O que seriam das séries familiares sem as mães no enredo?

Luiz Filipe Paz
Luiz Filipe Paz
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6 min readJan 18, 2018

(Texto escrito em 25/09/2017)

Na última terça, dia 19, estreou na telinha “Filhos da Pátria”, a nova série de humor da Globo.

Uma criação de Bruno Mazzeo e Alexandre Machado, e dirigida por Maurício Farias, a trama de comédia gira em torno da família Bulhosa, que se vê à beira de uma mudança de hábitos e de costumes culturais, sociais e políticos quando o Brasil deixa sua posição como colônia de Portugal para se tornar um país independente.

Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero), o patriarca da família, é o típico funcionário assalariado que tanto aprendemos a acompanhar em séries, como “A Grande Família”, por exemplo. Generoso e correto como Lineu Silva (Marco Nanini), Geraldo trabalha no Paço Imperial como o colaborador que faz a intermediação de relações entre Brasil e Portugal. Obviamente, com o país se tornando independente, ele passará a temer um possível desemprego, além de uma sucessiva perda de status e poder econômico — o que o levará a encarar diversas situações que até então não faziam parte de seu caráter.

Catarina (Lara Tremouroux) é a filha caçula do casal. Tímida, independente e à frente de seu tempo, se irrita por ter de se submeter a regras da época no que tangia aos costumes e práticas impostos às mulheres de sua sociedade — como a série se passa em 1822, estamos aqui nos referindo ao século XIX. Do outro lado da situação está Geraldinho (Johnny Massaro), filho mais velho dos Bulhosa. Intempestivo, imediatista e impulsivo, ele, ao contrário de sua irmã, tem liberdade para se portar da maneira como quiser. É rebelde e inconsequente em relação à situação política do país, não estando preocupado quanto à manutenção do bem-estar de sua família.

Mas agora, vamos fazer uma pausa dramática para a verdadeira rainha da série…………

Sim, ela: Maria Teresa (Fernanda Torres) ❤

Dona de casa, fútil, alpinista social e totalmente materialista. Essa é Maria Tereza, interpretada, brilhantemente, por Fernanda. Ao perceber que o marido está prestes a perder seu emprego na côrte, ela não medirá esforços para continuar mantendo seu status social perante a vizinhança. Apaixonada por Geraldo, sonha com o momento em que irá vê-lo se impor em frente aos mandos e desmandos aos quais estão submetidos. Além disso, é invejosa de carteirinha quando o assunto é a vida de sua irmã, que conseguiu se casar com um nobre que lhe concedesse joias, carruagens, casas e vestidos lindos — diferentemente de sua vida e seu poder aquisitivo, que só lhe permite ter, por exemplo, dois escravos e poucos móveis residenciais.

Mas você deve estar se perguntando, então: “como é possível amar e torcer para uma personagem dessas?”…

Bem, pelo simples fato de Maria Tereza ser maravilhosamente autêntica! O roteiro bem planejado de Mazzeo e Alexandre Machado (esse último responsável por dar vida à Vani, de “Os Normais”), aliado à interpretação ágil e espirituosa de Fernanda faz com que a matriarca dos Bulhosa seja, de longe, a figura mais interessante e engraçada da narrativa.

Mas, somado-se a isso, é importante ressaltar a importância que as mães possuem nesses enredos de temática familiar. Se pararmos para pensar, muitas das vezes são elas que conduzem as narrativas até mesmo de outros personagens. Por exemplo, em “The Middle”, série de comédia de 2009, Frankie Heck (Patricia Heaton) — a mãezona dessa trama que retrata os problemas de uma típica família de classe média americana -, é a responsável por centralizar as ações do roteiro (ocupando, também, o posto de narradora da série). Seu papel vai muito além do que é imaginado para uma ‘mãe’, na medida em que ela, além de tudo, atua como mediadora de personagens e de conflitos paralelos aos seus, estando, de certa maneira, onisciente a tudo o que acontece ao longo dos episódios.

Por mais que as mães não atuem em uma posição de centralidade tão latente como relatado acima, elas ocupam funções importantíssimas em relação às histórias familiares, no sentido de fazerem com que elas se desenvolvam e obtenham apelo junto ao público que as acompanham. Esse é o caso, por exemplo, das engraçadíssimas Rochelle (Tichina Arnold), de “Todo Mundo Odeia o Chris” e Jessica (Constance Wu), de “Fresh Off the Boat”. As duas se parecem muito em personalidade, na medida em que são exageradas em seus comportamentos, mas super preocupadas com seus filhos. Elas fogem do esteriótipo maternal, mas não escapam de suas funções protetoras em torno daqueles que amam (o que garante empatia junto aos fãs). Elas continuam sendo fofas e queridas, mas ganham pitadas de informalidade justamente para conseguirem transitar em meio às situações dos núcleos da narrativa (que, em muitas das vezes, requerem delas um posicionamento mais jovem, mais irônico ou mais desregrado, por exemplo).

Jessica, de “Fresh Off the Boat” ❤

E esse é um aspecto importantíssimo dessas figuras em séries. Nos identificamos com elas, acima de tudo, pelo cuidado e zelo que possuem com os filhos, ativando nossa memória afetiva. Podem ser tão malucas quanto a Margie, de “Os Simpsons”, ou tão metódicas quanto a encantadora Dona Nenê (Marieta Severo), de “A Grande Família”…

Talvez a popularidade dessas personagens femininas venha muito por conta da capacidade que elas carregam de mover várias histórias ao mesmo tempo, e de estarem em arcos episódicos plurais de maneira intrínseca e natural. Mas como isso se daria, em exemplos mais visuais?

Vamos, novamente, pegar o caso da Frankie, de “The Middle”… Ao mesmo tempo em que ela tem seus próprios dramas e problemas na narrativa, ela se envolve com os de seus filhos (na escola, nos esportes que praticam ou quando sofrem bullying, por exemplo) e nos de seu marido também (problemas no trabalho, dificuldade de relacionamento com amigos, entre outros). Nenhum outro personagem da série consegue se sair tão bem carregando todos esses plots nas costas, e a matriarca dos Hech consegue equilibrá-los e ainda divertir a quem assiste, brilhantemente!

E ahhhh, claaaro! Não poderia deixar de citar “Jane, The Virgin”, que é uma história focada em personagens femininas e que mostra que o poder dessa narrativa maternal também engloba, ninguém mais, ninguém menos, do que as avós! Para além de Xiomara (Andrea Navedo), mãe da simpática Jane (Gina Rodriguez), temos em cena a adorável (mas severa) Alba Villanueva (Ivonne Coll), a vó por parte de mãe da protagonista. Alba é uma mulher forte, que consegue equilibrar durante todos os episódios da série seus pensamentos — por mais conservadores que possam ser — com os de outros personagens mais jovens que ela (e que também são centrais ao enredo), além de conseguir resolver situações não totalmente circunscritas a ela, mas em prol da felicidade de sua neta ou de sua filha, por exemplo.

Um hino desses, bicho ❤

Maria Tereza, em “Filhos da Pátria” cativa exatamente por isso. Apesar de possuir um comportamento moralmente reprovável, faz com que os telespectadores se envolvam com seus dramas, na medida em que ela é o centro da família e acaba por tomar as rédeas das vidas e ações dos personagens que estão sob seu guarda-chuva biológico e geracional (além, é claro, da empatia em que sentimos de maneira mais propícia com a figura das mães nessas séries, uma vez que nossa memória afetiva é ativada quando estamos diante de personagens deste tipo).

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