Das tripas coração // Lobo // uma experiência

Luane Araujo
ponte & fronteira
Published in
3 min readJun 15, 2018
Photo by Mayra Azzi

Lobo, de Carolina Bianchi, é experiência não é peça.

Saí do teatro como quem sai de performance. Sem saber bem como contar o que vi. Pra que contar?

Saí do Teatro de Contêiner, poderosa. Investida de todas as forças que a Carolina trás pra cena com sua orquestração. Não é o tipo de narrativa em que se sente angústia, risada, choro, tesão, só. Nem é aquele tipo de experiência em que você sai se sentindo intelectual e mais inteligente (risos surdos). Ela vai lá, num não-linear do inconsciente. Não daquele tipo inconsciente freudiano, datado e falocêntrico, ela vai num lugar surreal, irônico, liberado desta ferida. Um lugar que finalmente começamos a acessar, claro teria que ser pela mão de mulheres. Obrigada Carolina.

Sobre o que não é.

A peça / performance, pra mim não é sobre corpos, sobre falos, sobre a energia pulsante destes homens todos, suados e nus no palco. Acredito que homens, héteros ou gays, recepcionem e interpretem a narrativa de Carolina de forma muito diferente da de uma mulher. Meu filtro : ser mulher cis branca em SP, nos anos 18 do século 21, em meio a golpes patriarcais e retrocessos latentes. Deste lugar vejo LOBO. A narrativa que ela propõe, permite que a minha recepção possa ser desembaraçadamente diferente daquela de quem quer que seja, porque é livre mesmo, e isso! isso é o novo.

Poderia falar das inúmeras referências utilizadas pela dramaturga, poderia falar das mulheres esquecidas que ela cita, das inúmeras ironias, da metalinguagem do teatro - em que nos lembramos de como nos tratam, como nossos corpos são objetificados, como somos silenciadas e invisibilizadas; de como, tantas vezes, ironicamente pensamos que falamos sobre nós, quando na real estamos contando a história deles. Ela faz "das tripas coração" e nos encena o que nos tem acontecido.

O tudo que temos dado e de como ficamos no final.

Isso nos liberta, porque afinal isso é também o teatro, libertação.

Mas prefiro dizer que Carolina , maestra da cena, é eficaz na forma e no conteúdo para falar destes tantos assuntos de forma pictural, sem nunca dar espaço para estereótipos grotescos; o sangue, os cheiros, a morte do falo, a metalinguagem, os corpos, o surrealismo poético, o terror, a autoironia, tudo ali. Ela orquestra um jogo, mas nos dá a liberdade de olhar pelo buraco de fechadura que quisermos, e ás vezes participar e interagir.

LOBO, é um manifesto como narrativa. Feminista e feminista. Sem ser condescendente, sem abrir mão do corpo. Nada de agressividades, mas com todos os elementos necessários num momento em que já deu de sermos cordatas.

--

--

Luane Araujo
ponte & fronteira

Produtora cultural, é ponte e fronteira, gosta de devorar curiosidades e de beber pastis. Para escrever sobre teatro, feminismos e políticas culturais.