses acordos criam proteção contra ações danosas, expandem o conhecimento do fluxo, provocam discussões sadias que podem gerar melhorias na qualidade do fluxo e entrega, além de se tornar um componente de grande alavancagem sistêmica que a equipe deve utilizar para seu próprio benefício.

Quando as políticas são explícitas elas se tornam orgânicas e sempre que necessário são modificadas.

“Respeito às políticas”: essa atitude faz com que as pessoas confiem, entendam seu propósito e valor, além de que as motiva a segui-las. Portanto, “mude as políticas, não as quebre”.

Algumas características como simplicidade, clareza, aplicabilidade e adaptabilidade são importantes para garantir maior adesão e cumprimento das políticas.

Implantar ciclos de feedback

Desenvolver uma cultura que preze e entenda a importância de feedback fortalece a organização que deseja evoluir experimentalmente. Ferramentas de feedback, além de essenciais, contribuem constantemente para redefinir processos e fluxos, minimizar riscos, balancear carga e melhorar comunicação e engajamento das pessoas, bem como a melhorar a qualidade da entrega.

Para se alcançar o ritmo sustentável, o Kanban propõe sete cadências que são oportunidades para realizar feedback. Isso não significa que temos de criar sete reuniões em nossos processos, pois uma reunião pode conter mais de uma cadência, além de ser muito prudente inserir as cadências aos poucos, de acordo com o grau de maturidade das pessoas/organização.

As cadências que o Kanban sugere são:

- Análise Estratégica

- Análise Operacional

- Análise de Risco

- Análise da Entrega de Serviços

- Reunião de Reabastecimento

- Reunião do Kanban

Importante destacar que devemos ter cuidado com a frequência dos feedbacks, pois em excesso pode gerar mudanças precipitadas e imaturas, porém em deficiência também pode manter um desempenho fraco ou uma falha de processo por grande tempo causando prejuízo à organização.

Melhorar colaborativamente, evoluir experimentalmente

Tanto no Kanban e Lean, quanto nos métodos ágeis em geral, se fala muito sobre melhoria contínua, e para que esse tema não seja desvalorizado devido ao grande uso, é importante que entendamos o motivo de tanta melhoria.

O Kanban acredita que não exista ponto final para as mudanças nos processos e que a perfeição é a implantação de uma cultura de constante melhoria e evolução baseada em experimentação. Ele prega que o processo evolutivo é natural. A organização pode escolher adaptar para sobreviver ou pode escolher a inércia e extinguir-se.

Quando iniciamos um processo evolutivo em uma organização devemos optar por utilizar abordagens que utilizam de soluções empíricas e pragmáticas, pois possuem resultados poderosos que resultam em grande aceitação.

Portanto, cultive ambientes colaborativos, psicologicamente seguros e façam mudanças incrementais, pois quem erra rápido, acerta mais rápido também.

Conclusão

O ritmo sustentável é um estado. Como tudo no mundo, ele varia a todo momento e, portanto, não podemos aspirar pela permanência, por isso a importância da busca pela evolução constante. E identificaremos que ela está sendo atingida quando observarmos em nossos serviços característica ou condição de autoconservação, que é a capacidade de suprir as necessidades atuais, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades futuras do serviço. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro. A mudança evolucionária, aliada aos valores e práticas do método, faz do Kanban um grande aliado das corporações que visam atingir o ritmo sustentável e, consequentemente, a longevidade do negócio.

Referências:

- Kanban Essencial Condensado. (David J. Anderson e Andy Carmichael)

- Kanban em 10 Passos. Otimizando o fluxo de trabalho em sistemas de entrega de software. (Jesper Boeg)

- Kanban: Mudança Evolucionaria de Sucesso Para Seu Negócio de Tecnologia: Mudança Evolucionária de Sucesso para seu Negócio de Tecnologia. (David J. Anderson)

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Daniel Junior Porto
#LocalizaLabs

Expertise em Agile Coach e Kanban Coach, estou a 10 anos ajudando pessoas e organizações a melhorarem seus resultados através da adoção de práticas ágeis.