O amor está em crise

Marcelle Xavier
Love Hacking
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3 min readMar 8, 2016

Em algum lugar do mundo alguém chora na escada por não conseguir subir nem descer. Alguém entra no whatsapp só pra ver se a mensagem foi visualizada. Alguém ignora uma mensagem por puro desinteresse, e outro pensa tanto no que responder que se esquece de enviar. Alguém chega tarde demais, briga por brigar, acha que o último beijo poderia ser o primeiro, e outro se cansa do primeiro e faz dele o último. Em algum lugar alguém reclama do riso, do choro, da fala, do silêncio, da presença e da falta do outro. Em algum lugar alguém confunde sexo com amor, tesão com paixão, medo com desilusão.

Em qualquer lugar alguém sofre por não saber viver o amor, e isso devia ser motivo de riso.

Sim, o amor está em crise. Não deu nos jornais, nem apareceu na TV mas a crise chegou até nele: no venerado, maravilhoso e intocado amor. E a beleza da crise é que somente quando nos tornamos suficientemente insatisfeitos com algo é que somos capazes de criar o novo. E a beleza da crise que estamos vivendo é que quem vai encontrar os novos caminhos agora não é a igreja, as indústrias, os cientistas, os filósofos, o Estado, as instituições. Somos nós mesmos que vamos criar o amor que faz sentido para nós. O primeiro passo? Abrir os olhos para o que talvez não faça sentido mais.

O amor como acreditamos que deve ser, não pode ser o melhor. A expectativa que criamos de que o outro não deseje mais ninguém é uma mentira. A ideia de que podemos planejar o amanhã e ter a segurança do felizes para sempre é um peso. A cartilha de deveres e obrigações que vem com as relações destrói nossa verdade. A vontade de dar um destino e um rumo para tudo deslegitima o momento. Pensar demais no futuro da relação é interpretar um personagem imaginário, com uma pessoa imaginária, em uma relação imaginária. A forma como exigimos que o outro atenda as expectativas da nossa imaginação é uma irresponsabilidade. As teorias de como o amor deve ser nos impedem de aprender a lidar com o imprevisível que é estar em uma relação. A forma como colocamos o amor que damos e recebemos na balança invalida nossa capacidade de amar. A desconfiança traz o medo, e com medo não é possível sentir amor. Tentar ganhar a discussão é uma forma de perder. O modo como nos preocupamos com a opinião dos outros sobre nós nos limita a criar relações bem vistas e não reais. A crença que precisamos nos apaixonar como Romeu e Julieta ou Heloísa e Abelardo é uma ilusão. Não encarar de frente o sofrimento que o encontro é capaz de causar é uma inocência. Não usar o choro, o problema e o atrito como oportunidade de desenvolvimento é um desperdício. Culpar o outro pelas nossas emoções é imaturidade. Não transformar a emoção em forma de ação é perda de vida. Explicar ao outro como ele deve se comportar, premiar o bom comportamento e punir o mal é controlar. E controlar é tudo, menos amar.

O amor como acreditamos que deve ser, não pode ser o melhor e precisamos urgentemente entender que esse tipo de amor nada mais é que uma construção social. Em cada época amamos de um jeito, e a forma de amor romântico que muitos de nós ainda busca hoje nasceu na verdade no século XII e viveu seu auge no século XIX. Os tempos são outros, não seria então possível criar novas formas de amor? O que é eu não sei, mas sei que o amor está em crise, e isso deveria ser motivo de riso.

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Marcelle Xavier
Love Hacking

"Use your art to fight" Desenho experiências que permitem que pessoas e relacionamentos se desenvolvam. Facilitadora | Experience Designer| Love activist