Crítica — The bear

Lucas Almeida De Sousa
CRITTIQ
Published in
5 min readJan 30, 2023

Nova série do Star+ brilha ao usar o caos da cozinha profissional para falar sobre assuntos sérios.

Eu não posso começar este review sem confessar uma coisa: eu me recusei a ver “The Bear” quando começaram a falar bem dela. Séries que são perseguidas pelo famoso “hype”, geralmente, me incomodam. Não pelo fato de que as séries são ruins — algumas vezes elas são boas — mas, pelos murmúrios que temos que aguentar nesta nova era da informação. Onde somos quase obrigados a ver a produção por completa no TikTok, por exemplo. Eis que me deparo com essa nova série, produzida pela FX e distribuída pelo Star+, que em semanas fez um feito enorme de encher a boca de críticos. Contudo, passou despercebido pelo público geral (ao meu ver). Com o tempo, finalmente me cedi aos caprichos da produção. Desde que terminei a primeira temporada, fico pensando vagamente em meu arrependimento de não ter começado antes.

“A trama acompanha o jovem e requintado chef Carmy (Jeremy Allen White), que herda uma lanchonete chamada ‘The Original Beef de Chicago’. Ele luta para administrar o restaurante, enquanto tenta superar uma grande perda familiar, trabalhando ao lado de uma equipe de cozinha medíocre que acaba se transformando em sua família. Os assuntos que são abordados nessa série de comédia dramática são atuais e se comunicam com quase todo mundo, como comida, família, a insanidade do trabalho duro, a beleza do senso de urgência e seus diversos pontos negativos”

Uma tendência que segui quase inconscientemente durante o início do ano, foram ver produções que usam a gastronomia como pano de fundo para algo mais profundo e “macabro”. “Fresh”, “O Menu” e agora temos “The Bear”. Diferente dos dois primeiros longas citados, que usam a cozinha para criar um enredo de suspense e terror contemporâneo, The Bear está mais preocupado em falar sobre o luto.

Carmy, interpretado de maneira maestral por Jeremy Allen White, acaba de perder o irmão mais velho para o vício em opioides em um suicídio. Em seu testamento, deixa o seu decadente restaurante, The Original Beef, para o caçula. Quando adentramos na série, vemos que o renomado cozinheiro, está tentando recuperar os cacos da equipe após a perda trágica do amigo e patrão, ao mesmo tempo que tentar transforma o The Beef em algo decente. Logo, temos a nossa história e o nosso personagem principal. Apesar do Carmy ser um personagem muitas vezes antipático, à beira de um colapso nervoso e babaca, a empatia por ele é quase instantânea.

Vemos de cara no primeiro episódio o quanto a morte do irmão Michael (Jon Bernthal) afeta Carmy e sua outra irmã, Summer (Abby Elliot). Atormentado por pesadelos, ansiedade, sonambulismo e um momento de frustação em sua carreira, o irmão caçula faz de tudo para fazer o restaurante funcionar. Mas, como fazer isso se a equipe é a pior de todas? Mesmo ele provando várias vezes que ele é um dos melhores chefes do mundo(literalmente), a cozinha cria um motim contra o novo chefe, quase que liderado pelo seu “primo” Jerimovich (Ebon Moss-Bachrach). Apesar de parecer um enredo simples, temos aqui camadas muito interessantes que são desenvolvidas ao decorrer da temporada.

Começamos a entender que Carmy começou a cozinhar por ser o hobby favorito com seu irmão. Depois, vemos o primo que era o deslocado da família encontrar um lar dentro do restaurante que, ao mesmo tempo, está de luto pelo melhor amigo. Além disso temos pautas importantes acontecendo ao fundo: propósito, abuso no trabalho, trauma, depressão, ansiedade e outros além. Mesmo todos sendo muito bem desenvolvidos, pode ficar uma questão no ar: como eles conseguem fazer isso sendo que cada episódio tem 20 minutos? A resposta está no bom roteiro e direção.

Criada e roteirizada por Christopher Storer, The Bear seria um completo desastre se não houvesse um bom roteiro e direção. Mesmo mostrando que a gastronomia é o pano de fundo para todos esses assuntos complexos, eles fazem questão de criar a atmosfera caótica de uma cozinha profissional. Com exceções de um a dois episódios, a temporada inteira te passa a sensação de faca na garganta. Parece que há uma panela de pressão ali dentro prestes a explodir, e isso é viciante. Muito provável que ao terminar a série, você terá uma enorme vontade de cozinhar… ou chorar.

Apresentada como uma série de comédia pela própria produção, ela não deixa de desenvolver assuntos interessantes mesclando boas situações cômicas e piadas. Porém, penso que o motivo dessa série ser tão especial é a alma do irmão Michael emanar ao redor de todos os personagens.

Sempre estamos escutando aqui e ali, os personagens dizerem: “Nossa o Michael era bom em tudo que fazia”, “Aquele homem chegava nos lugares e mudava o ambiente por onde passava”. Ou seja, vemos aqui que a série está sempre lembrando que a perda, o luto e o suicídio é o assunto principal. O roteiro faz questão de criar um baita personagem que é admirado por todos que estão em volta, mas que ele nunca está ali. Mesmo com todos os problemas mentais, emocionais e familiares, Michael era admirado por todos. Que inclusive, vemos apenas duas vezes na tela sendo interpretado de maneira genial pelo Jon Bernthal. Assim como todos os episódios, que não te mostra nada além do que é necessário, esses dois flashbacks são mais do que suficientes para entender o poder de uma pessoa que não está mais entre nós.

“The Bear” é uma série especial. Além de te dar água na boca sempre que possível, ela está sempre nos mostrando aquilo que deveria ser essencial em nossas vidas. Pegar algo singelo como um almoço de família e transformar nesta trama gigante, é algo que deve ser notado e respeitado. Demorei um pouco para finalizá-la, estava saboreando cada episódio assim como um bom sanduiche de carne. Quando terminei, foi uma das melhores refeições de entretenimento que já tive.

OBS: Apreciem o episódio 7. Aquilo é algo genuíno demais para se passar em branco.

OBS 2: O final é uma das coisas mais satisfatórias que já vi na televisão.

NOTA: 10/10

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Lucas Almeida De Sousa
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