Padronização: legado lean, impulso ágil

Izabella Barbosa
#LocalizaLabs
Published in
6 min readMar 25, 2021

É sempre polêmico, e muitas vezes pode ser controverso, quando falamos de padronização em um universo ágil, muito porque a padronização tem suas raízes na filosofia lean em manufaturas e em atividades repetitivas. Mas, o que poucos sabem é que a sua falta pode gerar grandes desperdícios, e quando bem aplicada pode ser uma grande aliada na busca pela melhoria contínua.

Grande parte dos profissionais já ouviram falar em metodologias como lean e ágil. Entretanto, é natural se deparar com alguns equívocos na hora de aplicá-las. Isso ocorre por achar que o lean e o ágil são mutuamente exclusivos, baseados nos princípios de que o lean é para operações rotineiras e repetíveis, enquanto o ágil só se aplica a projetos ou tarefas criativas. Para entender exatamente como ambas as metodologias podem ser complementares, é importante ter alguma noção sobre a origem desses métodos.

A filosofia lean originou-se na década de 1940 com suas raízes no Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System — TPS) e, desde então, apesar da filosofia ter surgido no setor automotivo, o conceito ganhou espaço em diversos tipos de negócios, a fim de tornar as organizações mais enxutas e otimizadas, eliminando atividades que não agregam valor aos processos e aos clientes.

Por sua vez, o movimento ágil é mais recente, originado no desenvolvimento de software na década de 1990, acelerado após o lançamento do Manifesto Agile em 2001. Com isso, na última década, a agilidade se expandiu rapidamente para outros setores, como telecomunicações, bancos e, mais recentemente, as indústrias de base como mineração, petróleo e gás.

Na realidade, os dois sistemas foram muito bem-sucedidos em diversos ambientes e ambos compartilham de um conjunto de objetivos fundamentais como entregar valor com eficiência para o cliente; realizar o trabalho de forma a minimizar desperdícios, sempre aprendendo e melhorando continuamente; conectar de forma transparente a estratégia e as metas para dar às equipes um propósito significativo; e permitir que as pessoas tenham espaço para contribuir com novas ideias e iniciativas.

A importância da Padronização

No entanto, a base para que esses resultados sejam alcançados exige que o processo tenha um mínimo de padronização. Isso porque, sem um mínimo de padrão, a mesma tarefa pode ser executada de diversas maneiras; as análises com dados distintos perdem o viés comparativo para tomada de decisões; e quando o processo não é bem conhecido por todos, é comum que aconteçam atividades redundantes e esforços duplicados. Isso tudo gera retrabalho que poderia ter sido evitado com uma padronização eficiente. Eficiente, porque de nada adianta fazer certo a “coisa” errada.

Como diria Andy Grove: “Quando vetores apontam para direções diferentes, sua soma é zero. Porém, se você conseguir que todos apontem para a mesma direção, você maximiza o resultado.”

Um processo minimamente padronizado e com metodologia definida traz eficiência e redução de retrabalhos. Uma vez que, retrabalho causa perdas significativas nos custos de um produto, principalmente em desenvolvimento de softwares, onde um dos causadores desses retrabalhos é a pouca ou nenhuma padronização.

Segundo AGHINA et al. (2015), líderes do trabalho de organização ágil da McKinsey, afirmam que, normalmente, processos essencialmente idênticos com múltiplas variantes, cada uma com suas próprias práticas de governança e estruturas diferentes e duplicadas, geram um comportamento onde as pessoas gastam muito tempo em discussões internas sobre melhores práticas, metodologias e estruturas de processo, e não o suficiente em melhorar ativamente suas próprias formas de trabalhar.

Quando todos entendem como essas tarefas-chave são realizadas, quem faz o quê e como, as organizações podem se mover mais rapidamente, redistribuindo pessoas e recursos. Ou seja, todos devem falar a mesma linguagem padronizada. E isso independe se estamos em uma indústria com atividades rotineiras ou em um laboratório de tecnologia com autonomia para desempenhar suas atividades.

Contudo, é importante observar que a simples imposição de um padrão a uma pessoa não irá criar nela o sentimento de responsabilidade pela atividade que desenvolve. Por isso, é sempre importante envolvê-la em todo o processo da definição do padrão, explicar seus objetivos e potenciais resultados. Dessa forma, haverá muito menos resistência às mudanças e, portanto, as chances de sucesso aumentarão consideravelmente.

A padronização não é um fim, mas um meio para buscar a melhoria contínua

É importante entender que, ao padronizar um processo, ele não deverá ser esquecido, até que fique obsoleto, mas, sim, analisado periodicamente para que se pratique a melhoria contínua. Devemos encarar o processo de padronização como um ciclo constante de melhoria.

Se estamos falando de definição de um padrão como um auxílio para buscar a melhoria contínua, o que fará com que as pessoas busquem melhorias em seus processos? Qual é o gatilho que faz com que as pessoas comecem a buscar a melhoria? Simplesmente discursar que esse é o trabalho delas não é o suficiente. A verdade é que, dentro da mentalidade lean, um padrão não deve ser seguido, mas sim alcançado. Padronizamos para dar o próximo passo e não para congelar o passo que já foi dado.

Quando criamos um padrão estamos definindo esse próximo passo. Como quero que as pessoas executem essa tarefa? Como deve ser o fluxo para concluir uma tarefa? Como esse processo deve ser feito? Como será realizado o monitoramento das minhas tarefas para garantir a qualidade e confiabilidade? Feito isso, é necessário comparar a situação atual com o seu padrão, entender o porquê não é possível segui-lo e, então, realizar as melhorias necessárias.

Se ao perceber que o padrão está gerando resultados não ideais, é responsabilidade do profissional fazer os ajustes necessários para alcançar os resultados desejados. Quando profissionais adotam práticas ágeis, espera-se que eles pensem mais, não menos. Podemos resumir essa distinção afirmando que lean e ágil são orientados a princípios e não orientados a regras. Por essa razão, muitos profissionais ágeis sentem-se mais confortáveis referindo-se à sua comunidade de prática como um mindset, mais do que uma metodologia (LAHAT, 2020).

Esse é o significado de declarações ágeis como: “indivíduos mais que processos”, “software em funcionamento mais que documentação abrangente”, “colaboração com o cliente mais que negociação de contratos”, e “responder à mudança mais que seguir um plano”. Processo é necessário, mas não suficiente para garantir resultados de alto valor. Assim como um pelotão em campo de guerra, o time ágil enfrenta um ambiente de mudança rápida, e mais do que procurar pela resposta correta num manual de campo, possivelmente, obsoleto ou fora da realidade, ele precisa tomar decisões prudentes em como melhor aplicar os princípios orientadores e manter os padrões no ciclo de melhoria contínua.

Portanto, a excelência operacional muitas vezes não pode ser alcançada por meio do gerenciamento lean ou ágil exclusivamente, mas pela combinação de ambos os sistemas. É irônico que o lean — o campeão do empoderamento do trabalhador — tenha emergido da manufatura, a indústria que deu origem à ideia de que a produção é otimizada a partir das pessoas que agem como máquinas. O que é duplamente irônico é quando noções ultrapassadas de gerenciamento são aplicadas em um trabalho de conhecimento como o desenvolvimento de software, onde o trabalho das pessoas é pensar!

A filosofia de redução de desperdício lean transformou a manufatura com uma vantagem competitiva que impulsionou a Toyota para uma liderança global. Hoje, o movimento ágil, está transformando, não só o mundo do desenvolvimento de software, mas grandes e diferentes segmentos. Hoje, temos todas as razões para acreditar que, não importa onde você esteja no mundo, se você não é lean e ágil, você não é competitivo.

E pode acreditar, por mais irônico que seja, a padronização orientada a um ciclo de melhoria contínua é um grande aliado para esse impulso ágil.

Referências:

AGHINA, Wouter et al. Agility: It rhymes with stability, 2015. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/agility-it-rhymes-with-stability> Acesso em: 15 de mar. de 2020

LAHAT,Nathalie. Quando você é ágil, você se torna lean. Solutions, 2020. Disponível em: https://br.solutionsiq.com/resource/white-paper/quando-voce-e-agil-voce-se-torna-lean/ Acesso em: 15 de mar. de 2020

RAEDEMAECKER, de Stefan et al. Lean management or agile? The right answer may be both, 2020. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/business-functions/operations/our-insights/lean-management-or-agile-the-right-answer-may-be-both> Acesso em: 15 de mar. de 2020

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