O que pode acontecer se o médico ficar em dúvida?

A relação médico paciente ficará abalada se o médico não souber tudo sobre o caso?

Luana Reis
Releituras da Vida
5 min readFeb 28, 2021

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Você já pensou que um médico, para ser bom de verdade, precisa realmente entender de tudo (quase isso) sobre o corpo humano e suas disfunções?

Bem, talvez pareça até utópico, mas há quem almeje esse objetivo.

Na última semana, vivenciei uma experiência que me fez refletir a fundo sobre isso. Não foi a primeira experiência semelhante, mas teve algo de afetuoso que me fez querer compartilhar essa história com você.

Contextualizando, formei-me como médica há 8 meses precisamente. E logo que formei, iniciei minhas atividades trabalhando em um posto de saúde.

Declaro abertamente: por mais excelente que possa ser uma formação médica, há certos aprendizados que só acontecem com a prática real, com seu carimbo e seu CRM em jogo.

Bem, não preciso nem dizer que enfrentei diversos desafios nesse caminho. Sem dúvida, muitos aprendizados. Exponenciais. Em saltos. O que inclusive torna tudo muito gratificante para mim.

E claro, muito ainda está por vir.

Pois então…e quando eu não sabia o que fazer? Não sabia como conduzir? O que dizer ao paciente?

Talvez um primeiro impulso envolva “disfarçar a ignorância”, ou tentar “ganhar tempo” para descobrir sem que ele perceba.

Vai que ele pensa que você é ruim de serviço. É novinha, recém-formada…

Mas… seria mesmo a melhor forma?

Será que se o paciente encarasse de frente a minha vulnerabilidade técnica isso colocaria nossa relação por “água abaixo”? Desfazendo a confiança?

Deixa eu te contar essa história então…

Priscila (nome fictício), uma jovem adolescente, acompanhada dos pais, comparece ao posto de saúde, sem nenhuma queixa aparente, apenas para solicitar exames de rotina. Sua mãe, por sua vez, tinha algumas queixas ginecológicas.

O que não esperávamos era que, logo na triagem— que envolve a coleta de dados vitais pelas técnicas de enfermagem — nos deparássemos com uma frequência cardíaca da Priscila de 150–160 bpm em repouso (pois bem, e o normal é entre 50–100 bpm).

E não, ela não estava “sentindo nada”.

Claramente, fiquei perplexa.

Solicitei um eletrocardiograma (disponível no posto), porém, infelizmente, o resultado não foi esclarecedor. E não encontrei nada notável no exame físico que pudesse indicar a causa daquela taquicardia.

Para piorar, a jovem era portadora de asma e, a melhor medicação para controle da frequência do coração poderia ter risco de complicar o seu quadro respiratório.

Assim, para obter maior segurança na condução do caso, não hesitei em recorrer ao auxílio da colega médica do posto, assim como da cardiologista da rede (via WhatsApp). E não, não tive receio de deixar claro para os pais da jovem que eu estava encontrando dificuldades no caso.

Ao longo de semanas, optei até mesmo por permanecer em contato com a mãe de Priscila pelo meu celular pessoal. A verdade é que eu evito ao máximo manter contato dessa forma com o paciente, para que alguns limites não sejam ultrapassados, contudo, nesse caso, o coração falou mais forte e quis acompanhar de perto.

As semanas se desenrolaram, Priscila ficou bem e, após sair o resultado dos exames, pudemos desvendar o mistério médico por trás (pelo menos a princípio).

O coração da jovem se saiu muito bem nos exames. Tirando a frequência aumentada, a estrutura e a função estavam preservadas.

Foram os exames de sangue que trouxeram luz à questão. A função de uma glândula muito importante, relacionada ao metabolismo do corpo, a tireoide, estava MUITO acelerada. Talvez você já saiba que estou falando de uma alteração chamada Hipertireoidismo.

Bingo!

E sim, essa alteração poderia tranquilamente explicar o caso em questão. Minha primeira sensação foi de alívio! Por mais que aquilo representasse uma doença, agora sabíamos com o que estávamos lidando. E me parece bem melhor não ser um problema de coração especificamente, tendo em vista a importância vital do órgão — para o corpo e para a alma.

Mais uma vez entrei em contato com a mãe, e foi esse alívio que procurei transmitir a ela, junto com alguns esclarecimentos sobre o caso e como seguiríamos a partir de então com tratamento.

Nesse ponto já percebia a fluidez e a abertura que tínhamos para dialogar. A mãe de Priscila se sentia à vontade para se abrir sobre suas angústias, dúvidas e preocupações. Mesmo mantendo consulta com os especialistas (cardiologia, pediatria, endócrino), ela permaneceu em contato comigo, mesmo que apenas para me atualizar do caso. Ou até mesmo para confirmar se estava tudo certo.

Foi quando ela me disse:

“Muito obrigada por tudo! Você é muito atenciosa e uma excelente médica!”

O comentário foi simples, singelo, mas tocou as fímbrias profundas do meu coração o qual, por sua vez, disparou em acelerar a sua frequência de batimentos (motivo emocional fisiológico nesse caso, pra minha sorte hehe).

Esse gesto de reconhecimento foi também uma doce lição para mim sobre a confiança nas relações. Não apenas entre médico e paciente. Entre humanos.

Está tudo bem você não saber. Está tudo bem você ter dúvidas. O mais importante para o paciente é sentir que você se importa. Que você está se esforçando. Que se precisar, você vai se dedicar mais. E estará atento(a).

Que você irá fazer o seu melhor, o que estiver ao seu alcance. Mesmo que isso envolva estudar mais, ou recorrer a ajuda de outros profissionais.

A confiança é a principal liga, é a conexão.

Contudo, ela apenas poderá existir onde houver verdade e entrega. Muitas vezes, nós evitamos essa verdade para não expor as nossas vulnerabilidades, nossas fraquezas, nossos pontos frágeis.

Eu por minha vez, lhe digo: está tudo bem.

Muitas vezes, precisaremos deixar esses pontos expostos para que, então, possamos olhar para eles com carinho, possibilitando que sejam lapidados e adaptados. Para que possamos caminhar juntos.

Esse caso, como muitos outros em que tive diversas dificuldades e precisei me esforçar mais, ensinaram-me talvez que, mais importante que saber as respostas, seria o esforço persistente de nunca deixar de procurá-las.

A humildade de nos reconhecer e nos aceitarmos em nossa humanidade, com toda a nossa dualidade de luz e sombra, nos possibilita a chance de brilhar o Divino e o belo que existe em nós.

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
Releituras da Vida

Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.