Como dizem em Greys Anatomy: “It’s a beautiful day to day lives"

Luana Reis
Releituras da Vida
Published in
4 min readMay 23, 2021

A sensação de salvar a vida de alguém é única.

No exercício da medicina, todos os dias temos oportunidades de fazer o bem, aliviar a dor e o sofrimento, e até mesmo proporcionar mais qualidade de vida a alguém.

Contudo, há experiências de “salvar uma vida" que são mais marcantes, fortes, emocionantes.

Vivenciei uma situação assim essa semana. E sobre ela que gostaria de compartilhar com você.

Estava eu na recepção do posto de saúde em que trabalho como médica, conversando com uma paciente. Entretanto, não foi possível concluir a frase que dizia a ela até o final.

Subitamente, chegou um casal. O pai, aflito, sem conseguir dizer nada, me entregou seu filho.

Seus olhos já diziam tudo: “Salve o meu filho!”

Eu olhei a criança, e acredito que o exame clínico que realizei só de olhá-la deve ter durado 1 segundo exato, pois bastou um olhar pra saber que a situação era grave e exigia uma medida imediata.

O bebê era pequeno, frágil. Estava com os olhos abertos e fixos. A pele dos lábios e da ponta do nariz estavam azuladas. O tórax não se movimentava.

O bebê não estava respirando!

Nessas horas, existem dois tipos principais de reações. A primeira seria a “não ação", quando a pessoa trava, desespera-se e não consegue fazer nada. A segunda, mais resolutiva, consiste em agir apesar do medo, não se deixar paralisar, concentrar-se e fazer o que precisa ser feito.

Para diferenciar essas condutas, nesse caso, ter o conhecimento do que precisa ser feito é essencial.

Agradeço muito às aulas e cursos de urgências e emergências que fiz até então. Se eu não soubesse o que poderia ser feito, certamente eu teria paralisado. Por isso eu sabia que a principal causa de parada cardiorrespiratória em crianças é por obstrução de via área.

Foi assim que no segundo seguinte, após avaliar a gravidade da situação, virei o bebê de barriga pra baixo e comecei a fazer compressões torácicas, também conhecida por manobra Heimlich.

Nas primeiras tentativas o bebê não voltou imediatamente. Precisei caminhar até a sala da colega médica, enquanto realizava a manobra, pra que ela me ajudasse a verificar se havia algo obstruindo a cavidade oral da criança. Graças a Deus tratava-se apenas de excesso de secreção. Mais algumas compressões torácicas e a criança começou a chorar novamente.

O bebê ainda estava frágil e azulado, a medida que chorava, seu pulmão se expandia e ele melhorava aos poucos.

Virei meu olhar pra mãe e, sorrindo, disse a ela:

Seu bebê voltou. Fica tranquila!

Colocamos ele na maca, examinamos e certificamos de que, por hora, ele parecia fora de perigo.

Os pais me contaram que o bebê havia nascido prematuro, com apenas 29 semanas de gestação. Além disso, ficou internado 3 meses no CTI neonatal, justamente por dificuldades respiratórias.

Foi quando quis saber melhor o que aconteceu, se eles moravam perto e tinham corrido para o posto quando o bebê passou mal. O que me impressionou foi saber que não foi isso.

Na verdade, os pais estavam vindo ao posto de saúde para marcar uma consulta médica para o filho e para a mãe, conforme orientado pela maternidade. Na rua do posto já, a alguns metros da entrada, foi quando o bebê parou de respirar. Me contaram que ele tinha mamado há pouco tempo e talvez tivesse engasgado com o resto de leite.

Fiquei impressionada! Perplexa! Como Deus é misericordioso! Se o bebê tivesse passado mal em casa, não teria dado tempo, ele poderia ter morrido, mas aconteceu justamente chegando na unidade de saúde!

Por isso mesmo, virei pra mãe mais uma vez e disse, otimista:

É! Agradeça a Deus! Seu filho ainda tem muita história pra viver nessa vida, muita coisa para realizar viu?

Os pais sorriram, agradecidos.

Fiz um relatório médico relatando o ocorrido e orientei que retornassem a maternidade de novo naquele momento.

Meu coração ainda estava agitado, porém foi tranquilizando aos poucos.

A sensação de ter uma vida nas mãos é muito intensa, mas quando somos capazes de fazer algo benéfico, é extremamente gratificante!

É curioso observar que a vida tem uma dança, uma sabedoria de orquestrar cada coisa em seu lugar, no momento certo, na hora certa.

Essa história me faz pensar, baseado também em minhas crenças, que cada coisa tem seu tempo. Se ainda estou aqui, assim como você que lê esse texto também está, certamente ainda temos muitas histórias para trilhar nessa vida.

Cabe a nós fazer valer, entregar o melhor que pudermos e agradecer sempre por cada dia, por cada benção, cada batalha e cada vitória.

Somos humanos em uma trajetória finita, talvez essa seria nossa única certeza hoje: a nossa finitude. Somos imperfeitos, frágeis. Somos seres em transformação.

Sei que essa história me marcou e me lembrou mais uma vez da responsabilidade que tenho nas mãos. Me me fez perceber também que a experiência de estar diante da morte tem uma força enorme de nos relembrar o valor da vida. Que eu possa aproveitar esse lembrete da melhor forma.

Afinal, o caminho se faz caminhando. O único momento que temos é o aqui e agora.

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
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Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.