Conhecer o paraíso antes, chegar ao outro lado depois

Luiz Filipe Paz
Luiz Filipe Paz
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7 min readJan 18, 2018

“O Outro Lado do Paraíso” estreou há um mês, rodeada de expectativas. Depois do sucesso que foi “A Força do Querer” (trama que conseguiu reerguer os índices de audiência do horário nobre global), eis que a emissora escalou ninguém mais, ninguém menos do que o coringa das novelas do canal, Walcyr Carrasco, para dar continuidade à ótima fase de recepção de suas tramas junto aos seus espectadores.

Walcyr é reconhecido por escrever histórias que se tornam sucesso de audiência em todos os horários destinados ao gênero teledramatúrgico, pela Globo. Registrou altos índices com suas novelas das 6 (“Chocolate com Pimenta”, “Alma Gêmea”, “Eta Mundo Bom!”, entre outras), das 7 (“Caras & Bocas” e “Morde & Assopra”, por exemplo), fez sucesso em sua primeira incursão no horário das 21h, com “Amor à Vida (a novela do saudoso vilão Félix (Matheus Solano), para quem não se lembra) e faturou o Emmy de “Melhor Novela” com a primorosa “Verdades Secretas”, novela da faixa das 23h da vênus platinada, em 2015.

Quando foi veiculado que “O Outro Lado do Paraíso” traria Marieta Severo como a grande vilã e Bianca Bin como uma mocinha sofredora que retorna depois de 10 anos em busca de vingança, não demorou muito para que o meu interesse na trama fosse devidamente criado. Sem contar que sou fã do autor e descobri que a direção do folhetim caberia ao talentosíssimo Mauro Mendonça Filho (que já havia feito uma dobradinha super bacana com Carrasco, em “Verdades Secretas”).

Mas gente, e depois que eu soube que as chamadas de elenco (bem mexicanas, por sinal) estavam sendo narradas pela Fernanda Montenegro? Quase tive uma arritmia cardíaca!

No primeiro capítulo, lá estava eu: ajeitado confortavelmente no meu sofá, meu baldinho de pastéis na mão e muita expectativa em jogo! Começou a primeira cena e eu achando tudo um primor! Tudo estava em seu devido lugar: elenco afiadíssimo, roteiro um pouco didático (como já é marca de Walcyr), mas redondinho, trama amarrada, trilha sonora e fotografia impecáveis! No entanto, terminei de assistir me sentindo pesado, incomodado com alguma coisa que ainda não sabia bem o que era. Mas, como diz aquele velho ditado, seguimos o baile durante a semana.

Da esquerda para a direita: Renato (Rafael Cardoso), Clara (Bianca Bin) e Gael (Sergio Guizé)

No entanto, ao longo dos dias, percebi o que, de fato, estava me causando o mal-estar que mencionei aí em cima: o excesso de cenas tensas e violentas por entre os núcleos. Clara se casou com o inconsequente Gael e, entre espancamentos, estupro e abusos morais, ainda foi trancafiada em um manicômio inacessível pela sogra megera, Sophia (Marieta Severo). Tudo isso por causa de suas terras, onde sempre viveu com o avô, Josafá (Lima Duarte), estarem repletas de esmeraldas em seu subsolo. Ahhhh, isso sem contar os outros núcleos da história, repletos de racismo, preconceitos de gênero e assuntos afins…

Sophia maltrata e esconde sua filha, Estela (Juliana Caldas), por causa do nanismo
Raquel (Erika Januza) na casa de Nádia (Eliane Giardini). Preconceito racial é debatido na história

Falta alívio à trama densa criada por Walcyr Carrasco. Falta um ‘bom dia!’, um ‘tudo vai dar certo’, um alento aos nossos corações. Em tempos carregados de energias negativas como esse, que estamos passando, tudo o que o telespectador precisa é de um abraço! E, no entanto, o que “O Outro Lado do Paraíso” apresentou, em seu primeiro mês na telinha, foi justamente o oposto. O autor deixou toda a esperança nas mãos da personagem de Fernanda Montenegro, Mercedes, uma senhora que possui os dons da clarividência e ajuda o próximo como pode.

Porém, a personagem (que é capaz de se comunicar com os espíritos) acabou ganhando um tom mais lúdico e, por vezes, desprendido da trama. Seu misticismo não deu conta de canalizar toda a vilania presente nos capítulos, uma vez que Mercedes funciona como quase um narrador onisciente (aquele que sabe tudo) da novela, estando distante de muitos dos plots, de maneira direta. Uma pena.

Santuário de Mercedes, na trama das 21h

Com isso, o folhetim acabou padecendo de um dos elementos que dá nome às suas ações: “paraíso”! Como já disse em outros posts, estamos diante, aqui, de uma novela, e não de uma série. Esse produto entra em nossas casas em quase todos os dias da semana, e é muito complicado quando nosso quase ‘vizinho’, por assim dizer, é tão carregado. Séries podem contar com uma alta carga dramática porque só entramos em contato com elas, na maioria dos casos, uma vez por semana (além, também, de terem bem menos episódios do que a quantidade de capítulos que uma telenovela brasileira ostenta). Como estamos falando aqui de histórias que ficarão no ar durante 6, 7 meses, é importante que tenhamos núcleos cômicos (para extravasar a tensão dos pontos de conflito) e heróis que sejam capazes de, ao menos, enfrentarem uma parcela de seus medos!

Além disso, é muito necessário que os autores observem o panorama cultural, político, social e econômico do país antes de proporem o caminho que seus personagens irão trilhar dentro da narrativa. Isso faz com que o público seja empático ou não com o que está sendo representado. Por último, é muito importante estar atento, também, à concorrência! A Record acabou de estrear sua nova novela bíblica, “Apocalipse”, escrita pela bem sucedida autora Vivian de Oliveira (responsável pelo fenômeno que foi “Os Dez Mandamentos”, tanto em audiência, quanto em repercussão). É sabido que a audiência fica dividida quanto há esses confrontos, e “O Outro Lado” precisava estar melhor munido de estratégias para evitar, ao máximo, a migração de público. Carecia de já ter, por exemplo, mudado de fase!

“Apocalipse” aposta em trama sobre o fim do mundo para cativar a audiência

Uma grande parcela dos telespectadores não sabia que a trama global iria ter uma nova fase, com uma passagem de 10 anos no enredo. Somente quem acompanhava a mídia especializada (“Revista Ti Ti Ti”, para os íntimos) que tinha conhecimento do que estava por vir… Bola fora da emissora, já que poderia ter gerado expectativa no público e, uma vez que tivesse feito a passagem de tempo antes da estreia de sua concorrente bíblica, poderia apresentar uma nova faceta do folhetim, um sentimento de “agora o mal vai começar a ter o que merece”, algo que quem acompanha novelas é fissurado em testemunhar — vide “Avenida Brasil”, com a volta por cima de Nina (Débora Falabella) ou, até mesmo, “Chocolate com Pimenta”, com a implacável vingança de Ana Francisca (Mariana Ximenes). É disso que o povo gosta, e é por voltas por cima que todos sempre sonham! Telenovelas, no fundo, mexem com o nosso ‘eu interior’. A vingança da mocinha Clara não será só dela. A luta para reaver sua vida será de todos nós, e essa é a força motriz de qualquer história: unir seu público a uma causa em que ele queira saber o desfecho, e onde ele queira, também, acreditar junto!

Clara retornará poderosíssima e destinada a tomar tudo o que lhe tiraram

Torcendo para que a trama encontre seus trilhos e traga um pouco mais de esperança para quem a assiste! Walcyr é conhecido por ouvir o público e seus anseios e críticas, fazendo-se valer do maior trunfo que uma novela pode ter: ser uma obra aberta! Foi assim com “A Padroeira”, “Sete Pecados” e “Morde & Assopra”, que viram suas respectivas audiências crescerem durante o tempo em que estiveram no ar. Resta ver se sua nova aposta das 21h terá a mesma sorte, mas os bons ventos da mudança indicam que sim!

Por essa chamada da segunda fase, já dá para termos um mínimo de alento em saber que Clara is back, bitches!

Espero, sinceramente, que todo o sofrimento construído até aqui tenha sido para gerar uma maior empatia com a vingança de Clara. Agora, é hora de eu voltar a fritar meus pastéis e acompanhar a segunda parte dessa saga, que parece que ganhará contornos que flertam com a esperança, finalmente ❤ Já dizia uma certa abertura que “tudo o que você faz, um dia volta pra você”. Quero só ver, Walcyr Carrasco!

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