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Como um Santo Graal na mão errada dos homens

Centralização do poder acarreta opressão de grupos minorizados

Lisandra Steffen
lsteffen
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4 min readNov 12, 2020

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O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Em 2017, a cada 19 horas uma pessoa foi morta ou se suicidou por não se incluir na heteronormatividade. É um problema histórico não aceitar o que é “diferente”. Pregam no Antigo Testamento, em Levítico, que relacionamentos homoafetivos são abominações, desejam a morte dessas pessoas. Utilizam a religião como forma de justificar o ódio por essa parcela da população.

Vive-se em um estado laico, o que significa que o país adota uma postura neutra no campo religioso. Mas, mesmo tendo essa condição, crucifixos ficam expostos dentro do Congresso Nacional. A religião está presente em diversos locais, principalmente, dentro das famílias. E a ideologia imposta por determinadas crenças acabam formando pensamentos retrógrados e, muita vezes, inaceitáveis.

Foi o que aconteceu com K.R., que não quis ser identificada. Assumidamente lésbica, ela cresceu em um ambiente familiar extremamente religioso. A mãe, já desconfiando da filha, perguntou sobre a sexualidade dela e a menina abriu o jogo no início de 2018. Decepcionados, os pais não aceitam a orientação sexual dela e não demonstram nenhum tipo de apoio. Essa é uma situação recorrente nas famílias brasileiras.

No início de abril, Brunei, um país localizado no sudeste asiático, aplicou, em nível nacional, a pena de morte por apedrejamento para homossexuais. Brunei não é um estado laico. Já aqui, a criminalização da LGBTfobia avançou. Agora, incluída na Lei de Racismo, há uma pena para quem impedir a manifestação de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Porém, existe a ressalva a templos religiosos.

Mesmo com todos os pensamentos retrógrados circulando dentro das religiões e, consequentemente, refletidos na sociedade, algumas situações conseguem se sobressair e acabam sendo positivas. É o caso de Raquel Wieland, lésbica e com forte ligação com a Igreja Luterana, ela atua nas comunidades.

Padres homossexuais representam 80% do Vaticano e, ao ser perguntada sobre a relação com a igreja, Raquel afirma que nunca sofreu atos de violência nesse local, mas que já viu amigos se afastando da igreja por se declararem LGBTs. Ela sente que esses espaços perderam ótimos profissionais com a situação.

Do outro lado, temos K.R., que costumava trabalhar em uma escola evangélica, onde não poderia se assumir publicamente. “Seria demitida, por mais que o motivo apresentado não fosse esse”, relatou. A escola acredita que a homossexualidade é uma abominação. A menina vivia com esse medo. Nas horas vagas, não passava nem perto da instituição. Enquanto andava com a namorada ou amigos, tinha medo de encontrar pais de alunos na rua, pois acreditava que cena chegaria na diretora da escola, que não sabia da orientação sexual da funcionária.

Preconceito institucional

O medo é algo frequente dentro da comunidade LGBT. “Sair do armário” é um ato de coragem. E o preconceito está cada vez mais naturalizado, uma vez que, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, já revelou, em 2011, que preferia um filho morto a um filho homossexual. Raquel acredita que, após os resultados da última eleição, esse tipo de preconceito acaba se legitimando. “As pessoas se sentiram no direito de praticar todos os tipos de violência contra a população LGBT, fazendo com que os números de mortes dessa população aumentassem”, concluiu.

A falta de empatia é um dos grandes problemas da atualidade. Comportamentos violentos e a aversão ao que é “diferente” faz com que a sociedade continue reproduzindo ideias conservadoras. Justifica-se o preconceito através de textos bíblicos encontrados no antigo testamento. Sem levar em consideração o contexto histórico, essas palavras se tornam ditas por Deus. Ignora-se o fato de que foram escritas por homens. Quem as reproduz, as faz para benefício próprio, para validar os pensamentos individuais, e também ignora a existência do novo testamento. Raquel conta que, com a presença de Jesus Cristo, o que prevalece é o amor ao próximo, coisa que raramente é vista nos dias atuais.

“Seria demitida, por mais que o motivo apresentado não fosse esse”
K. R., vítima de LGBTfobia

No Brasil não existem dados governamentais acerca da violência contra a comunidade LGBT, as informações se baseiam em notícias e depoimentos das vítimas. Mesmo em um país de forte tradição católica, existia um avanço na conscientização da população, porém, com a atual situação política e com um grande número de representantes conservadores, a continuidade da compreensão dos direitos LGBTs parece incerta. Ao mesmo tempo, diversas ações são realizadas, em pequena ou grande escala, para tentar modificar essa realidade.

Raquel, dentro das comunidades que atua, tenta orientar as pessoas e desmistificar as questões LGBT, diminuindo o preconceito. Do outro lado, temos K.R., que está mais cética quanto a isso. Ela acredita que, para uma mudança ideológica nas igrejas, precisa haver vontade, situação que ela não percebe estar acontecendo atualmente.

A ideologia conservadora de algumas religiões continua naturalizada na sociedade. Desde a criação dessas doutrinas, muitas ideias evoluíram e diversas crenças foram desmistificadas. Porém, ainda existe uma forte pressão ideológica na educação da população. Os espaços de poder estão cercados de pessoas que não priorizam o bem-estar do povo. Não acreditam na importância do pensamento crítico ou da autonomia. Esses líderes detêm todo o poder sob determinados grupos sociais, mas não entendem as necessidades dessas pessoas. Como um Santo Graal na mão errada dos homens.

Texto originalmente publicado no jornal impresso Babélia, para a disciplina de Jornalismo Impresso e Reportagem, em junho de 2019.

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Lisandra Steffen
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Às vezes, tiro fotos de passarinhos e escrevo (sobre outras coisas). Gosto muito de usar vírgulas (e parênteses).