O trabalho de UX writing no Labs: por onde começar?

Roc de Castro
luizalabs
Published in
7 min readMay 8, 2020

Os primeiros passos e desafios na missão de desenhar e arrumar palavras para os produtos digitais Magalu.

A porta do elevador se abre: “Bem-vindo ao novo Magalu”. Cheguei meio esbaforido no primeiro dia de trabalho. Estava quase atrasado para o rito, um encontro onde a empresa fala sobre propósito organizacional, com apresentações e alinhamentos que acontecem no início das manhãs de toda segunda-feira.

“Já vai começar. Ah, e na sequência, você vai lá na frente se apresentar. Fala o seu nome e espera o pessoal te cumprimentar em coro”. Suei frio. Não tinham me contado sobre essa parte nas entrevistas do processo seletivo para primeira vaga de UX writer do Luizalabs.

Começou a música, cocei a cabeça. Enquanto conhecia o hino da empresa, não pude deixar de pensar numa arrumação para as primeiras palavras que li. O “bem-vindo” bem que podia ser “boas-vindas”. Seria uma linguagem mais inclusiva de gênero.

Simplesmente incrível

Algumas semanas depois, já estou bem acostumado com o rito. Ele acorda, funciona como um peteleco no ouvido de quem tem um crachá escrito Especialista de usabilidade. Outra coisa que eu não sabia do novo trabalho: essas pessoas que cantam o hino a plenos pulmões nos vídeos do telão são meus colegas e usuários finais ao mesmo tempo.

Parte do job, que vai além de desenhar e arrumar palavras dos produtos e canais para clientes, refletirá diretamente na experiência dessa turma, nos aplicativos e sites que funcionam como ferramentas de trabalho para vendedores, estoquistas, o pessoal da logística e das entregas. Meus colegas, certo?

Já desenhei e arrumei palavras para um bocado de públicos diferentes. Os produtos e interfaces costumam estar cheios de jargões técnicos. A missão, muitas vezes, é humanizar o "marquetês", o "juridiquês", a linguagem de sistema codada e traduzida para um português não tão bom e direto assim. De “sua solicitação foi realizada com sucesso” para algo mais no estilo de “pronto, mandou benzaço: tá feito!” Taí uma linguagem em que me sinto mais em casa.

Sabe aquela máxima que diz “desenhe um produto que você e seu time gostariam de usar”? Eu também gostava dela. Até ler esse trecho do livro Ruined By Design, do Mike Monteiro:

“O problema dessa frase é que, quando você e o seu time viveram as mesmas experiências, vocês acabam construindo uma ferramenta que funciona muito bem para vocês. Nesse caso, vocês estão marginalizando todo o resto do mundo”.

Ruined by Design

Uma das coisas que mais ouço falar é que o Magazine Luiza prosperou, em grande parte, por essa maneira de se comunicar de maneira simples e encantadora, sem frescura e na língua do brasileiro. O tal do atendimento olhos nos olhos, que funciona tanto em lojas do interior quanto na periferia e calçadões dos grandes centros.

Em observações de campo e entrevistas com vendedores de duas das nossas lojas mais movimentadas de São Paulo, vi um pouco disso na prática. Quando leio os posts e comentários na rede corporativa, e também quando assisto aos episódios da TV Luiza — mais um canal exclusivo para funcionários — também dá para perceber contrastes entre quem tá lá na linha de frente e a gente que trabalha desenvolvendo, desenhando e produzindo os canais e produtos digitais.

Isso tudo me deixa encucado: antes desenhar e arrumar palavras por aqui e ali, acho que preciso sair um pouco da bolha de quem trampa com tecnologia. Preciso conversar mais com o pessoal que faz a empresa acontecer nas lojas físicas: um salve pra filial! Preciso ser mais fluente na linguagem dos nossos colegas que cantam o hino com desenvoltura no rito.

Para todo mundo

A inclusão, principalmente em plataformas digitais, vai muito além da questão de gênero, do calor humano, da linguagem simples e compreensível dentro do vocabulário dos usuários. É preciso ser claro para o maior número de pessoas o possível. E, bom, quando a gente fala com clareza para a maioria no Brasil…

Entre os brasileiros de 15 a 64 anos, quase 40% são analfabetos funcionais. Se pegarmos entre os funcionalmente alfabetizados, só 12% da população consegue compreender e interpretar textos mais longos. Esses e outros números levantados pelo Indicador de Alfabetismo Funcional — Inaf mostram o abismo que existe entre quem projeta, quem trabalha no varejo, e quem usa um produto digital voltado para as classes socioeconômicas menos privilegiadas.

Gosto de lembrar desses números na hora de desenhar experiências a partir de palavras como: extraviado, intacto, avaria, restituição e estorno. Penso que um dos papéis do UX writer aqui vai ser tentar traduzir termos complicados e negociar com todas as áreas para aprovar termos mais próximos da realidade linguística dos usuários finais. Dá pra substituir, “item com avaria” e “rota de entrega” por “produto quebrado” e “caminho de casa” por exemplo? Bora tentar.

Falar para todo mundo também tem muito a ver com acessibilidade. Será que o texto daquele botão “Continuar” , “Enviar”, ou então o “Clique aqui” funciona por si só e pra todo mundo, principalmente pra quem usa um leitor de tela, por exemplo?

E mais ainda: essas call to actions ajudam os usuários a tomar uma decisão, informam o que acontece a seguir e dão segurança sobre as consequências da sua ação? Li por aí e concordo que, enquanto textos inclusivos são uma bússola na hora de escrever experiências, a acessibilidade pode ser considerada o destino final.

Sempre em movimento

Outra forma de acessibilidade é pensar na estratégia de inclusão digital da empresa, representada numa linguagem que “descomplica, simplifica e explica a tecnologia”. Isso eu aprendi na primeira conversa que tive com quem está há mais tempo nessa estrada e dá voz à Lu, a influenciadora digital que existe desde 2003. “Ela evolui a cada ano, não pode ficar parada no tempo”.

O plano aqui é criar mais uma ponte entre a “equipe de Lus”, meus colegas especialistas em tom de voz, e o time de atendimento. Mais que palavras específicas, é pensar na anatomia da conversa, em boas práticas de design conversacional. Em termos técnicos, na criação e na documentação de um repertório próprio da Lu para elementos como: saudações, reconhecedores, marcadores de discurso, tratativas de erro e reparo, ajuda contextual, respostas para elogios, perguntas pessoais e, porque não, abuso.

Como a Lu tá cada vez mais humana, chora e xinga no twitter, quem vai trabalhar por trás das palavras dela tem mais um desafio: quanto mais humana… Mais passível de erros. Afinal de contas, se a Lu responde abusos nas redes sociais ficaria muito estranho ignorá-los em outros canais.

Manter a voz e ajudar a atualizar o tom da Lu do Magalu nos chatbots voltados para o atendimento dos clientes no Whatsapp, Facebook e sites é uma baita responsa. Vai ser um dos maiores desafios na hora de pensar em usabilidade nas plataformas de atendimento que dependem quase que exclusivamente de palavras, escritas ou faladas.

Nessa linha, a ideia é propor a capacitação de quem já atende no nome da Lu. Acho importante esclarecer pra essas pessoas que têm contato direto com nossos clientes uma coisa: a automatização não deveria substituir o trabalho humano. Muito pelo contrário, seria tirá-las de tarefas repetitivas e triviais, liberado tempo para atendimentos mais personalizados e situações sensíveis em que os robôs não sabem ou não devem lidar.

Workshop reunindo atendentes do Luiza Resolve e squads do Labs, em Franca-SP.

Esses profissionais de atendimento são os mais indicados para fazer o treinamento e curadoria das centenas de milhares de interações diárias. O que hoje é feito na raça poderia virar uma espécie de escola de bots, uma sinergia entre o trabalho qualitativo com uma estratégia quantitativa mais ágil, escalável e consistente.

Digital que impulsiona

Contribuir no desenvolvimento de interfaces mais intuitivas para todos os participantes da cadeia do marketplace, ajudar a tornar seus negócios mais leves, eficientes e flexíveis é outra missão que envolve muita comunicação.

O objetivo final é facilitar a vida de todos os envolvidos no processo a partir da criação de guias, manuais e referências. Meu sonho de UX writer aqui seria ver nascer um novo design system com módulos de conteúdo com a cara do Magalu e seus parceiros.

Parece óbvio, mas não custa relembrar. Além de conhecer melhor os pequenos varejistas que vendem produtos de lojas físicas pela nossa plataforma, também preciso ser mais fluente na língua desses microempreendedores: os autônomos que abrem uma lojinha virtual e divulgam produtos Magalu para ganhar uma renda extra. Para isso, acho que preciso literalmente de um banho de loja.

No fim das contas, boa parte do trabalho está em entender as dores de quem oferece o serviço, quem vende e quem compra. Em duas palavras: pesquisa e testes.

Bom, é isso

A ideia desse primeiro texto sobre UX writing no blog foi passar uma visão estratégica geral — e pessoal — sobre como entendo que a escrita voltada para o UX pode ajudar no nosso papel de defender a visão do cliente, contribuindo com os propósitos do Malagu e seus públicos tão diversos.

E chega de textão ;-)

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