Uma métrica para acompanhar o COVID-19

Acompanhe o número de reprodução Rt em loft.science

Florian Hagenbuch
Loft
7 min readApr 20, 2020

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Na Loft, continuamos engajados na missão de entender como o COVID-19 vai se espalhar pelo Brasil com o objetivo de tomarmos medidas para preparar nosso negócio. Nesse meio tempo, esperamos poder ajudar outras empresas e empreendedores a tomarem as decisões corretas — principalmente se isso significa que podemos manter os empregos da economia nesses tempos turbulentos.

Até o dia de hoje, 20/04, já fizemos as seguintes ações:

Mesmo com o fato de potencialmente termos achatado a curva e com o otimismo que novos dados têm nos trazido diariamente, estamos somente na primeira onda do COVID-19. O que acontecerá quando relaxarmos as restrições? Como e quando serão as próximas “ondas”?

Essas perguntas estão sendo tema de muita discussão entre nós. Acreditamos que fazer projeções vai ficar cada vez mais difícil, já que teremos mudanças frequentes no comportamento da população, no sistema de saúde, e nas empresas. Como Tomas Pueyo descreveu no seu artigo The Hammer and the Dance, depois de aplicar medidas intensas de supressão do vírus (The Hammer), será possível relaxar as medidas de isolamento social, dosando sua intensidade de acordo com o ritmo de novos casos (The Dance). E essa dança ainda é muito imprevisível.

A dança do R

Todos nós provavelmente já ouvimos falar muito do R0, o número de reprodução básico do vírus. O R0 é o número médio de contágios causados por cada pessoa infectada, em uma população onde todos são suscetíveis. A gripe sazonal, por exemplo, tem um R0 de 1–2, a varicela tem um R0 de cerca de 5, enquanto a catapora está em 10–12. Apesar de o R0 ser uma métrica estática, atrelada ao vírus, esperamos que, efetivamente, a taxa de infecção diminua ao entrarmos em quarentena e com medidas de distanciamento social, uso de máscaras, entre outras ações.

Para dar conta das mudanças não capturadas pelo R0, podemos usar uma outra métrica, o número de reprodução eficaz (R, ou Rt), que tem definição similar à do R0, com a diferença de que é uma métrica dinâmica. O Rt é o R0 efetivo em um determinado momento, levando em conta as mudanças que podem afetar o R0, como o distanciamento social, por exemplo. Se conseguirmos estimar esta métrica, podemos desenhar políticas para controlar a epidemia: com um Rt maior do que 1, a epidemia crescerá em ritmo exponencial — para efeitos de ilustração, um Rt de 3–4 infectará virtualmente toda a população, enquanto um Rt de 1.5 pode ainda alcançar 60% da população. Somente se o Rt for menor do que 1, a epidemia irá diminuir de tamanho até ser eliminada.

Pensando nesta “dança”, e inspirados por aprendizados nos EUA, especialmente por uma análise excelente do Kevin Systrom, reproduzimos a metodologia de estimação de Rt do artigo The Metric We Need to Manage COVID-19, inspirada no paper de Bettencourt & Ribeiro.

Vale enfatizar que a sugestão de métrica que apresentaremos a seguir serve exclusivamente para a consideração de empresas no seu planejamento de curto e médio prazo. Esta métrica não necessariamente se destina a avaliar quando um determinado local deve relaxar medidas de isolamento social. Para isso a OMS já estabeleceu critérios claros e nossas autoridades nos orientarão da melhor forma.

Bem-vindos ao portal loft.science

Disponibilizamos as nossas estimativas para cada estado no domínio loft.science, atualizado diariamente. É muito importante de se observar o Rt a nível local (estado, cidade e, no limite, bairro), pois diferentes locais estão sujeitos a diferentes dinâmicas de shutdown, quarentena, restrições e, subsequentemente, de condições de reabertura da economia. A epidemia pode se comportar de forma muito diferente em São Paulo do que em Santa Catarina, por exemplo, e observar o Rt dessas regiões pode nos informar sobre o que funciona (e o que não funciona) na contenção do vírus.

Publicamos o código neste repositório no GitHub, para dar visibilidade para a comunidade. Acreditamos que investir nessa métrica trará mais retorno do que previsões de longo prazo ou modelos complexos projetando oscilações no número de novos casos. Acompanhar o Rt diariamente pode ajudar lideranças privadas e públicas a acompanharem a situação do COVID-19 em tempo real, assim como a eficácia das medidas tomadas.

Neste post, mostramos o racional por trás da nossa metodologia e por que acreditamos que o Rt faz sentido como indicador principal de acompanhamento dessa pandemia.

Acompanhando a epidemia em tempo real

O nosso modelo produz uma estimativa de Rt para cada um dos estados brasileiros (ou qualquer granularidade que desejarmos), com um intervalo crível de 90% de probabilidade. No gráfico a seguir, mostramos a estimativa para o estado de São Paulo. No eixo vertical temos a estimativa de Rt ao longo do tempo, que vem caindo, apesar de ainda não estar abaixo de 1. Os pontos vermelhos são as estimativas, enquanto a sombra cinza significa todos os possíveis valores de Rt em determinada data (intervalo crível).

Para chegar nesta curva, utilizamos um modelo Bayesiano simples, ajustado na série temporal diária de novos casos de COVID-19. Aqueles que quiserem entrar no detalhe do modelo, o notebook é bastante instrutivo, e também publicamos um repositório com uma versão mais enxuta do código, aplicando o modelo aos estados brasileiros.

Uma propriedade interessante do modelo é sua estimativa de incerteza. Vimos que no estado de São Paulo temos intervalos críveis relativamente concentrados. Como exemplo de outro extremo, no estado de Mato Grosso, a incerteza é muito maior por conta do número de casos que é menor do que em SP, o que se reflete na área cinza maior:

Portanto, mesmo que Rt venha caindo, devemos nos manter cautelosos e cientes de que a epidemia ainda pode estar fora de controle naquele estado. Dessa forma, mesmo que comecemos a acompanhar Rt em um nível muito granular, como em cada município, a incerteza nos impede de tomar conclusões precipitadas com poucos dados.

O estado que parece ter melhores resultados até o momento é Santa Catarina, mesmo com uma incerteza maior do que São Paulo:

Uma parte do intervalo crível (área cinza) já está abaixo de 1, o que já aponta para um provável controle da epidemia no curto prazo. Disponibilizamos os gráficos para todos os estados no loft.science, para que todos possam acompanhar o Rt do seu estado.

Comparação entre estados

Podemos comparar os estados olhando a última estimativa de Rt para cada um deles com seu intervalo crível associado:

Este gráfico está ordenado pelo valor mais provável de Rt, sem levar o intervalo crível em consideração, Se tomarmos o pior caso como base (parte superior do intervalo), a ordenação sofre mudanças significativas:

Vemos que nenhum estado tem, ainda, número de reprodução eficaz abaixo de 1, embora alguns já mostrem uma parte do intervalo crível abaixo desta referência. Existe muita discrepância entre os estados, o que reforça a importância de olharmos esta métrica de forma local.

Há luz no fim do túnel

Com esta métrica, esperamos ajudar a comunidade nas suas análises e tomada de decisão. Se a acompanharmos com afinco e tomarmos ações rápidas e certeiras, poderemos controlar a epidemia e encontrar, até antes do que tínhamos esperado, a luz no fim do túnel.

Do nosso lado, vamos continuar acompanhando os desenvolvimentos, atualizando as nossas análises e compartilhando com a comunidade. Toda contribuição, aqui, é muito bem-vinda.

Recursos

Limitações conhecidas da metodologia

  • Uma observação relevante: nossa base de dados são os registros oficiais de infectados pelo Brasil e portanto estão sujeitos aos efeitos da subnotificação e baixa testagem até o momento no país. Ao mesmo tempo, a metodologia consegue lidar com esses baixos níveis, já que usa variações entre um dia e outro — mais importa a variação entre os números de casos e não o número absoluto — mas pode ser afetada se tivermos grandes variações na disponibilidade de testes.
  • Existe um atraso entre ter a doença e o teste positivo. Isto não se reflete nesses números. Os valores de Rt reais podem estar atrasados em alguns dias.
  • Tentamos fazer a estimativa de Rt da melhor forma possível. Mesmo que este seja o caso, é impossível fazê-lo com perfeição. Pedimos para que levem isto em consideração.

Créditos

Análise por Guilherme Marmerola e site construído por Thiago Capelo, Sérgio Kopplin e Filipe Cunha. Obrigado a Flora Oliveira, Ricardo Kauffman e Diogo Kpelo por suas contribuições ao projeto.

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Florian Hagenbuch
Loft
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Entrepreneur and investor, founder of Loft and Canary. Follow me on Linkedin: https://br.linkedin.com/in/florianhagenbuch