Crítica — Barbie

Greta Gerwig atinge a excelência ao usar a boneca mais famosa do mundo em uma grande piada.

Lucas Almeida De Sousa
CRITTIQ
7 min readAug 2, 2023

--

Reprodução/Warner Bros.

O TEXTO A SEGUIR PODE CONTER SPOILERS!!!

Quando o filme da Barbie foi anunciado, eu não sabia o que esperar. Na minha mente, essa produção era um daqueles casos que poderiam resultar em um desastre total ou em um grande triunfo. Porém, ao sair a notícia de que Greta Gerwig, diretora de “Lady Bird” e “Adoráveis Mulheres”, estaria envolvida com a boneca mais famosa do mundo, eu fiquei animado. Foi então que, junto com o anúncio da direção, veio a questão do roteiro, que seria escrito por ninguém menos que Noah Baumbach, diretor de “Os Meyerowitz” e “História de Um Casamento”. Honestamente, minha reação foi de aflição. Após o fiasco de “Ruido Branco”, filme dirigido por ele em sua última parceria com a Netflix, pensei que Noah estava entrando naquela famosa fase em que todo diretor/roteirista tem seu momento de baixa.

Nos primeiros minutos, Barbie mostra para o que veio. Em uma sequência parodiada da cena de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, onde vemos os primeiros primatas do mundo reagindo ao monólito e descobrindo a primeira arma humana, nos deparamos com a versão de Barbie em que as primeiras meninas do mundo descobrem o primeiro brinquedo “estereotipado”. Neste caso, a primeira versão da Barbie. Seguindo de uma narração sobre as cenas com a Margot Robbie gigante de maiô, já percebemos como serão as próximas 1h40 de filme: uma grande piada.

Foi neste momento em que consegui relaxar na sala de cinema. Mesclar a comédia com um toque de drama e críticas ácidas é o que Noah Baumbach faz de melhor. Ao assistir Barbie, é quase perceptível que Noah e Greta utilizaram “Ruído Branco” como um teste, especialmente porque a diretora estrelou o filme ao lado de Adam Driver. O grande desafio para essa nova parceria era equilibrar as críticas incisivas com o humor em meio a uma jornada lúdica, a mesma proposta da parceria anterior que não deu muito certo. Ao chegar à última cena, onde a protagonista diz uma das frases mais divertidas e importantes do cinema contemporâneo, tive a certeza de que não haveria uma dupla melhor para comandar esse filme.

Barbie como coadjuvante de sua própria história

Pode parecer loucura dizer que a Barbie é coadjuvante em sua própria história, mas quando observamos com atenção, percebemos que essa foi a melhor decisão de roteiro possível. O ponto inicial é bem simples: Vemos a primeira Barbie conhecida como Estereotipada, vivendo sua vida maravilhosa na Barbieland, ao lado das outras versões da famosa boneca, quando coisas estranhas começam a acontecer. Seus pés de boneca ficam normais, ela começa a pensar em morte e celulites começam a aparecer em seu corpo.

Seguindo uma ideia muito ao estilo de Toy Story, Barbie encontra uma outra versão sua, a versão Estranha, que revela a ela que sua dona está com pensamentos negativos e que isso a afeta. Barbie se vê obrigada a encontrar sua dona no mundo real para fazer as coisas voltarem ao normal. Temos a nossa história.

Na primeira parte da narrativa, Greta está mais interessada em mostrar como a Barbie é importante e querida na Barbieland. Exibindo um mundo lúdico onde as mulheres é que mandam, a protagonista vive em seu mundo padronizado em harmonia com suas outras versões, juntamente com as versões do boneco Ken, que vivem à sombra da atenção de nossa querida protagonista. Ao se aventurarem no mundo real, Barbie percebe que ela não é mais tão importante. Seu parceiro Ken, por outro lado, descobre uma ferramenta muito mais poderosa: o patriarcado.

Ao descobrir que essa ideia é usada pelos homens no mundo real, Ken percebe que pode levar essa noção para Barbieland e tornar-se algo muito maior e mais significativo. Enquanto isso, Barbie sofre um choque de realidade ao perceber a feminilidade prejudicial que ela propagou na sociedade. Em paralelo, os empresários da Mattel tentam, literalmente, guardá-la de volta na caixa para que tudo volte ao normal. É nesse momento que o roteiro se mostra tão sagaz em suas críticas que você nem percebe que Barbie se tornou coadjuvante em sua própria história. Ken, afligido pela falta de atenção da famosa boneca, descobre no meio da masculinidade tóxica e do patriarcado uma forma de se tornar mais importante e ser “amado”. Com isso, ele espalha ideias de que mulheres devem ser submissas, promovendo relacionamentos tóxicos e fazendo as outras bonecas esquecerem quem são.

Em contrapartida, Barbie se vê em meio a uma crise de identidade. As garotas não gostam mais da ideia do que ela representa, ela descobre que não há nenhuma mulher envolvida em sua criação, percebe que não é mais importante em um mundo onde as mulheres têm importância. Mudando completamente sua expressão de felicidade e alegria, ela se torna, de maneira trágica e muito cômica, a Barbie depressiva. Por alguns minutos de tela, não vemos mais Margot Robbie em suas roupas coloridas, e ela se torna coadjuvante de sua própria história.

A piada com um (grande) fundo de verdade

Enquanto Barbie atravessa sua crise existencial, testemunhamos a melhor piada do filme em ação: o patriarcado. Ken, interpretado de maneira brilhante por Ryan Gosling, está liderando Barbiland por meio da representação mais ridícula possível da masculinidade tóxica, o que é bastante positivo. Vivemos em um período tão complexo em relação a esse assunto que humoristas mulheres estão sendo ameaçadas de morte no Brasil por realizar algo que Greta Gerwig explora de forma extremamente hilária em duas horas de filme.

O retrato do boneco Ken é a representação do que pessoas comuns pensam sobre esse tipo de homem, os famosos “redpills”. Que nada mais são do que garotos frustrados por não terem conseguido a atenção de alguma mulher. Por essa razão, Ken começa a sua busca por mais importância e percebe que suas outras versões são mais poderosas juntas do que separadas e assim, dominam Barbiland. A parte mais interessante no roteiro é como isso é construído quase que naturalmente em tão pouco tempo. Observamos a grande piada que não foi levada a sério desde o início do filme, tornar-se o problema principal do mundo da Barbie. Isso te lembra alguma situação?

Presenciamos o surgimento de diversos Kens todos os dias nas redes sociais. Apesar de Ryan Gosling estar brilhante como Ken, a ponto de criarmos empatia por ele, precisamos analisar o retrato do personagem com maior atenção. Embora haja sinais quase sem sentido ou muito lúdicos, como acontece com os “redpills” da vida real, isso pode se tornar um problema quando negligenciado.

O último ato: Dançando em busca do seu lugar no mundo

Por fim, o enredo nos conduz ao seu último ato. Carregado de críticas ao egocentrismo masculino e destacando a personagem principal mais uma vez, Barbie se destaca por sua beleza ao retratar a protagonista em busca de seu lugar no mundo. Grande parte do seu ato final aborda a dificuldade de amadurecer e procurar um propósito de forma autêntica, sem a pressão imposta pela família, sociedade e até por si mesma.

É intrigante como a narrativa guia seus protagonistas na busca por um propósito de maneira tão simples e atenciosa que nos faz esquecer do principal problema do filme, o qual se torna um pouco mais evidente ao desfecho do enredo. No meio das críticas bem elaboradas e equilibradas, seria quase utópico que nada viesse com uma certa “imperfeição” de atenção. Nos minutos finais, Barbie encontra sua criadora, sua verdadeira “mãe”. Pronta para descobrir seu verdadeiro propósito no mundo real, mostrando que qualquer mulher pode encarnar uma Barbie através de uma transição simbólica entre mãe e filha, sentimos uma sensação de desconexão com o filme.

Essa percepção surge devido ao subdesenvolvimento do arco da mãe e filha que é sustentado de maneira superficial ao longo do filme. Aliás, se elas estivessem presentes ou não, seria quase imperceptível devido à falta de diálogos e profundidade nas personagens, que servem mais como suporte emocional e narrativo para Barbie. Contudo, os minutos finais se tornam marcantes e emocionantes ao entender que a jornada de Barbie é muito enriquecedora para a protagonista, que finalmente tem seu momento de autodescoberta em uma cena tocante, muito bem sustentada pela música de Billie Eilish.

Barbie é um filme quase impecável. Seus defeitos incomodam muito pouco a narrativa, que tem a duração ideal para um blockbuster. Repleto de piadas genuinamente engraçadas, interpretações excelentes e críticas que devemos considerar mais em nosso cotidiano, o longa consagra de forma sublime a história de uma grande boneca.

--

--

Lucas Almeida De Sousa
CRITTIQ
Editor for

🙅🏽| Sou um crítico de cultura muito esquisito. 📝| Filmes, Séries, Livros e além 📩| lajorcriticas@gmail.com