Que “Deus Salve o Rei” e continue abençoando as tramas que inovam

Luiz Filipe Paz
Luiz Filipe Paz
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5 min readJan 26, 2018

Quando foi anunciado que a Globo faria uma novela com temática medieval novamente (a última tinha sido “Que Rei Sou Eu?”, ainda na década de 80), não pude deixar de ficar feliz e ansioso…

Já disse em textos anteriores e aproveito para reforçar neste: sou apaixonado por folhetins que ousam e que investem em inovação de contextos para narrarem suas tramas ao público. Na minha listinha de novelas nessa linha ‘diferentona’ estão “Cordel Encantado”, “Saramandaia”, “Vamp”, “Os Mutantes”, “Meu Pedacinho de Chão”, entre tantas outras.

O tom de fábula infantil estava presente em “Meu Pedacinho de Chão”

Em “Deus Salve o Rei”, acompanhamos a história de amor entre Afonso (Rômulo Estrela), príncipe herdeiro do trono de Montemor, e Amália (Marina Ruy Barbosa), moça humilde e que ganha a vida vendendo caldos e sopas, na feira de Artena — outro reino fictício da história. Quem também é moradora de lá é Catarina (Bruna Marquezine), princesa herdeira do trono de Artena e que não mede esforços para conseguir conquistar tudo o que sua cobiça alcança. Ao longo da narrativa e por motivos de interesses pessoais, Catarina se aproximará de Afonso para conseguir concretizar seus gananciosos planos.

O triângulo amoroso principal da história

Como pode-se perceber, esta é uma novela de história simples e extremamente clássica de folhetinhs, bebendo, sim, da fonte do melodrama — componente basilar de obras deste gênero. No entanto, a roupagem é nova e cativante, contando com castelos, cavalos, escudos e espadas estampados na tela. E era exatamente neste ponto que gostaria de chegar, justamente por achar que é a inovação da forma de se contar a narrativa que irá movimentar os próximos produtos teledramatúrgicos dos canais nacionais.

“Deus Salve o Rei” é corajosa, uma vez que dá voz a um contexto que não é comum de ser representado na TV brasileira — embora recentemente tenha ido ao ar, pela Record, “Belaventura”, porém sem tantos investimentos quanto sua ‘parente’ global. Por falar em investimentos, este é um outro ponto decisivo para um roteiro destemido como este sair do papel com toda a pompa que merece. A emissora dos Marinho não mediu esforços e nem conteve gastos para a obra, que possui uma cidade cenográfica gigante, efeitos visuais utilizados à exaustão, trilha sonora composta na Euroupa e a abertura sendo cantada por ninguém mais, ninguém menos do que a cantora norueguesa Aurora (que conheceu os sets de filmagem da novela, no Rio de Janeiro, e aproveitou para gravar o clipe da música que embala as aventuras de Afonso e Amália, a folclórica canção “Scarborough Fair”).

Esses pontos foram extremamente importantes para garantirem à obra os ares de respeito que ela merece. O texto, do estreante autor Daniel Adjafre, é digno de aplausos, dado o detalhismo dos diálogos e o não didatismo dos mesmos. Tudo no universo proposto funciona e parece crível ali dentro, as relações entre os personagens são orgânicas (bem como as interações deles com as terras medievais fictícias da história) e podemos testemunhar uma direção de arte acertadíssima de Fabrício Mamberti. A equipe de produção e roteiristas buscaram criar um universo próprio e que, salvo alguns raros momentos, suscitam a comparações com outros produtos similares (como a emblemática “Game of Thrones”, da HBO).

Todos sabem o quanto eu sempre defendo as tramas mais simples, os nossos já famosos ‘arroz com feijão’ bem feitos e bem temperados. Eles podem ser melhor do que muita paella de mexilhão por aí (if you know what I mean). No entanto, é sempre muito bacana quando temos exemplos de coragem como este (e os elencados pela minha listinha no início desse post), no sentido de que conhecemos novas formas de se contar uma mesma história. Porém, agora, com mais cor, mais vida, contornos mais interessantes e que instigam a curiosidade dos telespectadores.

Tatá Werneck também integra o elenco, na pele da divertida Lucrécia

Isso significa que novelas que retratem a realidade contemporânea, em cenários cotidianos, não terão mais receptividade em relação à audiência? É claro que não, só não agregam o respiro necessário a obras do gênero, o que garante à novela ‘capa e espada’, da vênus platinada, um importante trunfo no duelo com as demais.

Agora, resta apenas a acomodação e acostumação do público em relação a narrativas mais lúdicas como esta. Sabemos que reações negativas por parte da audiência são mais fáceis de serem observadas nesses casos, justamente por conta da preferência dos telespectadores a dilemas atuais e que sejam manchetes de noticiários do que os dilemas que podem ser gerados através de um casamento conturbado entre um nobre e uma plebeia.

Eu sei de tudo isso. Mas, aqui, aproveito para fazer uma pergunta: por que não experimentar o novo, acreditar em outros mundos e em outras formas de se narrar uma mesma fórmula folhetinesca do que a que já conhecemos? Garanto que os elementos em relação a tramas contemporâneas serão basicamente os mesmos (alô, Jornada do Herói!), com a pequena diferença de que o entretenimento pode ser maior ❤ (haja visto que o primeiro capítulo da telenovela foi exibido em várias salas de cinema distribuídas pelo Brasil). Quer um motivo de convencimento maior do que este?

Nós temos! A Ana Maria Braga com os trajes da novela, como se fosse uma personagem! Olha que lúdico!

Mas isso é assunto para um próximo texto…

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