Desafios e aprendizados de UX Research na Loft

Lives e repositório de pesquisas: como estamos aumentando a visibilidade e o impacto das pesquisas com usuários

Elisa Volpato
Loft
9 min readSep 15, 2021

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O bom de estar em uma área nova é que os desafios estão sempre mudando — assim como a gente. Quando comecei a trabalhar com pesquisa em design, o difícil era convencer clientes de que valia a pena pagar por pesquisa. Estávamos em meados dos anos 2000, eu trabalhava em consultoria e entregava relatórios de testes de usabilidade. Não era fácil, mas a descrição do trabalho era simples, com começo, meio e fim: receber o briefing, entender, testar e reportar as descobertas.

Um tempo depois começamos (nós, pessoas de UX e pesquisa) a nos infiltrar nas empresas que antes eram apenas “clientes”. O novo desafio passou a ser ganhar voz e influência para impactos no negócio.

Como fazer a pesquisa certa? Como conversar com quem decide o caminho do produto? Como falar a linguagem dos números, eu, que achava que era de humanas* e que não sabia fazer conta?

Com o crescimento e a consolidação das equipes de design e pesquisa, novos problemas: como manter a qualidade das pesquisas? Como saber tudo que está sendo feito? E como não perder nenhum dos aprendizados gerados, para não começar a repetir pesquisa (e aprender com os erros do passado)?

Meme: imagem do Woody e Buzz (Toy Story). Buzz aponta para cima e diz: "FOMO, FOMO everywhere".
Trabalhar como pesquisadora em uma equipe com quase 50 designers é um sentimento eterno de FOMO (fear of missing out).

Quer dizer que tá todo mundo convencido da importância de fazer pesquisa e que já sabemos gerar impacto no negócio? Não, só quer dizer que a gente está acumulando desafios, mesmo. :P

Na Loft, acreditamos que fazer pesquisa é uma habilidade / responsabilidade compartilhada entre pessoas de design e produto. Designers de produto (PDs) e Gerentes de produto (PMs) são responsáveis pela pesquisa do dia-a-dia do time, o que apelidamos de “aqui e agora”. No nível da tribo, temos pessoas de pesquisa que atuam de forma mais cross — dão suporte aos times no dia-a-dia e conduzem pesquisas de médio a longo prazo, orientando a visão do produto. E em Research Ops temos uma área “central” de pesquisa, onde estou.

Diagrama de círculos: um círculo maior, representando a Loft (produto e design), com “Research Ops”. Dentro dele, um círculo médio, representando a tribo, com “Researcher na tribo”. Dentro do círculo da tribo, um círculo menor, representando o Squad, com “PMs e PDs”.
Pesquisa com usuários é uma atividade compartilhada entre pesquisadores, designers de produto (Product designers, ou PDs), com a participação de gerentes de produto (Product Managers, ou PMs).

Nossa missão em Research Ops é empoderar a Loft a tomar decisões informadas por pesquisa. E fazemos isso por meio de treinamentos, consultoria e suporte no dia-a-dia, processos e ferramentas para escalar pesquisa e, por fim: gestão do conhecimento gerado por pesquisa.

Nos últimos 6 meses, passamos por alguns desafios por aqui e resolvi escrever para contar dos aprendizados. Acho que a gente aprende com a experiência de outras pessoas, com os sucesso e fracassos. E aprendemos muito escrevendo sobre essas experiências, também. :)

O desafio da visibilidade

Com um time grande, dividido em tribos e squads, tínhamos dificuldade de saber o que cada um estava fazendo. Os times já estavam fazendo pesquisa, mas a gente não sabia quando, como e o que estavam aprendendo com isso. E por que isso é ruim? Por que acabava criando situações como:

  • Dois times separados fazendo pesquisas quase iguais, sem saber um do outro.
  • Pesquisas repetidas, sem aproveitar os aprendizados passados.

Para criar mais conversas sobre pesquisa, criamos um espaço dedicado a isso no slack: o canal #design_research, para o que está rolando em pesquisa, agora. O canal reúne designers, PMs e agregados, e serve para dar visibilidade do que está acontecendo.

  • Pesquisadores ficam sabendo dos projetos para saber como se dividir para orientar.
  • Designers ficam sabendo de projetos de outros designers e podem se juntar.
  • A gente em Research Ops fica sabendo do que está rolando, para cadastrar no repositório, criar templates, modelos e outras materiais para escalar a prática de pesquisa.

Mas o melhor uso possível do canal ainda estava por vir: ele virou o lugar oficial para divulgar as lives da pesquisa.

A live da pesquisa

Hoje fazemos tudo pelo Zoom, incluindo entrevistas, testes de usabilidade e grupos de discussão. Por um lado, perdemos o contato humano e mais próximo com as pessoas usuárias (saudade de uma sala de espelho com bufê de pão de queijo, não é, minha filha?). Por outro, fica muito mais fácil falar com pessoas de vários lugares, e, também, de compartilhar as sessões de pesquisa com várias pessoas ao mesmo tempo: aumenta o engajamento com pesquisa e o contato com clientes em primeira mão.

Você sabe: relatórios são ótimos, apresentações e discussões dos resultados são mais legais ainda. Mas acreditamos na importância de ter contato em primeira mão com as pessoas que são nossos clientes. É importante para designers, para pessoas de produto e também para quem é da área de negócio ou de desenvolvimento. Nada como ver quem são as pessoas “de verdade” que usam o produto que a gente cria, né?

Mas chamar todo mundo para a reunião do Zoom não intimida o participante? Gente, ter um monte de platéia ali intimida até o moderador (falo por mim mesma). E por isso começamos a fazer por aqui a Live da pesquisa.

O que fazemos: o Zoom (pago) pode ser integrado diretamente com o Youtube. Daí criamos uma live não listada (só quem tem o link pode acessar) com a conta de pesquisas. De uma sessão restrita a 2 ou 3 pessoas assistindo, passamos a um link que pode ser compartilhado com toda a tribo, com todo o time de design — com quem quiser.

Simulação de uma live de pesquisa, usando Zoom + Youtube. Só simulação, mesmo: nenhum participante foi exposto indevidamente durante a redação deste texto.

Algumas vantagens de fazer streaming (live) X chamar as pessoas para a reunião do Zoom:

  • Participante mais à vontade, sem ver um monte de gente na ligação.
  • Quem está assistindo não tem o compromisso de assistir tudo. Pode entrar no começo, sair no meio, voltar no final. Não vai deixar ninguém constrangido nem ocupar uma vaga valiosa (nada de limitar “a duas pessoas assistindo”).
  • Mais controle para quem está moderando. Não tem como um participante entrar com o áudio ligado ou resolver fazer uma pergunta enviesada, por exemplo.
  • … e dá até para aproveitar recursos do Youtube: a legenda automática funciona como uma transcrição. Meio ruinzinha, mas é um começo. E serve, no mínimo, para pular para uma etapa específica do vídeo. ;)

E a LGPD com isso?

Tomamos alguns cuidados para cuidar bem dos dados dos participantes. Todas as “lives de pesquisa” são em uma conta oficial de pesquisa da Loft. É uma live não listada, que não pode ser encontrada por pessoas de fora. E mesmo assim, excluímos os vídeos depois de um tempo, mantendo apenas o arquivo do vídeo na rede interna. Os participantes assinam um termo de uso que menciona a transmissão e avisamos logo que começa a sessão.

E como fica na prática?

Quase todo dia temos pesquisa rolando e o responsável divulga no canal #design_research.

Exemplo de compartilhamento de pesquisa ao vivo: o Gaspar (que é Service Designer, mas também faz muita pesquisa com usuários) compartilhou o link da live no canal de #design_research. Mais ou menos 20 pessoas vieram acompanhar: designers, gerentes de produto, pessoas de desenvolvimento e de operações.

As pessoas entram ao vivo para assistir e comentam na thread do Slack. A discussão ali inclui prints de bugs, anotações de frases marcantes, marcação de pessoas que podem se interessar, aprendizados e ideias de como resolver os problemas observados. Às vezes a live começa com pouca gente assistindo e no final tem dezenas de envolvidos ali. E tudo registrado para quem chegou atrasado. :)

O desafio da gestão do conhecimento gerado por pesquisa

Pronto, já fazemos pesquisa. E como fazer os aprendizados durarem mais do que 1 hora de apresentação para os stakeholders? Como aprender com pesquisas passadas e evitar que a gente tenha pesquisa repetida? Taraaam: o sonho de todo pesquisador desde aquele artigo do Tomer Sharon: criar um repositório de pesquisa.

A criação do repositório de pesquisa 2.0

Quando eu vim pra Loft, já tínhamos um repositório de pesquisa, mas com pouco uso. Era uma planilha abastecida e utilizada principalmente por quem era de pesquisa, pouco conhecida da maioria de designers e pessoas de produto.

Depois de um benchmark de ferramentas, escolhemos o Airtable como o ideal pra gente, por servir ao mesmo tempo como um repositório e base de dados de participantes e pela facilidade de fazer um “embed” no Confluence, que usamos como ferramenta de comunicação por aqui. (Dovetail também parece incrível e foi o segundo no benchmark, fica a dica para quem tá procurando).

Uma versão fictícia de nosso repositório no Airtable. Por aqui, os campos mais usados para classificar e buscar pesquisas são "público" e "tags". Colocar as pessoas responsáveis também tem sido bem útil para estimular a colaboração. Neste exemplo, SPOILER: já incluímos mais do que pesquisas com usuários, mirando no projeto futuro — o repositório de conhecimento (a seguir).

Alguns dos princípios que procuramos seguir na criação e divulgação do repositório:

  1. Todos podem acessar e consumir o repositório de estudos, sem ter que aprender uma nova ferramenta: conseguimos “embedar” uma visualização personalizada do Airtable no Confluence, sem precisar de um login.
  2. Todos podem incluir novas pesquisas no repositório, mas a responsabilidade é de pessoas de pesquisa. Temos uma visualização do Airtable em formulário — é só preencher que a base de dados é atualizada. Mas não dependemos do engajamento de cada um do time de design para que isso aconteça. As pessoas de pesquisa atuam como guardiãs e evangelizadoras do repositório.
  3. Pode cadastrar pesquisa finalizada e em andamento, também. Teve um caso em que uma pessoas de produto foi procurar o que tinha no repositório sobre um assunto e, ali, descobriu que uma pessoa de outro time estava fazendo uma pesquisa sobre um tema relevante. Conversando, se juntaram para colaborar. Resultado: geramos visibilidade e colaboração, aumentando a relevância e impacto da pesquisa. Grande sucesso para o repositório. :)
  4. Nem todos podem acessar o Airtable original. A maioria das pessoas acessa uma versão reduzida, incorporada no Confluence. Fazemos assim para manter uma certa governança e porque também centralizamos algumas bases de clientes e leads de recrutamento. Para proteger os dados pessoais dos participantes, mantemos o acesso restrito, como um pequeno privilégio de pessoas de pesquisa.

Planos para o futuro

Tá dando tudo certo, de vento em popa? Ainda não. Ainda temos muito trabalho pela frente (meu emprego está garantido).

De repositório de pesquisas a repositório de insights

Hoje temos um repositório com as pesquisas classificadas por tags. Dá para buscar por tema, por time, por público. Mas a mínima unidade ainda são os relatórios. Está longe de ser o ideal. Queremos, como próximo passo, ter um repositório de insights.

Quebrando em insights, a ideia é ter uma busca mais granular, em que a pessoa consegue ir para o aprendizado direto — e, se quiser, ver depois o relatório completo.

Além disso, a quebra em insights permite que a gente crie uma cadência de pesquisa contínua (me nota, Teresa Torres!) em que os aprendizados também são contínuos, sem precisar de um relatório.

E por que não temos isso ainda?

  • Ainda não encontramos o tamanho e formato adequado para os insights;
  • Queremos um processo que seja fácil e escalável, para não depender do trabalho das pessoas de pesquisas para abastecer o tempo todo. Por enquanto, o que criamos ainda dá trabalho para abastecer, e não escala;
  • Ainda estamos aprendendo a fazer pesquisa contínua no dia-a-dia dos times;
  • Está faltando uma pessoa em Research Ops para me ajudar (temos vagas).

De repositório de pesquisas a repositório de conhecimento

Pensamos o nosso repositório como um cenário em mente:

“Meu nome é Bruno e comecei hoje como designer no time de visitas. Das visitas de imóveis agendadas, apenas 53%* são realizadas. Precisamos melhorar essa taxa. Antes de pensar em um discovery, deixa eu ver aqui nesse repositório: o que já sabemos, na Loft, sobre este assunto?”

As pesquisas com usuários podem dar muitas respostas. Mas não são a única fonte de conhecimento (né?). Além das pesquisas, também temos muito material gerado por outros tipos de estudo e em outras áreas da empresa. E o nosso pequeno sonho, no momento, é colocar tudo junto:

  • Pesquisas com usuários
  • Jornadas criadas pelo time de Service Design
  • Benchmarks da concorrência
  • Análises de dados
  • Resultados de cliente oculto
  • Experimentos quantitativos (e seus aprendizados)
  • Relatórios do time de atendimento
  • … e o que mais for útil para o menino Bruno conseguir inspiração para melhorar a taxa de sucesso de visitas.

Bom, estes são os planos. Se não derem certo, inventaremos outros. Uma das competências valorizadas nas pessoas aqui na Loft é ser adaptável. A gente se adapta. :)

Referências citadas neste artigo:

Tomer Sharon, The atomic unit of a research insight
Teresa Torres, Continuous Discovery Habits

*Eu chutei totalmente esses dados de visitas. Não tô aqui para expor os dados da Loft, calma lá.

*Sobre ser de humanas: a grande divisão de pessoas em humanas, exatas e biológicas é apenas uma construção. Você pode ser tudo e nada, pode ser o que quiser. Tem uma edição ótima do podcast Naruhodo sobre isso.

Obrigada a quem revisou e palpitou no artigo: Maria Santos, Paula Pinto, André Gaspar e Melissa Cabral. ❤

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E ficou com vontade de fazer parte da Loft?

#VemPraLoft: Se inscreva em nossas vagas: https://jobs.lever.co/loft

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Elisa Volpato
Loft

Pesquisadora de experiência do usuário, trabalhando com UX desde 2005.