Como não sofrer de amor sofrendo

Marcelle Xavier
Love Hacking
Published in
6 min readAug 3, 2016

Não vou mentir, não vai ser fácil. O amor não é feito só de How i Met your mother, mas também de Game of Thrones. Por vezes o chão escapa, e você não vai ter aonde cair. Vai se perder no outro, vai se esquecer de si, vai sentir medo e não ter aonde colocar as mãos. O inverno também chega no amor, mas talvez seja aí que more a maior das belezas do amor. Quando você comprar para si aquelas flores que ninguém lhe deu, quando sorrir no dia que tentarem te levar os dentes, quando aproveitar o escuro para procurar estrelas cadente. Não vou mentir, o amor é coisa perigosa sim, mas tudo que é preciso é uma certa economia nas grandiosidades para amar de verdade.

Não vou mentir, o amor não vai ser fácil, mas ter certeza que não vai dar certo é uma das formas de desapegar da ilusão envolvida no conceito grandioso de apaixonar-se. Ter certeza que não vai dar certo é uma forma de eliminar o medo, afinal, se eu aceito que o sofrimento é inevitável paro de tentar desesperadamente evitá-lo. E assim, ter certeza que não vai dar certo, é a melhor forma de desapegar da ideia de controle da relação e do outro, e por isso é o melhor caminho para amar de verdade.

“Desistir de achar que vai chegar um momento em que as coisas vão se equilibrar. É assim que metade do sofrimento vai embora. A gente sofre muito por romantismo, por achar que alguma história vai dar certo. É preciso se liberar da ideia de construir esse tipo de felicidade” Gustavo Gitti.

Gosto muito de uma metáfora que ouvi uma vez do Gustavo Gitti, que diz que se relacionar e assustar com o sofrimento é como entrar em uma piscina e se incomodar ao se molhar. Não seria melhor abandonar a ilusão e termos consciência do sofrimento? Afinal, se temos consciência que vamos nos molhar, iremos colocar roupas de banho, separar uma toalha, reservar um lugar ao sol, e aproveitar de alguma forma aquela água por mais gelada que ela esteja. Da mesma forma, se temos certeza que o amor também irá acarretar em sofrimento, podemos aprender como aproveitar de alguma forma aqueles momentos e reservarmos logo nosso lugarzinho para secar no sol.

Mas porque a gente sofre?

Pense no último conflito que você viveu com alguém, seja esse alguém um namorado, um amigo ou um familiar. Se você for relatar esse conflito, você provavelmente irá descrever os fatos, elucidar o diálogo e de um modo ou de outro contar uma história sobre o que aconteceu. Mas a verdade é que essas histórias não valem de nada, elas são apenas formas de nos distrairmos das verdadeiras causas do sofrimento. As histórias nada mais são que outra forma de ilusão.

Gosto muito do modelo iceberg utilizado pelo pensamento sistêmico. Qualquer problema e qualquer sofrimento que encaramos envolvem um nível visível e um nível que só se torna perceptível quando aprofundamos. O mesmo conceito é usado pelo Gustavo Gitti, que descreve os 3 aspectos envolvidos no sofrimento: grosseiro, sutil e livre.

A verdade é que a gente não sofre porque algo aconteceu, esse é o aspecto grosseiro do sofrimento. Sofremos porque temos padrões, estruturas e modelos mentais internos. Bolhas, condicionamentos, emoções conflituosas, desequilíbrio de energia e uma série de processos internos que nos fazem sofrer.

Uma coisa importante nesse conceito é não confundirmos isso com culpa. Não é porque existem processos que acontecem no nosso mundo interno e acarretam em sofrimento que devemos sentir culpa quando temos conflitos ou dor. Pelo contrário, podemos é dar boas vindas a dor porque ela irá nos revelar algum aspecto escondido no nosso mundo interno.

Como lidar com o sofrimento nas relações?

“Até agora temos colecionado soluções, mas ainda não sabemos qual é o

problema. E esse é um verdadeiro problema!”

— Dzogchen Ponlop Rinpoche

Um dos grandes problemas é que somos a geração da pressa. Quando surge um problema ou um sofrimento nos apressamos em ajustar, e todo nosso contexto cultural corrobora com isso. Somos reconhecidos e bem pagos quando nos tornamos eficientes e rápidos em resolver problemas, nossas relações são reconhecidas como boas apenas quando inexiste problema. Com pressa para resolver os problemas usamos e abusamos da nossa tentativa de controlar, e se tem um recado que o sofrimento pode nos dar é de que o controle não funciona.

Precisamos aceitar a dor, o problema, o caos, o conflito. E mais, podemos aproveitar do sofrimento. Como quando mergulhamos em uma água gelada, e pensamos “já que estou aqui, vou me refrescar, ou renovar minha energia, ou curar minha ressaca”, podemos pensar “já que eu sempre vou ser meio errada, o outro também e nossa relação mais ainda, vou aproveitar o caos para compreender aspectos do meu mundo interno que desconheço”.

O Process Work é uma área da psicologia profunda orientada para o processo, e tive contato com alguns conceitos relacionados a ele em Can Suari (Cardedeu — Espanha). No process work acredita-se que o conflito e o sofrimento são naturais e significativos, e não devemos evitar e suprimir o conflito e nossas emoções. Isso significa que mesmo que as emoções sejam manifestadas de modo agressivo ou socialmente inadequado, elas são bem vindas porque fazem parte do processo de revelar algo que estava sendo suprimido. Conversando sobre process work lembrei de todas as vezes em que fui grossa e perdi o controle em um conflito, e me perdoei quando eles disseram que quando se trata de emoções, tudo, absolutamente tudo, é bem vindo.

Através de treinamento é possível separar o conflito em partes e superá-lo passo a passo. Gustavo Gitti sugere que frente ao sofrimento possamos parar e reconhecer seus 3 aspectos:

  • Nível grosseiro: a história que causou o sofrimento, aquilo que percebemos em um primeiro momento. Quando estamos presos nesse aspecto tentamos tomar alguma atitude para resolver, qualquer coisa que nos faça parar de sofrer. (escrever sobre o assunto, chamar alguém para conversar ou até procurar viver emoções positivas que disfarcem nossa aflição).
  • Nível sutil: quando aprofundamos em nossas emoções identificamos o que está por trás do conflito, nosso mundo interno. Só conseguimos chegar nesse nível quando relaxamos e equilibramos nossa energia, e a partir desse lugar enxergamos muitas outras possibilidades de transformar nosso sofrimento.
  • Nível livre: é o aspecto brincalhão, quando saímos da bolha, dos condicionamentos e da tensão. O nível livre é quando acordamos e vemos a realidade de forma mais ampla, e ela é muito difícil de perceber.

Aprender a lidar com o sofrimento nas relações é aprender a relaxar, e entender que relaxar nada tem a ver com se entorpecer. Aprender a lidar com o sofrimento é aprender a aprofundar. É reconhecer toda relação como espaço constante de crescimento, de si e do outro. E quando a gente abre esse espaço, a gente para de cair de amores (fall in love) e passa a crescer com o amor (rise in love). Não seria essa a grande busca?

Referências:

(texto baseado no curso blablabla Gustavo Gitti)

Pensamento sistêmico — u lab

Process work

--

--

Marcelle Xavier
Love Hacking

"Use your art to fight" Desenho experiências que permitem que pessoas e relacionamentos se desenvolvam. Facilitadora | Experience Designer| Love activist