Tutorial: produzindo uma trama conceitual, com “Onde Nascem os Fortes”

Luiz Filipe Paz
Luiz Filipe Paz
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5 min readMay 11, 2018

A julgar pelas chamadas da supersérie, já dava para notar o que estava por vir em “Onde Nascem os Fortes”: personagens construídos em cima de uma linguagem dramática, enlaces amorosos densos, paisagens áridas e, claro, uma farta dose de elementos típicos de tramas que prezam pela conceitualidade artística.

Assim como acontece em narrativas mais populares, as que inovam e que decidem flertar com o universo conceitual também possuem seus clichês que, ano após ano, se consolidam e formam toda uma gramática própria.

Agora, me responde com sinceridade…

Você é daquelas pessoas que sempre sonhou em ter uma trama conceitual pra chamar só de sua?

Sim?

Então pegue o bloquinho e a caneta que vou te passar a fórmula do sucesso, logo aqui embaixo!

  1. Sua estória precisa se passar nas regiões Norte ou Nordeste do Brasil

Não sei se já reparou, mas várias das últimas novelas/minisséries mais conceituais se passaram nestas duas regiões nacionais. Parecem o cenário perfeito para se desenrolarem tramas mais pesadas, como foram as de “Amores Roubados” e “O Canto da Sereia”, ou, ainda, para expressarem todo o imaginário lúdico que a cultura local propicia, como foi visto em “Velho Chico”, “Meu Pedacinho de Chão” ou “Cordel Encantado”, por exemplo.

A cidade fictícia onde se desenrolam as peripécias das personagens de “Onde Nascem os Fortes”, inclusive, foi batizada de Sertão. Em uma explicação de George Moura, criador da supersérie junto de Sérgio Goldenberg, o local ganhou este nome por ‘ser tão’ (e olha o jogo de palavras aqui) plural, por permitir possibilidades que somente uma localidade dessas poderia propiciar ao enredo.

2. Deixe que o silêncio seja uma das personagens

Somente pelos teasers da trama, os telespectadores mais atentos já haviam percebido que o silêncio teria vez e voz (ops, acho que essa última não) durante a narrativa.

Este é um ponto importante em qualquer estória que preze pela conceitualidade, uma vez que a escolha por abrir mão dos diálogos é dotada de uma poesia grande. Ao permitir que o silêncio se faça presente, para além de uma generosidade artística, estamos conseguindo ouvir todas aquelas emoções e sentimentos que não couberam em palavras, mas que agora transbordam sem precisarem que sejam ouvidos. Como já bem disse “O Pequeno Príncipe”, o essencial é invisível aos olhos.

3. Opte por uma abertura que mescle canções cult com imagens bonitas (e que estariam no feed do seu Instagram)

A abertura é uma parte importantíssima do seu desenvolvimento artístico dentro da escola Conceitual, até porque este é o elemento que vai embalar, todos os dias, toda a profundeza de sua obra.

Analisando e estudando as vinhetas de produtos como estes, nos últimos anos, podemos perceber que há um padrão quando se trata de impactar seu público com toda a ousadia e retidão que sua estória quer gerar, emocionando sua audiência logo de cara.

O segredo para propiciar este momento tão mágico? Alie canções soturnas ou de astros cult da MPB atual com imagens isoladas, mas que, no fundo, fazem todo o sentido quando são costuradas juntas.

Aconteceu em “O Rebu”, por exemplo — novela dos mesmos autores responsáveis pela saga de Maria (Alice Wegmann) à procura de seu irmão desaparecido, Nonato (Marco Pigossi).

“Onde Nascem os Fortes” foi longe demais na proposta, colocando para cantar sua vinheta ninguém mais, ninguém menos do que ele, Zeca Veloso (sim, filho de Caetano, o mais conceitual dos cantores).

Se não clicou aí em cima, a música de abertura da trama é esse aí debaixo, ó:

“O sol, manhã de flor e sal / E areia no batom”…………

Versos simples, mas que evocam tantos sentimentos, não é mesmo? É deles que sua narrativa precisa!

4. Tenha no elenco atores que fazem ‘filmes cabeça’ ou que tenham se afastado das novelas há um tempo

Irandhir Santos participou de apenas 2 novelas (“Meu Pedacinho de Chão” e “Velho Chico”), todas bem conceituais.

Uma listinha para te ajudar:

  • Jesuíta Barbosa;
  • Irandhir Santos;
  • João Miguel;
  • Gabriel Leone;
  • Enrique Diaz;
  • Maeve Jinkings;
  • Camila Márdila;
  • Mariana Lima;
  • Carla Salle;
  • Ricardo Blat;
  • Cyria Coentro e por aí vai.

Nem vou falar da Débora Bloch e da Patrícia Pillar, né gente.

5. Por último, mas não menos importante: saiba imaginar e redigir essas cenas conceituais, pô!

“Poxa, Filipe, mas como posso fazer isso? Existem alguns modelos que possam me inspirar?”

Claro que existem!

  • 0:32 = posições diferenciadas de câmera são sempre uma ótima pedida;
  • 1:23 = coloque suas personagens pra gritarem. É legal, pois mostra intensidade!;
  • 1:38 = por favor, volte ao item 4 dessa listinha e realmente escale o Jesuíta Barbosa, que ele é bem conceitual;
  • 2:18 = quanto mais realistas forem as cenas, melhor. Então nada de simulador de carro dentro de estúdios de chromakey, coloque os atores para dirigir;
  • 2:39 = autor, imagine cenas emocionantes e que envolvam choro. Diretor, colabore na direção dessas cenas, adicionando abraços fortes e cabelos despenteados;
  • 4:59 = bastante gritaria, tornando o contexto o mais visceral possível. Lembre-se, não existe conceitualide sem entrega cênica.
  • 5:46 = nada de PROJAC. Procure locações verdadeiras! A mídia ama quando isso acontece!
  • 6:04 = olha o poder e o impacto de uma trilha sonora conceitual, minha gente boa!
  • 6:38 = invista em cenas que imprimam ritmo psicológico à ação! Isso é tão conceito que tenho certeza de que nunca viu acontecer em novelas, por exemplo ;)

Prontinho!

Sua trama conceitual foi elaborada com sucesso e está pronta para ir ao ar! Gostou das dicas?

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