Falta carisma, surpresa e leveza aos ponteiros de “Tempo de Amar”

Luiz Filipe Paz
Luiz Filipe Paz
Published in
6 min readJan 18, 2018

(Texto escrito em 11/10/2017)

“É tempo de amor, é tempo de amar”. Foi assim que a nova trama das 6, da Globo, foi apresentada ao público durante vários teasers ao longo da programação da emissora, no último mês.

Bem, devo confessar que essa é uma novela que, desde o seu início, vem dividindo opiniões dentro de mim… Quando li a sinopse e vi que a trama contaria a história (em seu núcleo principal) de duas almas apaixonadas que têm que, juntos, enfrentarem um vilão para enfim conseguirem viver em paz confesso que fiquei bastante decepcionado e desanimado em acompanhá-la — ainda mais depois do espetáculo que foi “Novo Mundo”, uma das novelas mais ousadas e gostosas que já acompanhei. (Você pode ler meu post sobre “Novo Mundo” clicando aqui!)

Os mocinhos da nova trama das 6

Quando as chamadas da novela começaram a ir ao ar, vi que a fotografia estava belíssima (mérito do sempre incrível Jayme Monjardim ❤) e, além disso, descobri que a história se passava na década de 1920 — época essa que eu acho fascinante quando é retratada na TV e que me fez ficar apaixonado por “Chocolate com Pimenta” e “Desejo Proibido”, ambas também do horário das 6.

Pronto, já estava me animando novamente e decidido por assistir ao primeiro capítulo!

Até queeee… Pois é, vi que a novela possui grandes chances de apostar no clássico dramalhão para segurar a audiência. E olha, juro que não tenho problemas com isso, acho até que o famoso ‘arroz com feijão’ bem feito e temperado do jeitinho certo pode ser a melhor carta na manga para muitos autores (e sempre falo isso por aqui). Porém todavia entretanto, os artifícios do folhetim clássico foram tão utilizados na composição desse início da trama que os arcos tornaram-se totalmente previsíveis, e isso é complicado para os telespectadores que já estão mais cansados e acostumados aos famigerados clichês teledramatúrgicos.

Polaridade entre o bem e o mal já cansou, amigos

Gente, só pra vocês terem uma ideia… O mocinho, Inácio (Bruno Cabrerizo), e a mocinha, Maria Vitória (Vitória Strada), passam os capítulos iniciais se encontrando escondidos durante meses — claro, já que ela é rica e ele é pobre, mundos diferentes e aquela coisa toda; além, claro, da mocinha estar comprometida ao vilãozinho da trama, Fernão (Jayme Matarazzo). Logo depois de uma pequena passagem de tempo, na primeira noite de amor dos dois, Vitória já fica grávida.

Mas é claaaaaaro que Inácio viajará para o Rio de Janeiro — a trama se passa em Portugal — para tentar uma vida melhor e nossa mocinha terá que enfrentar, sozinha, a fúria de seu pai, José Augusto (Tony Ramos), quando descobrir que sua filha está grávida e solteira.

E qual a ação do pai quando descobre que a filha está grávida? Isso mesmo, faz com que ela vá parar em um convento…

Tá bom ou quer mais? E esses clichês todos de uma vez só, na primeira semana do folhetim! Fomos atropelados por muitas emoções. Pena que elas já eram esperadas e previsíveis :(

Para além disso, e como já foi dito acima, a novela se passa em Portugal e, todos os personagens do núcleo da terrinha, não possuem sotaque!! Gente, tudo bem, entendo que tenha sido uma licença poética (como bem fazia a Glória Perez com seus personagens estrangeiros ‘Inshalá — Arê Baba’), mas o público pode ficar deslocado e acabar não se afeiçoando aos dramas e costumes das figuras que estão sendo apresentadas na tela. Pode não parecer crível, por exemplo, certos diálogos que façam referência a tradições culturais portuguesas quando não temos reforçado na trama o local que ela se passa. Parece, muitas das vezes, que estamos assistindo a uma novela que se desenrola no Sul do país.

Poxa, e essa sacanagem logo com o sotaque mais tranquilo de fazer e que flerta com o nosso idioma, que é o português de Portugal… Até o Caio Castro conseguiu, minha gente boa!

Só observando essa zoeira

Também temos como um fator que não faz com que a novela seja tão simpática aos olhos do público o fato dela ser pesada demais para o horário das 18h (acostumado a abrigar os chamados ‘romances água com açúcar’, levinhos e prazerosos de se assistir). Pelo menos, eu achei alguns de seus arcos bem carregados e angustiantes. Temos, por exemplo, a personagem da Andreia Horta, Lucinda, que possui metade do rosto queimado — e isso por tentar fazer macumba de amarração para trazer de volta seu antigo namorado, Maurício.

Conselho breve da Sensitiva Márcia para ela:

E o que dizer do núcleo do Conselheiro Francisco (Werner Schünemann), que possui um relacionamento conturbado e, ao mesmo tempo, delicado com a cantora de — PASMEM — fado, Celeste Hermínia (Marisa Orth)?! Será que Celeste não poderia cantar um ritmo mais feliz, como jazz, charleston ou sei lá o que? Tinha que ser fado?

Na casa do Conselheiro, sua esposa, Odete (Karine Teles), surtou depois que o filho do casal nasceu natimorto, e está trancafiada em seu quarto há exatos 18 anos, gritando pelo nome dele e tendo surtos recorrentes…

Ahh, isso sem falar das angustiadas e rancorosas Delfina (Letícia Sabatella) e Irmã Imaculada (Bete Mendes), que acabam deixando o enredo ainda mais cinzento e nebuloso.

Vc quer tristeza, @?

Uma das características que falta à trama, como já deu para perceber, é a presença de um núcleo cômico, né? As novelas costumam ganhar leveza com esses personagens, que atuam como uma válvula de escape aos dramas vividos pelos núcleos centrais. Funciona e envolve muito mais o telespectador (afinal de contas, uma boa novela possui como objetivo principal entreter a quem a assiste, ainda mais quando é exibida em capítulos diários, incluindo os fins de semana).

Falando nisso, saudades Dona Germana, Licurgo e Elvira Matamouros ❤

Para finalizar meus argumentos, deixo aqui a abertura da novela! Ela é linda (esteticamente falando), mas vem repleta de uma carga densa e profunda, que é intensificada a cada estrofe do fado português que a embala…

Falta a “Tempo de Amar” somente ajustar seus ponteiros. Os elementos estão ali, mas faltam leveza e identificação com eles. Falta querermos torcer para os personagens e vermos eles se permitindo um pouco mais, se divertindo e escapando do que já foi prometido a nós por todos os clichês empregados. Falta surpresa e empatia. Falta o amor prometido a nós em sua divulgação ❤

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