Não se trata apenas de dominar todas as técnicas

Ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana (Carl Jung)

Luana Reis
Releituras da Vida
5 min readJul 4, 2021

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Cuidado em saúde não se trata apenas de conhecer doenças. Ok, isso pode ser quase um clichê, pelo menos na teoria. Porém, quando se trata da prática, uma simples experiência já pode ser extremamente significativa para trazer essa ideia com mais clareza.

Há poucas semanas atendi um paciente no Centro de Saúde em que trabalho como médica e, durante a consulta, aconteceu algo que me deixou bastante sensibilizada. Foi um mix de sentimentos.

Deixa eu te contar essa história e você irá entender melhor…

Entrou em meu consultório um senhor, em torno de seus 75 anos, e sua filha jovem. Logo ao entrar, já pude ver que ele se deslocava com dificuldade, como se suas pernas não respondessem adequadamente ao comando para a deambulação.

Ele se assentou, sua filha ao lado, começaram a descrever sua queixa. Tratava-se um paciente diabético, já em uso de insulina, o qual não fazia acompanhamento médico há cerca de 1 ano. Na triagem foi identificada a glicose bastante elevada.

Após esclarecer os detalhes do caso, levantei-me para examinar o paciente. Além da ausculta cardíaca, pulmonar e dados vitais, não poderia deixar de examinar, especialmente, os seus pés. Afinal, pelo conhecimento técnico eu bem sei que o diabetes pode afetar tanto a circulação quanto a inervação das extremidades do corpo, o que poderia justificar a dor, o formigamento e o desconforto nos membros inferiores. Verifiquei os pulsos arteriais, também a sensibilidade e constatei que ambos estavam bastante reduzidos.

Até então, acreditei que estava fazendo exatamente meu trabalho, nada além do básico, até que sua filha começou a falar:

— Olha doutora, ninguém nunca tinha examinado meu pai assim! — antes que ela pudesse completar a frase, lágrimas surgiram em seus olhos, ela fez uma pequena pausa e então continuou — ele já foi em diversos médicos ao longo desses anos, até mesmo particular. Apenas perguntavam o que ele tinha, o que sentia e passavam a medicação ou o exame.

Ela pausou, quando o pai, vendo a emoção da filha, desejou se manifestar também:

É minha filha, isso é verdade! Por isso te digo: “Não perca isso nunca! Que você continue assim!”

Eu fiquei emocionada. Impactada. Perplexa. Como que lisonjeada e um pouco frustrada ao mesmo tempo. Primeiramente, feliz em saber que eles se sentiam bem acolhidos, que eu pude dar essa atenção ao caso. Por outro lado, senti-me um pouco triste em pensar que, em muitas situações, o atendimento médico não é feito da forma mais atenciosa possível.

Ressalto que não estou aqui para denunciar qualquer colega médico, em nenhum aspecto, pelo contrário, gostaria de convidar a todos que fazem parte da área da saúde a terem essa reflexão junto comigo.

Nós nos esforçamos grandemente ao longo de nossa formação para consolidar uma parte técnica de qualidade, conhecer as doenças, os sinais e sintomas e os tratamentos. Contudo, a cada dia mais, percebo que isso não basta.

A parte técnica, na verdade, nunca finaliza, sempre precisará ser aprimorada, incessantemente. Já a parte humana… ah! No quesito de humanidade, é difícil aprender, é difícil ensinar. Trata-se acima de tudo, de uma vivência, um aprendizado moral. Nesse caso, a inteligência não é racional, mas sim emocional.

A empatia, o olho no olho, a atenção, o toque, o examinar com cuidado. Ver a pessoa para além da queixa. Ver o doente e não a doença. Sim, eu sei, parece clichê, pelo menos para mim. E quero poder compartilhar com você a verdade do que sinto ao expressar isso. Quando vivido na prática, pela experiência, é muito mais potente.

E essa experiência pôde me mostrar com clareza:

“De nada adiantaria, nesse caso, eu conhecer todas as possíveis facetas do Diabetes, enquanto doença, se eu não pudesse olhar para meu paciente, ouvi-lo, me atentar às suas queixas, dores e sofrimentos, expressar-me de modo que ele pudesse compreender, dispor-me a ajudá-lo da melhor forma.

É claro que a parte técnica é indispensável para proceder com a melhor terapêutica possível, e não estou tirando o valor disso de forma alguma.

Entretanto, de que adianta eu passar o medicamento correto se o paciente não acreditar em mim? Se ele não der confiança ao que eu digo? Não seguir as orientações?”

Medicina não se trata apenas de uma ciência biológica, mas também, de uma arte. A arte da interação humana, do cuidar, do escutar e acolher. E por mais que isso possa estar nos livros, por mais que eu possa lhe dizer isso agora com toda verdade que acredito, é algo que irá se manifestar conforme as vivências de cada um.

Sei que muitas vezes o tempo de atendimento é corrido, as circunstâncias não favorecem. Em hospitais e plantões, no SUS ou no particular, frequentemente, o volume de pacientes é muito alto e nem sempre temos o tempo que gostaríamos para ofertar a cada um.

De todo modo, convido-lhe a uma reflexão: se para cada pessoa que receber nosso atendimento, pudermos usar o tempo que tivermos, mesmo que pouco, da melhor forma possível, entregando o nosso melhor, acredito que assim já faremos alguma diferença no mundo, para aqueles que estiverem ao nosso redor e passarem por nós durante nossas vidas.

E você, o que acha desse movimento?

Um profissional de saúde que trabalha com entrega, com comprometimento, não trabalha sozinho.

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
Releituras da Vida

Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.