Os benefícios de trabalhar com poucos itens por vez

Quais efeitos o alto WIP (Work in Process) pode causar no sistema de trabalho e como gerenciar para evitar os efeitos negativos

Vinícius Couto
luizalabs
12 min readDec 22, 2020

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O objetivo desse texto é apresentar uma visão mais apurada sobre a gestão do volume de atividades que temos em nossas equipes. Nessa linha, os parágrafos seguintes exploram os impactos que os times e, consequentemente, as organizações sofrem quando não há uma boa gestão desse volume de atividades. O conteúdo abordado aqui é pertinente para qualquer área do trabalho do conhecimento, ou seja, equipes que geram valor a partir da capacidade cognitiva e criativa das pessoas. Assim, contabilidade, administrativo, marketing, tecnologia, entre outras áreas, podem aplicar os conceitos propostos.

Principais tópicos

  • O que é WIP (Work In Process)
  • Quais são os efeitos que o WIP alto pode gerar no sistema de trabalho
  • Como trabalhar o WIP para evitar os efeitos negativos

Como entregar um item de trabalho mais rápido? Como evitar a sobrecarga do time? Como melhorar a qualidade das entregas? E até, como entregar mais? Esses são alguns exemplos de desafios bem comuns de times que estão em busca de evolução, seja essa por oportunidade ou por necessidade.

Há inúmeras estratégias, ferramentas e ações de diferentes naturezas para reagir a esses desafios. A reação pode vir através de contratações de novos profissionais para a equipe, treinamentos, implantação de novas ferramentas, grandes projetos etc. Contudo, todos esses itens têm custo e tempo altos, dependem do patrocínio de muita gente, podem dar resultado ao longo prazo ou podem gerar nenhum resultado.

Proponho algo mais simples. Vamos olhar para uma estratégia que não custa caro implementar e que depende quase exclusivamente de você e sua equipe — refiro-me à gestão do trabalho em andamento, ou mais conhecido como WIP (Work In Process). Quando quantificado, WIP é a quantidade de itens de trabalho que foram iniciados e que ainda não foram finalizados, ou seja, a quantidade de itens que estão no fluxo de trabalho. No caso de uma equipe de desenvolvimento de software, por exemplo, são as funcionalidades do software que estão sendo trabalhadas em determinado momento. No caso de uma equipe contábil, esses itens podem ser os relatórios contábeis.

Neste momento, o time tem 5 itens em andamento

Também podemos considerar que esses itens de trabalho podem ser projetos que estão sendo trabalhados por diversos times. Nessa dimensão, a gestão da quantidade de projetos em andamento num departamento ou mesmo na empresa toda, tem importância muito maior. Se feita corretamente, a empresa pode diminuir consideravelmente o seu time-to-market, entre outros benefícios abordados mais à frente.

Comparando com o varejista

Antes de explorarmos maneiras de fazer uma gestão melhor do WIP, vamos fazer uma analogia. Imagine que cada atividade no seu sistema de trabalho seja como um produto no estoque.

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A boa gestão do giro do estoque é um dos fatores mais importantes para os varejistas. Imagine que a equipe comercial de um varejista errou consideravelmente na estratégia e adquiriu dos fornecedores uma quantia de produtos muito maior que o ideal. Durante vários dias, muitos caminhões chegaram no centro de distribuição desse varejista com todos esses produtos. Você já deve ter imaginado que essa empresa começou a ter vários problemas, como:

  • Grande volume de capital imobilizado em estoques — esse valor financeiro extra que foi utilizado na compra dos produtos pode fazer falta para outras emergências da empresa (menor capacidade de reação à mudanças);
  • Ficou mais difícil fazer o manuseio dos produtos no centro de distribuição, com isso o número de produtos avariados cresceu (desperdício);
  • Depois de alguns meses, os consumidores perderam o interesse nesses produtos, querem os modelos novos, assim parte do estoque que estava “empacada” teve que ser vendida abaixo do preço de custo (obsolescência);
  • Com a capacidade de estocagem no topo, o varejista demorou em conseguir reservas de espaço para o novo lançamento aguardado pelo mercado (menor capacidade de reação à mudanças);
  • A dificuldade no manuseio dos produtos atrasou o envio de parte dos produtos aos clientes (lentidão);
  • Com tantos caminhões chegando, a portaria do centro de distribuição se tornou um gargalo, em pouco tempo formou-se uma longa fila de caminhões. Além do salto do tempo médio de descarregamento, isso causou grande estresse nos funcionários e nos caminhoneiros (lentidão e sobrecarga).

Os efeitos

Apesar de não manusear estoques, a sua equipe de trabalhadores do conhecimento pode sofrer efeitos ainda piores que esse varejista, caso esteja trabalhando com excesso de itens simultaneamente. Novamente, vamos pegar o exemplo de uma equipe que cria software (mas lembrando que isso serve também para outras áreas) e verificar quais são estes efeitos:

  • Chaveamento de foco — com vários itens em andamento, é comum que os integrantes da equipe troquem a atividade em foco constantemente. Essa troca de contexto consome muita energia mental, especialmente em atividades que exigem muita concentração como desenvolvimento de software. O restabelecimento do foco não é imediato, demanda um bom tempo, muitos dos problemas (bugs) são gerados despercebidamente nesses momentos. Como se pode imaginar, esse chaveamento eleva o nível de estresse das pessoas.
  • Custo de coordenação — quando uma equipe está trabalhando em muitos projetos ao mesmo tempo, há uma quantidade enorme de alinhamentos e informações que precisam fluir para todos os lados. Isso exige mais reuniões, mais status reports, mais apresentações, etc. Nesses cenários, é comum vermos os gestores com agendas totalmente ocupadas. Isso implica em outro problema, a falta de tempo do gestor para questões relacionadas ao time e ao desenvolvimento das pessoas.
  • Capacidade de reação à mudança — equipes que estão trabalhando com o WIP alto tem capacidade mais lenta para mudar de direção. Por exemplo, se há muitos projetos acontecendo em paralelo e surgiu uma mudança repentina na estratégia da empresa (devido à fatores de mercado ou fatores diversos, como uma pandemia) vai demorar um bom tempo até terminar os projetos que estão em andamento e começar os novos, esses que representam a reação da empresa à mudança.
  • Risco de desperdício — uma equipe que está trabalhando com o WIP alto e se depara com a necessidade de descartar esses itens para atacar outro objetivo, jogará todo esse trabalho (parcialmente completo) no lixo. Quanto maior a quantidade de itens em andamento, maior será o risco de desperdício. Isso também tem correlação com o tempo que esses itens permanecem no fluxo de trabalho, vamos abordar esse fator de tempo mais a frente.

Assim como o produto que está parado no estoque ainda não cumpriu sua missão (ser vendido), trabalho parcialmente completo é um investimento que ainda não deu retorno. No caso de times de desenvolvimento de software, por exemplo, as novas funcionalidades que estão sendo construídas só entregarão valor quando o cliente puder usufruir delas. Logo, se esses itens forem descartados antes de entregar o valor proposto, o tempo das pessoas dedicado à eles foi desperdiçado.

Ao invés de termos 10 itens em andamento e nenhum finalizado, é mais interessante termos 4 itens completados que entregaram valor e outros 4 em andamento.

  • Qualidade — há alguns casos que indicam a correlação entre a alta quantidade de trabalho em progresso e a má qualidade das entregas. Equipes que começaram a trabalhar com o WIP menor mostraram melhorias de qualidade de suas entregas. A minha hipótese é que esse efeito negativo na qualidade se deve ao chaveamento de atividades citado anteriormente e à sobrecarga de trabalho que WIP alto gera.
Correlação dos fatores descritos.

Os efeitos citados acima já bastariam para rever para baixo o WIP da sua equipe. Contudo, o efeito negativo mais relevante de WIP alto é gerado no tempo que um item leva para atravessar o fluxo de trabalho, esse tempo é conhecido como Cycle Time. Quanto maior o WIP, maior será o tempo para um item atravessar o fluxo.

Há outros fatores além do WIP alto que também impactam o Cycle Time. Não vamos entrar nesses detalhes, pois os fatores e efeitos gerados no sistema de trabalho dão uma boa reflexão por si só.

O que precisamos para começar a trabalhar o WIP?

Bom, imagino que você já deve ter notado que precisamos trabalhar como uma quantidade menor de itens por vez. Mas antes disso, é necessário criar algumas condições para aí sim trabalharmos o WIP:

  1. Gestão visual — diferente do varejista onde é totalmente visível o estoque (quantidade de caixas no centro de distribuição), as atividades em equipes de trabalhadores do conhecimento não são palpáveis, não são visíveis. O que não é visto, não é gerenciado e não é possível fazer qualquer tipo de melhoria. Por isso, seja na parede da sua empresa ou em alguma ferramenta de gestão de atividades (no Luizalabs utilizamos o SwiftKanban) é preciso trazer à tona todos os itens que o time está trabalhando. Só de bater o olho, a imagem abaixo já nos mostra a quantidade de WIP no sistema como um todo e como esses itens estão distribuídos nas etapas de trabalho.
  2. Fluxo minimamente estruturado — também é necessário entender junto ao time quais são as etapas do fluxo de trabalho. Essa sequência de etapas já existe em qualquer processo de trabalho, basta torná-las visíveis para todos. Para facilitar esse exercício, recomendo o uso do STATIK, é uma técnica baseada na visão sistêmica que facilita o entendimento do fluxo de geração de valor. Nesse fluxo é preciso expressar aquelas etapas que os itens não estão sendo trabalhados, que estão aguardando algo por tempo considerável — essas etapas são chamadas de filas. Alguns exemplos de etapas de filas na imagem abaixo: (Wait) Para revisar, Aguardando Homologação e Aguardando Deploy.

Trabalhando o WIP

Ok, agora que já preparamos o terreno com gestão visual e fluxo estruturado, podemos discutir sobre o mecanismo de limitar o WIP, isso visa restringir o máximo de itens por vez no fluxo de trabalho, evitando os efeitos explicados anteriormente. Quase sempre, isso envolve diminuir a quantidade de itens no fluxo que a equipe está acostumada a lidar.

Normalmente, as pessoas têm uma primeira impressão negativa quando propomos trabalhar com menos itens por vez. Por costume, temos a sensação que somos mais produtivos quando estamos fazendo “mil coisas ao mesmo tempo”, sempre ouvimos alguém dizer coisas como: “estou lotado até as orelhas de coisas para fazer”. Realmente, é algo diferente do que estamos acostumados, é contra intuitivo. O movimento de limitar o WIP deve ser muito bem explicado e acordado não só com a equipe, mas também com os envolvidos além da equipe. É importante clarificar os porquês dessa prática e seus benefícios, algo que este texto tenta fazer.

Não há uma receita exata para implantar o WIP limitado. Depende de vários fatores que compõem o contexto de cada time. Contudo, há algumas práticas que aprendemos com a literatura e com a vivência em dezenas equipes nos últimos anos.

Considerações:

  • Não imponha o WIP limitado numa tomada de decisão individual, junto com todos integrantes do time dialoguem para chegar ao número.
  • O número do WIP deve ser calibrado ao longo do tempo, ou seja, o time pode diminuir ou aumentar esse número conforme os aprendizados.
  • Uma mudança brusca para WIP muito baixo pode causar estresse excessivo no processo e gerar resistência.
  • Deixe claro para todos stakeholders (product owners, key users, entre outros) que o time está trabalhando com WIP limitado, quanto é esse WIP (ex.: 6 funcionalidades por vez), a importância de respeitá-lo e os benefícios esperados.
  • Esse mecanismo só gerará benefícios se o time manter a disciplina de respeitar o WIP ao longo do tempo.

Passo-a-passo:

  1. Apenas comece — estabeleça um valor de WIP máximo para o quadro todo. Exemplos: 2 vezes a quantidade de pessoas no time, se há 8 pessoas no time, comece com o WIP máximo de 16. Ou, 1 vez a quantidade de pessoas do time + 1, se há 8 pessoas no time, comece com o WIP máximo de 9.
  2. Respeite o WIP — coloque em prática um sistema puxado, ou seja, só puxe uma nova demanda quando houver espaço.
  3. Monitore o sistema de trabalho — surgiram etapas de gargalo? Os itens bloqueados estão claros? As métricas mudaram? Mais à frente vamos falar sobre o gráfico de CFD que auxilia nesse monitoramento.
  4. Crie um ambiente para que as pessoas colaborem — como removemos esse gargalo? Como reduzimos os bloqueios? O que podemos ajustar no sistema de trabalho?

Além de limitar o WIP, há outras ações que ajudam tirar a pressão para termos muitos itens no fluxo de trabalho, como:

  • Há um bom trabalho a ser feito nos itens antes que eles entrem no foco da equipe, de maneira que somente cheguem itens bem lapidados (refinamento) e que realmente vão entregar valor (triagem). Esse assunto é discutido em mais detalhes em Introdução a Upstream Kanban com base em experiências no Luizalabs.
  • Procure diminuir o volume de itens operacionais e problemas (bugs) para “sobrar” mais espaço de itens que vão gerar valor. Mencionar isso de certa forma é óbvio, porém nem sempre temos a boa noção da grande quantidade de atividades que consomem espaço (tempo e energia) na preciosa e escassa capacidade da equipe. Mais sobre isso é abordado em Para onde está indo a energia do seu time?.

Monitorando o WIP

Na linha monitorar o valor do WIP e o sistema de trabalho ao longo do tempo, proponho utilizar o gráfico de CFD (cumulative flow diagram). O CFD demonstra de forma acumulada a quantidade de itens em cada uma das etapas ao longo das semanas.

Cada “camada” do gráfico representa uma etapa. No exemplo acima todas as etapas do fluxo foram resumidas a uma macro etapa chamada WIP (camada vermelha), assim, podemos acompanhar se a camada vermelha está mais fina ou mais larga.

Manter a camada fina, ou seja, manter o WIP numa quantidade pequena e constante por semanas, depende da quantidade de itens que entrou no processo e da quantidade de itens finalizados. Por exemplo, da semana 4 para a 5 no gráfico acima, entrou 1 item e nenhum item saiu (finalizado), por isso o WIP aumentou.

Anteriormente, mencionamos a influência considerável do WIP no Cycle Time (quanto maior o WIP, maior será o Cycle Time). O gráfico CFD torna isso muito claro, entre a semana 2 e 4, quando o WIP estava mais contido, notamos o Cycle Time médio (representado pela seta horizontal) bem menor que o Cycle Time médio das semanas 4 a 8, dado que nessas semanas o WIP aumentou.

Além de monitorar o WIP (camada vermelha) e o Cycle Time médio, o CFD é muito útil para acompanhar a quantidade de itens em Backlog da equipe, a quantidade de itens finalizados e, com isso, também pode ser utilizado para projetar quantos itens poderão ser entregues no futuro com base no histórico de itens já finalizados.

Colaboração

Eu terminei minha atividade, qual devo começar agora?

Essa é uma frase bem comum no dia-a-dia das equipes. A partir do momento que começamos a respeitar o WIP máximo, esta pergunta deve mudar para algo do tipo:

Terminei minha atividade, qual outra posso ajudar a finalizar antes de começar uma nova?

Se a equipe já está com o número de atividades em andamento no máximo acordado, esse é o momento de ajudar outras pessoas a finalizarem alguma atividade. Quando digo “finalizar” de maneira genérica, me refiro à qualquer atividade. Em equipes de desenvolvimento de software, por exemplo, num momento como esse, o desenvolvedor “pode se dispor” a ajudar na publicação em ambiente de produção (uma das últimas etapas). Como descrito anteriormente, enquanto não for finalizada, uma atividade não entrega valor.

Esse é um dos gatilhos para a transição do “pare de começar e comece a terminar”.

Trabalhar com WIP limitado é uma dose intensa de estímulo à colaboração entre as pessoas da equipe. O todo que o time entrega sobrepõe às entregas individuais.”

Final

A prática de limitar o trabalho em processo passa longe de ser algo avulso na gestão do fluxo de trabalho, ela está entrelaçada com vários outros conceitos e práticas que têm o potencial imenso para as equipes, como: filas, gargalos, eficiência de fluxo, tamanhos do itens de trabalho, variabilidade, entres outros.

Porém, esse é um mecanismo poderoso para trazer vários benefícios imediatos ao time, também para evitar sobrecarga e suas consequências nas pessoas e no sistema de trabalho. É necessário disciplina para dizer “não” às novas demandas quando já estamos no WIP máximo. Esse “não” é uma negativa que eleva a importância da priorização correta e do refinamento dos itens que estarão disponíveis para entrar no fluxo de trabalho.

Além disso, na linha de provocar discussões positivas sobre os problemas da organização, David Anderson defende que o WIP limitado gera “tensão positiva”:

A discussão e colaboração invocadas pela tensão positiva de WIP limitado são saudáveis. É um mecanismo que possibilita a emergência de uma cultura de melhoria contínua. Sem limites de WIP, o progresso na melhoria de processo é lento.

Referências

  • Kanban: Mudança Evolucionária de Sucesso Para Seu Negócio de Tecnologia — David J. Anderson
  • The Principles of Product Development Flow: Second Generation Lean Product Development — Donald G. Reinertsen
  • Zen e a Arte da Gestão de Software (Software Zen) — Alisson Vale

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