Content Design e o impacto no negócio

Jairo Assunção
Loft
Published in
12 min readFeb 23, 2023

Como compreender o novo momento de fazer design e as possibilidades de uma atuação mais estratégica e eficiente em tempos de austeridade.

Thank God It's Money

Às vezes me pego lembrando de um dia que convocaram todos os funcionários para um anúncio extraordinário: a venda da empresa para uma big tech asiática. Homens brancos eufóricos no palco estourando champanhe e eu tentando entender a situação, preocupado que tinha coisa por fazer e entregar ainda naquele dia, mas estava de olho se sobrava alguma garrafinha de champanhe nas caixas e caixas que não paravam de chegar.

Era o primeiro unicórnio brasileiro, muita gente ali estava ficando milionária, logo depois alguns abririam uma empresa ou tirariam um ano sabático. Depois a empresa mudou para um escritório muito maior, tão grande que para ir de uma área para outra era melhor pegar uns dos patinetes que ficavam disponíveis no estacionamento de patinetes de cada andar. Toda segunda-feira começava com o TGIM, Thank God It’s Monday, evento com superprodução e tradução simultânea para diferentes idiomas, inclusive para o mandarim. Eu pegava um bocado de sucrilhos, algum lanchinho vegetariano e acompanhava a coisa toda. No meio dos anúncios e updates, toda segunda-feira subiam ao palco vários novos funcionários contratados.

Imagino que esse mesmo dia a dia foi comum em muitos outros lugares, o hiper crescimento das empresas de tecnologia marcou época e a busca pela entrega da melhor experiência trouxe ao design brasileiro, em suas múltiplas habilidades e competências, a tarefa nobre de criar produtos disruptivos e escalonáveis. Supostamente, estávamos puxando a cadeira para sentar à mesa imaginária com Engenharia, Produto e Operações.

Eu não entendo bem o motivo da mudança de tempo na indústria de tecnologia global, que começou a ocorrer no ano passado, se foi a alta dos juros nos EUA, a Guerra na Ucrânia ou os anos de pandemia. Sei que Content Design foi a disciplina que profissionais de diferentes campos de estudo puderam se encontrar e se sentirem valorizados, garantindo uma ascensão social e profissional importante para quem vinha de meios defasados e inflados como a publicidade e o jornalismo.

Este texto poderia ter sido escrito no ano passado quando muitas empresas entraram em hiring freeze e redução do quadro de funcionários, mas imagino que agora temos ainda mais evidências que nos mostram a necessidade de criar mais camadas para o nosso trabalho diário. Devemos nos envolver cada dia mais com um propósito além da entrega de uma experiência intuitiva, mas que possamos também usar nossas habilidades em UX Writing e comunicação para identificar oportunidades que influenciem em métricas de negócio, como em engajamento, retenção e eficiência operacional. Eventos com champagne no escritório e a possibilidade de tirar ano sabático ficam distantes, mas imagino que podemos trazer questões que garantam um chopinho na santa paz — além de nossos empregos.

TL;DR

  • Se aproprie da posição cross para ter uma visão holística da área e, consequentemente, do negócio
  • Estreite relacionamento com Product Managers e mapeie oportunidades de interferir com baixo esforço de implementação e alto impacto
  • Estude objetivos dos times para entender onde você pode fazer a diferença com suas habilidades como Content Designer
  • Dê visibilidade do seu plano para a liderança e quais iniciativas serão priorizadas ao longo dos meses — priorizar é a palavra-chave
  • Com um plano conectado ao negócio, trate distrações com menor esforço e faça do 'não' uma prática normal
  • Criar padrões e guidelines passa a ser no máximo 20% do seu tempo, enquanto 80% devem estar em executar projetos para os objetivos do times
  • Disciplinas cross devem se aproximar para identificar oportunidades, mesmo que não trabalhem juntas nos projetos

Disclaimer: as opiniões apresentadas aqui são todas baseadas em minha experiência e não refletem necessariamente como a Loft pensa.

A sua área passou por reorg, a equipe foi reduzida e o escopo aumentou? Eu trago aqui algumas ideias práticas e comportamentos que talvez possam ser úteis para um cenário de austeridade em Tecnologia.

Relação trabalho e impacto

Imagino que ter esse entendimento claro serve para qualquer disciplina de design, não apenas a Content Designers. Estabelecer conexão entre trabalho e impacto passa a ser fundamental para a importância do seu trabalho. O modelo Kellogg simplifica esse entendimento dessa forma (com algumas adaptações pessoais):

A partir da sua entrega, o que mudou de fato? Esse raiozinho poderia ser um cifrão.

Todo trabalho resulta em output (o trabalho entregue), um resultado (o que o trabalho alcançou) e um impacto (o que mudou com o resultado). O melhor dos mundos é conseguir mensurar o impacto das iniciativas por números.

A seguir, um exemplo de iniciativa que pude conduzir e que esteve relacionado com uma necessidade de negócio: aumentar o número de pessoas engajadas no formulário de cadastro de imóvel. Basicamente, entendi com o time a possibilidade de criar uma API no formulário de cadastro entregando essa informação por meio de um microcopy em tom de curiosidade. O time de dados e a PM super ajudaram a criar essa inteligência. Enquanto isso, fiz testes quanti com usuários e explorações para entender o melhor momento para essa mensagem aparecer. Rodamos um teste A/B com a mensagem “Na última semana, XX pessoas se interessaram…” a fim de gerar FOMO (fear of missing out) e os resultados vieram:

Números referentes a um mês de teste, contribuindo com o objetivo da squad de aumentar a conversão de acessos de vendedores no formulário de anúncio do imóvel

Enquanto isso, outras atividades da responsabilidade de Content Design ficaram despriorizadas. E tudo bem, porque todos estão alinhados nessa intenção. Por exemplo, atualizar tópicos do Content Guide, como empty state e novas terminologias. Documentações como essa podem impactar em aumento de produtividade e melhorar a qualidade dos entregáveis, mas é um impacto não tão concreto no curto e médio prazo.

O raio de impacto diz muito sobre a senioridade da pessoa e a capacidade dela influenciar pares e áreas. Se pergunte onde seu tempo está sendo investido e procure priorizar estratégias cross e conectadas com alavancas de negócio. Certamente sua empresa também tem uma documentação com orientações do que é preciso mover para mudar o jogo. Estude esses materiais e veja como você pode colaborar.

Impacto em você → nos pares → em design → na empresa

Reconhecer o ambiente e ter um plano
Uma vez numa viagem conheci uma especialista em eventos catastróficos e ela contou que ensina bombeiros a lidar com situações extremas. Ela falou sobre ler o ambiente, entender quem são os atores, o que fazem e considerar possíveis ações. Ou mesmo entender que muitas vezes é melhor não fazer nada. Lembrar disso me serviu como metáfora para respirar e lidar com nossos "incêndios" costumeiros.

Vejo que tem muito disso após momentos complexos como uma reorganização. E o melhor que fizemos como vertical de Content Design foi aproveitar a época de “entresafra” e indefinições para estudar os novos times, quais propósitos das squads, OKRs, conhecer PM's, escopos e agendas. Sim, agendas para nos convidar mesmo como ‘opcional’ para as conversas mais importantes.

Fiz rodadas de conversa com Product Designer, Product Manager ou ambos de cada squad para mapear possíveis alavancas. É nesse momento que muita coisa pode clarear para você conseguir montar o planejamento do próximo quarter. Após esse mapeamento, converse também com GPM's, por exemplo, mostre onde você entende que tem oportunidades mais latentes como réguas de comunicação transacional, revamp's de páginas e fluxos, e use esse material para gerar conversa e falar onde considera colocar mais esforço.

É bem capaz de você sair dessas rodadas de conversa com uma documentação bem robusta, que pode ser um Miro, Figma ou Google Docs, tanto faz. Não importa onde pretende documentar, o importante é que esse exercício será como entrar em uma floresta escura e de repente alguém acender uma luz. O ganho indireto e precioso será você evoluir a visão a respeito dos direcionais macro de negócio, criar relacionamento e entender onde poderá alocar mais e menos do seu tempo.

Perguntas importantes para se fazer:

  • Qual o propósito da squad?
  • Qual o escopo da squad?
  • A squad tem OKRs definidos? Quais seriam?
  • Na visão da squad/tribo, quais as possíveis alavancas e oportunidades?
  • Há algum teste de conteúdo rodando (ex.: régua de comunicação e testes A/B) e há documentação de testes passados?
  • Há alguma documentação sobre a estrutura do time? (ex.: ver nomes e sobrenomes, quem cuida do que)
  • Quando ocorrem os rituais mais importantes na squad? (ex.: semanal Produto + Design é muito bom de entrar)

Mais foco e menos distrações
Geralmente, Content Designers são pessoas cross e nesse contexto desafiador vem o sentimento de passar a ser responsável por uma demanda maior, justamente quando estávamos evoluindo esses anos para uma atuação que acompanha mais de perto o processo de desenvolvimento de produto, desde o discovery à entrega e evolução da mesma. A proporção de Content:Product passou a ser ainda maior perdendo até sentido. Aqui, nós começamos a nos guiar mais por temas que devemos nos envolver, do que cobrir todas as squads. Alguns casos não terão Content Designer durante o processo, e é isso.

O benefício de atrelar seu planejamento ao negócio é que, em teoria, os objetivos macro não mudam constantemente e você terá uma tranquilidade em poder trabalhar naquilo que realmente move algum ponteiro, se aprofundar em contextos e se permitir tratar o que vem diferente disso como distrações que devem ser atendidas com menos esforço e tempo.

Por exemplo, será mais fácil você justificar que precisará rejeitar um estudo de naming de um serviço menos prioritário para a empresa, já que você montou e deu visibilidade para sua liderança e stakeholders quais são as suas prioridades. Talvez a demanda de naming que chegou de supetão vire apenas mesmo uma revisão com orientações para determinada área. Pois é, corremos da palavra ‘revisor’ mas muitas vezes é o que você pode fazer em menos tempo e isso já será relevante. Pode bater uma sensação que daria para fazer mais, mas lembre-se do seu planejamento e oportunidades mapeadas.

Perfil generalista
A vibe do design mudou, como diz o artigo de Fabrício Teixeira e Caio Braga. Salvar o mundo deu lugar para salvar o negócio e, com isso, mudanças significativas são percebidas em diversas empresas. Para pessoas da comunicação que sobreviveram anos no mercado publicitário e editorial brasileiro, a necessidade de ser um perfil mais generalista e adaptável não é novidade.

Content Designers precisam agora acrescentar mais habilidades de pesquisa e análise de dados à caixa de ferramentas para executarem mais rápido e melhor. Lembro de estar em um projeto de Vision 2021 — como estaria nosso produto dentro de um ano — e o nome mudou para Execution 2021, agora o termo faz muito mais sentido.

Priorização constante
Enquanto todos estão trabalhando em silos, você como cross pode se apropriar dessa condição para ter uma visão do todo. Busque identificar como os assuntos se relacionam, como as áreas podem trocar aprendizados.

Essa visão holística é poder ver o caos de cima e perceber que você é apenas um para tratar todas as oportunidades de transformar a experiência com suas habilidades. Para se desesperar com calma, você deve considerar onde você faz a diferença e como pode ter impacto no curto/médio prazo.

Busca por resultado

Abaixo eu trago três exemplos de oportunidades que surgiram na aproximação com squads no começo do quarter. Dê preferência para aquela que tem uma relação direta com OKRs de squads e que, ninguém melhor do que você, pode estruturar ações:

Oportunidade 1 — Engajar usuários na versão mais atualizada do produto
Adquirir novos clientes e engajá-los no uso de um determinado produto são métricas valiosas, ainda mais em tempos de austeridade. Lembra da parte que falei sobre entender agendas das squads? Diz muito sobre como transformar a dupla PM & PD em um trio com Content Design. É numa conversa dessa que você escuta Product Managers falando de ‘comunicação’ de uma forma quase abstrata e pode levantar a mão para entender melhor isso, fazer um diagnóstico e propor um plano de testes, por exemplo.

Em um contexto de times reduzidos, propor melhorias em conteúdo é muitas vezes apenas uma alteração simples no front-end e, assim, ter impacto no curto prazo com baixo esforço de engenharia. Música para os ouvidos de PM's.

Task de teste sendo priorizada pelo Product Manager após eu me convidar para conversas e emplacar uma oportunidade.

Oportunidade 2 — Aumentar o entendimento de status de pedidos
Imagine um tracking com inúmeros status. Aumentar o percentual de usuários que entendem e navegam nas informações das páginas é sinal de uma boa experiência. Você pode super fazer explorações de microcopys, fazer testes de compreensão de leitura, mas com o tempo escasso, essa tarefa pode ficar no seu backlog e dar lugar a outra com impacto mais direto.

Oportunidade 3 — Reduzir número de contato em suporte
Essa métrica é muito importante para qualquer empresa. Reduzí-lo é sinal de que usuários encontram as informações que precisam sem esforço. E ninguém melhor do que Content Design para pensar em estratégias que antecipem possíveis dúvidas de usuários. Porém, geralmente, o time de Customer Experience tem pessoas pensando nisso e você pode dar uma consultoria breve a respeito de caminhos possíveis.

Falei no artigo Construindo a casa de conteúdo sobre outras métricas de medir o impacto. De lá pra cá, um aprendizado foi que qualquer prática para medir conteúdo só é realmente válida quando pretende influenciar um Key Result de um time. Levar isso a sério é poder contar com uma estrutura de desenvolvedores, cientistas de dados, product managers, entre outros.

Do contrário, você pode ter um grande esforço para levantar uma iniciativa que vai parar na "gaveta" por falta de esforços de desenvolvimento e isso é desmotivador.

Liderança em Content
A cultura de uma empresa como a Loft busca empoderar pessoas para serem autônomas e fazerem sua autogestão. Essa postura carrega uma forte carga de pertencimento e sensação de que você é responsável por sucessos e insucessos da empresa. Mesmo com as priorizações justificadas, o aumento dos escopos e a autocobrança para entregar resultados podem pesar, e é nisso que a gestão deve ficar atenta.

Com o desafio enorme de Content Design olhar para tantos escopos, as tensões podem aparecer no caminho e a gestão deve passar confiança no trabalho dessas pessoas, reduzir tensões e alinhar expectativas para um futuro ciclo de performance.

E as reuniões semanais de Content Designers e 1:1s são momentos preciosos em que a liderança direta pode identificar essas tensões que podem surgir no caminho. O importante é ter um plano e normalizar que conteúdo também segue a mesma lógica de produto, onde a primeira versão de qualquer coisa está sempre distante do ideal e que deve ser evoluída com o tempo.

Dicas para quem lidera:

  • Na Loft, temos uma reunião mensal com todas as disciplinas cross daquela tribo e lideranças de Design. Esse ritual tem rodado bem para identificarmos oportunidades e muitas vezes até conectar Content e Research/Service para darem uma atenção a mais num determinado problema;
  • Para a liderança esse encontro é ouro, já que pessoas cross são ótimas para dar uma temperatura de como estão as coisas, visto que estão constantemente tendo interface com todos os times;
  • A liderança tem mais proximidade com o board e transmitir mudanças de rota de negócio o quanto antes é fundamental para as priorizações (ou repriorizações). Por exemplo: entendem que um determinado produto ainda é uma aposta e o que “vai mover o ponteiro” no curto prazo é outro produto.

Mudanças em Design Ops
Entendemos que Design Ops, área responsável por oferecer padrões e ferramentas para times resolverem problemas com mais agilidade e qualidade, deveria agora alocar seu tempo em projetos das diferentes tribos. Com isso, a área passou a ser denominada como Design Chapters — time que abriga todas as disciplinas cross, como Content Designers, UX Researchers e Service Designers.

E como fica a evolução do Content Guide e das contribuições para o Design System? Agora cada Content passa a internalizar essa “intenção Ops”, como parte do seu processo de trabalho. Alguns exemplos:

  • Acabei de fazer um estudo de naming que contou com dinâmicas e testes. Será que esse processo pode ser documentado e virar uma referência para outros pares quando se depararem com problemas semelhantes?
  • Elaborei uma análise das respostas de clientes em um determinado canal. Cabe documentar no Guide termos preferências desse público?
  • Reparei que o Critique de Content está sem pauta, podemos usar esse tempo para fazer uma consultoria de comunicação para um stakeholder?

A essência Ops continua sendo fundamental, mas agora internalizada por todos e não tendo um time responsável.

Menos provação, mais estratégia
Explicar quem somos e o que fazemos deve ainda fazer parte de nossa rotina por muito tempo. Contar a diferença entre escrever para branding e para produto; trazer a importância da aplicação de uma escrita com consistência, concisão e utilidade; quais as nossas responsabilidades ao longo do processo de desenvolvimento, entre outras tantas abordagens.

Tudo isso é importante reforçar, mas vejo que podemos sair dessa provação constante sobre a disciplina e mostrar mais o impacto de nossas habilidades nos objetivos de negócio. Aproveite rituais do time para mostrar o que cada iniciativa resultou, faça comunicações assíncronas contando o que fez e como impactou, abra o microfone durante conversas com PM's para expor suas ideias.

Num primeiro momento, falar de negócio pode não ser a coisa mais prazerosa do mundo, mas com o tempo não há nada melhor do que ver uma iniciativa sua movendo ponteiros ($) e a disciplina de Content Design sendo fundamental para gerar receita.

Tem outras práticas que funcionaram com você? Me conte nos comentários ou me envie uma mensagem no LinkedIn.

Obrigado pela leitura ; )

--

--

Jairo Assunção
Loft
Writer for

Sou Content Designer. Uso palavras para criar uma experiência consistente e intuitiva.