Sobre a dor e a arte de comunicar uma má notícia

Mesmo não sendo sobre você… dói.

Luana Reis
Releituras da Vida
6 min readFeb 7, 2021

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Alguma vez você já teve a experiência desagradável de comunicar uma notícia que, certamente, causaria dor ou sofrimento em alguém?

Seja uma mudança de planos, um imprevisto, um término de relacionamento, um acidente… ou até mesmo, uma doença? Uma perda?

Pois bem, tenho um palpite de que você deve ter vivenciado algo assim pelo menos algumas vezes…

Afinal, a vida é como um carrossel, uma roda gigante.
Tem altos e baixos.
Mas o fluxo segue seu curso.
O carrossel continua girando (se você é fã de Grey’s Anatomy, como eu, entenderá).

Na última semana, eu precisei ser porta-voz de uma notícia bastante dolorosa.

Mais do que isso, eu era a responsável não apenas por comunicar a notícia em si, mas também por fazê-lo da forma mais acolhedora, assertiva e empática possível.

Pelo menos eu via assim.

De alguma forma, eu imaginei que se eu tivesse a capacidade de expressar aquele fato de forma delicada, talvez… quem sabe….isso me permitiria, de algum modo, amenizar a dor inevitável, gerada pelo impacto daquela informação.

Para contextualizar, sou médica e, atualmente, eu trabalho em um Centro de Saúde.

Como eu me formei há pouco menos de 1 ano, eu nunca tinha comunicado nenhuma má notícia referente a alguma condição grave de saúde.

Bem, pelo menos não até então.

Há 1 semana, a enfermeira trouxe até mim um resultado da biópsia de uma paciente que, na verdade, eu nunca havia atendido. A descrição era clara, o resultado indicava aquela doença que você sabe qual (essa é para os fãs de Harry Potter).

Aquela que se o paciente pudesse escolher, talvez ele optasse: não diga aquela palavra, doutor(a).

Bem, para minha enorme sorte, como eu vi o resultado antes de ver a paciente, eu tive um tempo de preparação. Uma vez que eu havia tomado conhecimento do caso, acionei a equipe de saúde, a fim de fazer uma busca ativa com a família e solicitar que a paciente comparecesse acompanhada de um familiar ao posto de saúde, no período da tarde na mesma semana.

Se eu sabia como proceder?

Bem… na faculdade eu havia tido essa aula: “Comunicação de más notícias”. Questões sobre o tema eram até tidas como relevantes nas provas. Os professores davam exemplos, mostravam vídeos, faziam teatro com os alunos…

Mas sabe o que acontece? Mesmo com todo esse arcabouço teórico, na hora do “vamos ver”, o desconforto de realizar esse ato, parece ser intenso da mesma forma.

É claro que ter um norte, um guia, auxilia e reduz a ansiedade. Mas de alguma forma, os meus neurônios-espelhos (aqueles que te fazem bocejar quando alguém boceja na sua frente) sentiam dor só de imaginar aquelas palavras saindo da minha boca.

De todo modo, como diz nosso poeta Guimarães Rosa:

“O que a vida quer da gente é coragem”

E assim eu segui. Mas não sem ajuda.

A primeira coisa que fiz foi conversar com a Júlia, minha colega de trabalho. Uma pessoa incrível e uma médica extremamente competente, a qual eu admiro muito e, desde que eu entrei no posto, ela me proporcionou todo o suporte necessário para uma médica recém-formada.

Ao relatar o caso, ela me contou das poucas vezes que havia vivenciado essa experiência (ela formou há cerca de 2 anos antes de mim), as dificuldades que enfrentou e as estratégias que utilizou.

Sem dúvida nenhuma, essa oportunidade de recorrer ao seu auxílio foi vital para que eu pudesse reunir a coragem e a firmeza necessárias e, então, seguir em frente.

Agora chega de preparação, não é mesmo?

O tão esperado dia chegou!

Dona Silvia (nome fictício), uma senhora de 65 anos, compareceu, acompanhada da filha, Luiza (nome fictício).

O seu olhar já evidenciava a ansiedade e a angústia de quem espera receber algo ruim. A sua pressão (que habitualmente estava bem controlada), hoje estava 140x80 mmHg. A energia no consultório pesou, e eu precisava agir, mesmo com medo ou com desconforto.

Procurei começar aos poucos, não apenas por elas, mas por mim também. Eu também precisava ficar mais à vontade naquela cena.

Após compreender melhor como havia sido feita a investigação do caso e o que elas sabiam sobre a doença até aquele momento, eu respirei fundo, tomei coragem e comecei a expressar com mais detalhes o resultado da biópsia.

As palavras saíam de uma forma áspera da minha garganta.

“Segundo esse resultado, o seu nódulo representa uma neoplasia, dona Silvia. E será necessário proceder com um tratamento especializado.” — eu disse.

“Eu vou precisar de cirurgia para retirar tudo?” — ela quis saber.

“Bem, talvez sim. Infelizmente essa resposta eu ainda não posso te dar. Serão necessários novos exames no setor de Oncologia, o qual identificarão o estágio da doença, a fim de esclarecer melhor se estará indicada a quimioterapia, a radioterapia, a cirurgia, ou até mesmo ambas.”

Eu olhava Dona Silvia nos olhos, tentando decifrar seus sentimentos. Após alguns instantes processando, ela me impactou com sua verdade, ao dizer:

“Eu estou com medo… tem gente que passa tão mal com esses tratamentos…” — disse Dona Silvia.

Sua filha estava um pouco pálida. Remexia um pouco, como se estivesse desconfortável na cadeira. Procurava se manter forte.

“Vai dar tudo certo, mãe. Como a doutora disse, são muitas opções, os tratamentos estão evoluindo a cada dia, vamos ter fé!”

Procurei mostrar que eu seria um suporte para elas. Procurei esclarecer suas dúvidas, fazer pausas entre as frases, falar de forma simples, direta, sem rodeios. Procurei ser firme e doce. Quis entregar o melhor que eu poderia. Mas não havia como tirar a dor intrínseca daquele momento.

Até que me veio um insight de que, talvez, eu precisasse ser mais clara:

“Dona Silvia, a senhora entende que, quando eu digo neoplasia, isso significa câncer?”

“Não…” — ela disse com um sorriso de nervosismo.

“Talvez tivesse sido melhor ter ficado só com neoplasia” — disse a filha.

Teria sido melhor? — pensei comigo. Certamente até para mim seria melhor se eu não tivesse que dizer aquela palavra que você sabe qual. Contudo…

“Eu entendo que vocês se sintam assim. Mas, infelizmente, eu não poderia deixar que vocês saíssem daqui hoje sem ter total clareza da situação que vocês estão enfrentando.” — disse delicadamente com firmeza.

O medo do desconhecido. A sensação do “não controle”. Sentir a possibilidade de morte de perto.

Uma notícia como essa requer verdade, assertividade, clareza. Mas também afeto, doçura nas palavras, paciência, tempo e atenção.

Como dizia Chico Xavier:

Para cada gota de verdade, coloque 1 litro de amor.

E assim foi, não sei se o melhor ou mais correto. Mas foi de coração. E torço de verdade para que Dona Silvia consiga enfrentar esse tratamento da melhor forma e, quem sabe, ter o sucesso desejado.

E você? Já enfrentou alguma situação semelhante? Quais foram os seus maiores desafios?

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
Releituras da Vida

Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.