Retrato da vida — Homenagem a Dominguinhos

Milene Amoriello Spolador
Lugar Nenhum
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3 min readAug 13, 2018

Olho para esses campos que se perdem no horizonte, com essa terra seca e esses rios secos, mas tal secura não é perene. As estações seguem seu rumo, em uma sequência ordenada os dias vão passando, e depois da estiagem sempre vem a florada e a esperança se renova depois de tempos difíceis.

Mas se na natureza há sempre a chance de florir, o campo, as plantações, as flores, na vida, ah, na vida não é assim não. Na vida nem sempre o amor tem sua chance de brotar, nem sempre a esperança se faz presente. O ciclo da nossa existência é nascer, crescer e morrer, mas nem sempre amar faz parte desta história e certamente ser amado não faz parte do meu destino.

Seu nome não posso dizer, é moça bela, tem olhos da cor da terra árida, sorri atravessado sem mostrar os dentes, cabelos longos tão escuros como a noite nesse meu sertão e pele do sol queimada que brilha com o suor dos seus poros. Não tem realidade fácil, mas por essas bandas, quem é que tem?

O destino quis que a bela moça tivesse um dia amado um finado amigo meu, que partiu na alvorada da vida por motivo que até hoje não souberam explicar. Queda ou empurrão, sabe-se lá.

Todo dia a vejo passar, suspiro de longe sem forças para desviar o olhar, e atiro meu coração no chão por onde ela passa desejando ter um microssegundo da sua atenção. Mas ela nem percebe, e pisa e se desfaz.

Devo dizer que a bela moça eu sempre quis bem, e espero que um dia Deus possa perdoar o desespero e a cegueira que o amor às vezes traz.

Minha penitência é viver da sua vida, sonhando um dia fazer parte dela. Então me prendo aqui, amando em segredo, nesta terra seca, nessa existência vazia.

O que me resta é olhar daqui de cima para esse matagal que some da vista, ver que a natureza se renova, se reinventa e segue seu curso pelo leito destes rios que logo irão renascer. Fico aqui, chorando sozinho, sonhando acordado, amando em silêncio, sofrendo uma dor agreste que habita meu peito e que não tem cura.

Tolo de mim que alimento um amor anônimo, sem face, sem história. Ilusão que me retrata a vida.

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Milene Amoriello Spolador
Lugar Nenhum

Senior Product Manager | Digital Innovation, Strategic Planning | Product & Career Development Mentor