Nerds e zumbis

Rod Zandonadi
Luis Storyteller
6 min readOct 17, 2021

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Escrevi esse conto há muito tempo, acho que ano passado. Resolvi compartilhar ele aqui com vocês. Espero que curtam.

Se gostarem, não deixem de comentar.

Zeca odiava ser o centro das atenções. Por isso não gostou nada quando uma horda de Zumbis o cercou naquele beco imundo. Ofegante, ele foi se afastando em direção do fundo do beco. Passou as mãos pela careca encharcada. Olhando o número de zumbis que crescia, Zeca quase sentiu saudades dos vampiros que enfrentou duas semanas atrás.

Ele olhou em volta desesperado. No fim do beco havia uma caçamba de entulho. O chão estava cheio de pedaços de papelão, concreto e latinhas amassadas de cerveja e refrigerante. E o cheiro… bem, ele passou toda a infância em uma peixaria. Sabia como restos de peixe fediam se expostos ao sol. Ali, cercado de zumbis e resquícios de detritos, o antigo fedor da peixaria do tio Rico seria considerado perfume.

Os monstros chegavam babando e grunhindo, arrastando os pés e com os braços esticados na direção de Zeca. Eles andavam devagar, ainda levariam uns cinco minutos para o alcançarem, mas não tinha saída. O encurralaram quando ele virou ali durante a fuga sem perceber o beco sem saída.

Nos últimos três meses, depois do Apocalipse Monstro, termo que ele mesmo cunhou, Zeca fugiu de muitas criaturas. Seus pais haviam morrido no dia ApoMon, como ele gostava de chamar o evento que tirou criaturas das trevas e dos pesadelos, e as lançou contra a humanidade. Desde então ele vivia sozinho em casa, só saindo para buscar comida no mercado do bairro quando acabava. Em sua “galeria de monstros” que enfrentou, Zeca matou dois vampiros, escapou de duas fúrias, adivinhou a charada de uma esfinge e convenceu um lobisomem de que a carne dele era muito fibrosa e daria ao monstro uma baita dor de cabeça se o devorasse.

Nada mal para um nerd negro de treze anos.

Com a esmagadora maioria da população morta ou convertida em monstros, Zeca não confiava em ninguém. Os serviços básicos ainda se mantinham em alguns lugares, e milagrosamente, seu bairro era um dos locais privilegiados. As vezes ouvia no rádio sobre uma resistência, um grupo de pessoas metidas a heróis que enfrentavam os monstros. Bobeira, ele pensava. O imperador dos monstros deixou claro que esmagaria toda resistência, e não descansaria até a Terra se converter no Mundo dos Monstros.

Enquanto olhava para os zumbis, ele enfiou a mão no bolso da jaqueta. Tirou de lá uma bola de plástico coberta com fios. Um botão vermelho estava preso a ela. Se ele tivesse água, poderia se salvar. Sua mãe sempre falava que Zeca perdia a noção quando o assunto era comer sucrilhos. Se não tivesse saído de casa porque seu estoque do cereal tinha acabado, nada daquilo teria acontecido.

Os zumbis estavam a uns quinze metros dele. Os olhos do garoto ficaram úmidos. Sua garganta se fechou quando as lágrimas rolaram pelo rosto. Achou que estava alucinando devido ao estresse, pois achou que alguém tinha gritado.

– Garoto, olha para cima!

Ele se virou para o muro e viu um menino acenar para. Ele acenou em resposta, desesperado.

– Me ajuda!

– Porque acha que estou aqui? – o garoto respondeu.

Para o alívio de Zeca, o menino lhe jogou uma corda. Para desespero de Zeca, ele não sabia como subiria naquilo.

– Anda – gritou o garoto. – Eles estão te alcançando.

Zeca olhou para trás e seu coração pareceu parar de bater. O primeiro dos zumbis estava a uns cinco metros dele.

O garoto olhou os olhos esbranquiçados, a carne do rosto em decomposição e o uniforme de policial esfarrapado do zumbi. Ele sabia que sua camiseta vermelha do Homem de Ferro e sua bermuda jeans não estavam em melhores condições, não depois de ter caído e se arrastado na areia da quadra de futebol society.

Aquela visão foi todo o incentivo que ele precisava. Zeca pulou e agarrou a corda, começando uma subida desesperada. Conseguiu usar a caçamba como apoio (lhe ocorreu depois que aquilo foi algo que ele devia ter feito primeiro, em vez de se ralar no muro ao começar a subida) e venceu os três metros que o levaram à salvação.

Quando se sentou no muro, pegou sua bombinha e inalou três vezes antes de sua respiração se normalizar. Ele olhou para o garoto. Usava um boné com o logo do Batman. Uma camiseta preta do Batman e uma calça jeans preta, como os tênis Nike onde tinha um adesivo do Batman. E prendendo as calças…

– Você está usando um cinto de utilidades?

– Denada por te salvar – ele disse com um sorriso divertido.

Um sorriso feminino. Assim como as tranças de seus cabelos negros e o contorno de seus lábios. Os olhos escuros e vivos, que olhavam para todos os lados, em busca de informações ou preparada para um ataque.

Parecia que algo martelava o coração de Zeca. Ele teve certeza de duas coisas: a primeira era que a garota era uma semideusa. Era muito linda para ser uma humana normal. Só tinha certeza que não era uma deusa porque os deuses morreram no dia do ApoMon.

A segunda certeza era que ele estava apaixonado. Não era como das outras vinte e sete vezes que ele se apaixonou no ano anterior. Agora ele tinha certeza que era amor.

– Ah, hum… hã…

Ela riu enquanto mascava chiclete. Ele achava chicletes anti-higiênicos, mas quase foi morto por causa de sucrilhos, então não podia criticá-la. Uma parte dele o lembrou que sucrilhos “desperta o tigre em você”, então ele poderia falar algo. A outra, mais inteligente, lhe disse que cala-se a boca e tentasse conversar como gente.

– Você tem certeza de que não foi mordido por um deles? – ela perguntou, apontando para os zumbis.

– Hum… não. Eu só… Obrigado por me salvar.

– Disponha – ela falou piscando, o que fez o coração de Zeca começar a fazer abdominais. – Sou Mônica.

Demorou alguns instantes para ele entender que ela se apresentou. Instantes que Zeca passou imaginando o nome dela seguido de seu sobrenome, “de Souza”.

– Prazer. Sou Zeca.

– Legal te conhecer Zeca. Me diga, porque você estava aqui fora? Sabe que o bairro todo foi invadido por zumbis, não é?

Zeca sentiu seu rosto arder. Agradeceu por ser negro e não ficar vermelho como um pimentão.

– Eu precisava de mantimentos.

A expressão dela se suavizou.

– Estava passando fome? Tenho algumas coisas no meu abrigo. Não me importo de dividir com você.

Zeca olhou para a entrada do beco. Não conseguiria voltar para sua casa. Não enquanto os zumbis estivessem atrás dele. E olhando para as roupas de Mônica, ela não deveria estar em situação melhor que a dele.

Lembrou do estoque de sua casa.

– Ainda tenho uma semana de mantimentos. Eu só… só queria comer algo gostoso – falou, se sentindo sem graça.

Ela lhe deu um tapa no braço que quase o mandou para o abraço dos zumbis. Ele olhou para ela assustado. A menina ria.

– Garoto, vai ficar bolado por causa disso? Relaxa! Eu tô aqui por causa disso também – e se aproximando dele, como se fosse um segredo de vida ou morte, acrescentou. – Eu ia no supermercado pegar sucrilhos.

Ele arregalou os olhos e começou a rir.

– Foi por causa do sucrilhos que sai de casa!

Eles riram muito, com um fundo musical de dezenas de zumbis soltando sons grotescos. Monica o olhou nos olhos e pareceu que uma marreta atacou o peito de Zeca por dentro.

– Então, eu não tenho sucrilhos, mas consigo fazer uma vitamina de banana com neston pra gente. Minha casa fica logo ali. Da pra ir por cima dos muros. Tá a fim?

Zeca não precisou de outro incentivo. Tomar vitamina de banana e neston com uma gata daquela?

– Mês mostre o caminho – ele disse, sorrindo de orelha a orelha.

Os olhos de Monica brilharam. Ela o ajudou a se equilibrar sobre o muro.

– É só me seguir. A gente chega rapidinho – a garota disse antes de começar a andar com os braços abertos para se equilibrar sobre o muro.

Zeca a imitou e se colocou à segui-la. Afinal, o que poderia dar errado?

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Rod Zandonadi
Luis Storyteller

Escritor e entusiasta de literatura de fantasia. Desenvolvedor Web nas horas em que não estou criando mundos fantásticos.