Pensamentos patagônicos
Vou contar uma história para vocês sobre como minha relação com a Patagônia começou e como ela foi importante para os desdobramentos mais recentes em minha vida.
Parece improvável que um lugar tão distante de minha região (moro em Foz do Iguaçu e cresci em Londrina, no interior do PR) tenha tamanha correlação com eventos tão distintos não é mesmo? Mas não, alguns nós importantes foram se desatando na linha do destino e ainda hoje sinto a influência desta aventura.
O início
Pois bem, minha história com a Patagônia começa na infância, quando minha mãe, bibliotecária, começou a levar para casa revistas, livros e fitas VHS (sim, sou velho! E só tivemos VHS depois da popularização dele.) com documentários sobre natureza. E, dentre aqueles que ela nos trouxe, uma série foi muito especial para mim, aquela que demonstrou o trabalho de Jacques Cousteau na Amazônia.
Foi assistindo as descobertas do cientista e sua equipe, abordo de seu navio Calypso ou no veículo anfíbio chamado de Jacaré, que o desejo de conhecer as regiões mais naturais deste planetinha desabrochou. Por isso meu interesse está em conhecer os recantos onde o homem ainda tem pouca influência, as paisagens naturais mais preservadas e que escondem as belezas ainda intactas da ação massiva do homem.
E neste ponto chegamos na Patagônia, afinal que criança curiosa consegue resistir às histórias da Terra do Fogo, até o nome já desperta a imaginação.
A crise
Pois bem, os anos se passaram. As perguntas antes direcionadas para passado (Como a Terra se formou? Como surgiram os dinossauros? Em que lugar da Terra teve início a vida?) deram lugar às preocupações com o futuro (Que profissão devo seguir? Como vou me sustentar financeiramente? Como vou dar conta dos boletos?). E com isso o sonho de conhecer estas regiões foi ficando guardado, mas bem guardado.
Os caminhos da vida me levaram a um ponto crucial em 2019, momento no qual alcançamos alguns privilégios: uma boa colocação profissional, algumas conquistas materiais e uma vida sem grandes preocupações com a minha subsistência e de minha família mais próxima. Como não poderia deixar de ser, como um bom millennial, veio a crise: Qual é o sentido de tudo isso?
O final de 2018 e o início de 2019 foi um período estranho, de repente me dei conta que estava vivendo no piloto automático. Parecia que as coisas estavam sem sons, sem cores e sem cheiros. Meus dias passavam e eu estava entorpecido, envolvido em uma corrida contra prazos no trabalho, planos de conquistas profissionais e outras preocupações completamente materiais. Meu refúgio era o sofá e a TV. Enquanto isso meu relacionamento amoroso simplesmente passava por mim, meus cães estavam lá, sempre me esperando para brincar e os dias continuavam passando lá fora, com suas promessas de pequenas grandes aventuras.
E neste momento a Patagônia ressurge, como uma motivação para tentar dar um limite para esta dinâmica estanque e que acabou se mostrando como uma janela de respiro!! Um momento que iríamos tirar para nós (aqui a aventura individual começa a ser coletiva) reconectar com tudo aquilo que fazia sentido em nossa vida.
A viagem
Foi então que decidimos comprar as passagens e começar a planejar a viagem. Sempre fazíamos isto indo em cafés aqui em Foz do Iguaçu, para deixar o momento ainda mais especial. Foram vários cafés expressos para definir as hospedagens, outros para ver os melhores traslados na cidade e no meio tempo um suco para fechar os passeios que iríamos fazer.
Nossa proposta para esta viagem foi de fazer o máximo de hiking possível, apesar de nunca termos feito isso. Por isso elegemos os melhores roteiros em El Calafate, El Chaltén (a capital do trekking) e Ushuaia. Foram os melhores dias de nossas vidas, certamente. Aquela natureza, aqueles lagos azuis e verdes, o vento gelado, as montanhas nevadas da Cordilheira dos Andes. Foi tudo aquilo que sonhei quando menino. Vimos as castoreiras e seu estrago nas florestas patagônicas por culpa do homem e sua necessidade de inserir animais exóticos em ecossistemas diferentes. Caminhamos 30 km em um só dia e andamos inclusive em cima de uma geleira. Velejamos entre icebergs. Vencemos o cansaço e o frio para ver as paisagens que sonhamos, e foi transformador.
Ao longo dos dias caminhando tivemos tempo para repassar muita coisa pela cabeça. Entre paisagens incríveis, refletíamos sobre todas as decisões que havíamos tomado até então. Realmente, fazer caminhadas pela natureza é uma forma sublime de meditação. Naquele momento, no meio das belas paisagens patagônicas a comunhão com a natureza é única. Que privilégio poder realizar um sonho que estava tão bem guardado.
E os dias em viagem passavam, cada um com uma surpresa diferente. Seja conhecer a agradável cidade de El Calafate e o azul do Lago Argentino, as trilhas incríveis de El Chaltén e o majestoso monte Fitz Roy e Ushuaia, a imponência de uma terra onde a natureza se impõe e a vida simples se costura nela.
O retorno ao “normal”
Já nesse ponto uma pequena preocupação começava a aparecer. Como seria voltar ao normal? Até aquele momento as preocupações haviam sumido, mas e depois? Depois desta experiência não teria como voltar ao “normal” em casa, ou a viagem teria sido em vão.
Aí que as coisas começam a se enraizar. Demoramos para cair em si e retomar a rotina em Foz do Iguaçu. Chegando aqui, começamos outra viagem, um longo processo terapêutico em que tratamos do passado e do futuro. E tenho certeza que foi ali que começou a nascer o pai que sou hoje, e esta parte fica para outra história.