A espiritualidade poderia impactar o cuidado em saúde?

Independente da religião ou do tipo de crença.

Luana Reis
Releituras da Vida
4 min readJan 18, 2021

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Caso você seja da área da saúde, possivelmente você já ouviu falar sobre pesquisas que abordam sobre como a espiritualidade do paciente pode ser uma fonte de força importante no enfrentamento de seu próprio adoecimento, assim como de seus entes queridos.

Após algumas vivências recentes no exercício da medicina, tive um pequeno insight sobre o tema e me peguei a perguntar:

E quanto à espiritualidade do próprio profissional?

Permita-me então, compartilhar com você, uma experiência de atendimento que realizei nas últimas semanas, no centro de saúde em que trabalho, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte.

Felipe (nome fictício) retorna para a terceira consulta desde o início do tratamento.

Observo-lhe entrar no consultório e percebo que, por mais ele parecesse melhor em relação às consultas anteriores, havia algo em seu olhar… certo tom de melancolia.

Há cerca de 2 meses, quando iniciamos o acompanhamento, Felipe descrevia um quadro de tristeza, desânimo e isolamento social que se arrastava há cerca de 1 ano. Até que ele não suportou mais, e percebeu que precisava de ajuda.

Sim… muitos de nós podemos precisar de ajuda. Ter a humildade de assumir esse momento de vulnerabilidade é também um ato de coragem. Coragem de ser imperfeito.

A depressão é uma doença e requer tratamento. E não, não se trata de fraqueza, “corpo mole”, ou “falta de vergonha na cara”. Trata-se de um sofrimento real, complexo. Peculiar a cada indivíduo que o sente.

Assim, logo na primeira consulta, após escutar com atenção vários elementos da história de Felipe e dos acontecimentos recentes em sua trajetória, iniciei o uso de medicações antidepressivas.

Em minha prática clínica, para casos mais brandos, era possível observar melhorias com menos tempo e doses menores, mas o caso de Felipe demandava um cuidado mais atento. Com mais paciência e dedicação.

Durante essa terceira consulta, ao escutar o que ele dizia, notei em sua fala como ele relacionava aqueles momentos de fragilidade, de choro fácil, com fraqueza. E essa fraqueza representava o oposto do que seria um homem forte (em sua visão).

Ele relatava que antes ele era um homem forte. Que seus colegas perguntavam a ele: “Felipe, como você tá?”. E independente de como ele estivesse, sempre conseguia responder com firmeza: “Tudo tranquilo, e você?”

Porém, recentemente, ao iniciar um diálogo semelhante com um conhecido, ele desatou a chorar. Ele dizia que se sentia fraco, frágil e incapaz por demonstrar incontrolavelmente essa vulnerabilidade.

Nesse momento, pude perceber como aquele caso era desafiador. Felipe estava com os olhos repletos de lágrimas, com postura curvada… aparentemente inconsolável.

Por alguns instantes me senti limitada, com dificuldade de escolher adequadamente as próximas perguntas ou palavras de forma assertiva.

Lembrei então da minha espiritualidade nesse momento.

Sou espírita, porém isso não tem relação com nenhuma religião específica. Pelo contrário, acredito que a vivência da Espiritualidade transcende a escolha religiosa em si, e que seja capaz de expressar uma força interna (divina) existente em cada um de nós.

Nesse momento, em meio à minha aparente impotência, notei que precisava de uma intuição, de um guia, de um auxílio de alguma forma.

Enquanto o escutava, iniciei em silêncio, em minha mente, uma oração. Roguei com toda sinceridade de meu coração por uma intuição que me guiasse nos próximos passos da melhor forma possível. Por mais confuso que tudo estivesse, eu realmente tinha um desejo genuíno de ajudá-lo.

Foi quando um pensamento surgiu. Como que vindo do nada:

“Se ele relaciona choro com fraqueza, como se fosse uma ameaça à sua masculinidade, como seria sua relação com seu pai?”

Perguntei então sobre o pai dele. Eu não poderia imaginar o que viria a partir disso.

Ele começou a contar que seu pai havia falecido há alguns anos, subitamente. E que seu pai “era o cara”, segundo suas próprias palavras. Que eles eram muito próximos e ele o admirava grandemente. Disse que seu pai era um homem forte.

Procurei identificar os elementos existentes em seu genitor que o faziam relacionar com ser forte. E, a partir disso, pude guiar o diálogo, procurando mostrar a ele que, muitas vezes, há momentos difíceis em nossa trajetória que nos fazem recuar, que nem sempre estaremos tranquilos, felizes, sem dor ou sem sofrimento. E que está tudo bem, faz parte da trajetória humana. E que talvez a força não esteja em enfrentar essas dificuldades como se nada nos abalasse, mas sim em suportar, em persistir, em continuar seguindo. Sentindo tudo com verdade, encarando nossos sentimentos com coragem. Seja com choro, ou com desabafos. Ou procurando por ajuda.

Ao perceber que ele escutava atentamente minhas palavras, tudo o que eu dizia começou a fluir pelos meus lábios, de uma forma que eu mesma não entendia de onde vinha. Foi assim que não pude deixar de perguntar:

“Felipe, você acredita que seu pai possa te ouvir agora, ou estar com você de algum lugar?”

“Sim, não sei bem como, mas eu sinto que ele está comigo em muitos momentos.”

“Pois então, eu também sinto que seria possível… inclusive, arrisco-me a dizer que, se ele tivesse aqui, vendo tudo o que você tem enfrentado, ele estaria muito orgulhoso de você.

Ele lhe diria: “Filho, estou orgulhoso, você está sendo muito forte.”

Felipe direcionou um olhar significativo para mim. E apenas conseguiu dizer:

“Muito obrigado”

A consulta já estava se delongando, então caminhamos para “os finalmentes”. Com mais alguns ajustes nas medicações e um novo retorno agendado. Eu esperava de coração poder encontrar um Felipe melhor na próxima consulta.

Mas essas serão cenas dos próximos capítulos.

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
Releituras da Vida

Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.