Uma reflexão sobre a convergência entre TradFi e DeFi no Brasil

Edmilson Rodrigues
Lovecrypto Blog
Published in
5 min readAug 26, 2023

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A Lovecrypto começou em Agosto de 2019, mas eu (Ed) comecei no mundo do blockchain e criptomoedas em 2014. Como dizem os colegas pioneiros de cripto no Brasil: “Naquela época, era tudo mato aqui.

Desde então, pude observar mudanças profundas na mentalidade das pessoas e organizações no Brasil sobre o fenômeno das criptomoedas e da tecnologia blockchain.

  • O Bitcoin passou de “dinheiro do crime virtual” para o “ouro digital”.
  • Os bancões no Brasil passaram de fechar contas de corretoras de criptomoedas para ter times internos de P&D e oferecer criptomoedas para compra e venda a seus clientes.
  • O nosso Banco Central passou a ter um posicionamento de vanguarda, incentivandor da inovação através de programas como o LIFT e criar seus próprios produtos e serviços inovadores, como o PIX e agora o DREX.

No frigir dos ovos, está ocorrendo uma convergência entre o mundo das finanças tradicionais (TradFi) e das Finanças Decentralizadas (DeFi). E a infraestrutura que conecta ambos os ecosistemas financeiros ainda está sendo construida. Existem vários projetos que são candidatos a serem o “TCP-IP” da interoperabilidade entre blockchains públicos, permissionados, o DREX e outras CBDCs. Recentemente escrevemos um artigo exploratório das várias iniciativas ao redor do mundo. Clique aqui para lê-lo.

Um dos mais fortes candidatos a serem o “TCP-IP” da interoperabilidade é o Cross Chain Interoperability Protocol (CCIP) da Chainlink. Cujo piloto está em execução com organizações como o SWIFT. Em video recente, o CEO da Chainlink Sergey Nazarov menciona que a visão é criar uma “internet de contratos”, um mundo hiper-conectado de blockchains que podem interagir entre si e com sistemas externos à blockchains.

Atualmente, esses protocolos que são candidatos a serem “TCP-IP” da interoperabilidade entre blockchains públicas e permissionadas e governamentais proverão os primeiros pontos de convergência entre os ecosistemas DeFi e TradFi.

Mas a tendência é que ambos os ecosistema financeiros convirjam para um único sistema financeiro que tenha as vantagens tecnológicas do blockchain (transações rápidas, globais e confiáveis) e a confiabilidade dos Bancos e da legislação dos países.

Outro grupo tecnológico de peso que está trabalhando na interoperabilidade entre o TradFi e o DeFi é a Microsoft. Vale a pena ver a apresentação do João Aragão no nosso Grupo de Finanças Digitais da UFPE nessa última 6a feira (25/08/2023).

Mas esses protocolos de interoperabilidade são a resposta para o “Como”. Ainda existem outras questões que precisam ser respondidas, que são:

  • Quem vai poder fazer essa interoperabilidade? Empresas de que tipo? Com que qualificações ou requisitos?
  • Interoperabilidade com o que? Blockchains públicos como Ethereum, Celo, Etc. ? Blockchains permissionados governamentais e não governamentais?
  • O quão permissiva será essa interoperabilidade? Pode transacionar todo tipo de ativo ou só alguns? Qualquer tipo de valor para qualquer tipo de pessoa?

Ao menos aqui no Brasil a responsabilidade de definir as regras do jogo tem sido atribuída pelos legisladores ao nosso Banco Central. Nas minhas interações anteriores com o BC durante o LIFT Lab 2022, eles tinham um ditado a cerca do grau de descentralização no que veio a ser o DREX: “Descentralizado tanto quanto possível”. Portanto, acredito que eles terão uma abordagem semelhante em relação à interoperabilidade: “Interoperável tanto quanto possível”.

Mas a literatura econômica aponta que uma alta interoperabilidade irá resultar em aumento da concorrência entre fornecedores de serviços financeiros e consequente redução de custos, maior conveniência aos usuários e a criação de produtos e serviços inovadores.

O advento da MiCA (Markets in Crypto Assets) na Europa deu surgimento a um novo tipo de organização híbrida por lá que alguns círculos do mundo das blockchains públicas estão chamando de “Decentralized Intermediaries” (D.I.). Um exemplo de empresa que está fazendo um excelente trabalho nesse sentido lá na Europa é a Monerium:

Portanto, uma abordagem que promove a interoperabilidade entre o TradFi e DeFi é permitir que Instituições de Pagamento (IPs) no Brasil possam emitir suas próprias stablecoins lastreadas no DREX. Contudo, essa é uma visão muito restrita da interoperabilidade. Criar stablecoins lastreadas em ativos registrados no DREX é só uma das coisas que podem ser feitas através de uma “internet de contratos”, conforme a visão do Sergey apresentada acima. Além do que ninguém sabe o que vai ser feito com as stablecoins depois que está em um blockchain público, “em mar aberto”

Talvez, uma coisa que pode ser feita para cumprir o ordenamento jurídico brasileiro, as leis a respeito de anti-lavagem de dinheiro e anti-financiamento do terrorismo é criar-se um novo tipo de organização que serviriam como “Cartórios de Interoperabilidade”.

Por exemplo, assim como os cartórios no Brasil têm poder de fé pública para atos da vida civil e cobram taxas aos seus usuários para o registro ou consulta desses atos, os “cartórios de interop” cobrariam taxas aos usuários para transacionar dados, tokens ou estados de um ambiente DLT para outro, e também para quem quer consultá-los. Em troca, os “cartórios de interop” seriam responsáveis por seguir o ordenamento jurídico dos países em que atuam e pela qualidade técnica da interoperabilidade.

Dessa forma, essas organizações podem se tornar provedoras de “Interoperabilidade como Serviço”, e plugar suas infraestruturas nas I.P.s e bancos nacionais e internacionais.

Mas, um pedido aos amigos do Banco Central: Caso vocês coloquem “o sarrafo muito alto” para que novos entrantes se tornem provedores de serviço de criptomoedas ou de interoperabilidade no Brasil, invariavelmente, isso irá levar a um cenário como o de alta concentração bancária de alguns anos atrás. Pensem nos pequenos players do mercado de criptomoedas e blockchain no Brasil, como a Lovecrypto.

Atualmente, as pequenas empresas de criptomoedas no Brasil cumprem um papel de atender mercados de nicho, como o do Blockchain Celo que é muito focado em impacto social e sustentabilidade. Vide por exemplo esse programa de microcrédito da comunidade NEDUC no Maranhão. Ele é executado pela startup de DeFi Impact Market de Portugal, nós da Lovecrypto fazemos a troca (interoperabilidade do valor) para Reais via PIX, e cada empréstimo é segurado pela renda básica futura da comunidade.

Parte do meu fascínio pelo tema interoperabilidade é baseado no desejo de fazer com que o valor chegue mais facilmente e com menor custo em comunidades ou projetos de sustentabilidade ao reador do Brasil.

O lado da tecnologia nós estamos resolvendo. Mas e o lado da regulação, amigos do Banco Central? Aí é com vocês.

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