Ser Inútil ou Indispensável?

Bruno Gouveia
luizalabs
Published in
4 min readJun 14, 2018

Um dos comportamentos mais recorrentes e um dos pensamentos mais conservadores sobre liderança é o de que você tem que ser uma pessoa indispensável. Essa falácia tem início quando nós somos apresentados ao valor comum atribuído ao status de possuir uma posição de liderança, principalmente em ambientes mais tradicionais e menos dinâmicos em que uma pessoa nessa posição tenta centralizar e ser o proprietário das decisões, das idéias, das informações.

Num ambiente dinâmico propenso ao crescimento exponencial o comportamento de ser indispensável é o ingrediente principal na receita para o fracasso. Organizações que necessitam de escalabilidade operacional devem fugir de um ambiente com uma cultura travada, com pouca autonomia e muitos pontos de interdependência. Um dos principais mindsets que traz a escalabilidade é bem simples e bem difícil de se executar, por questões tradicionalmente comuns, como as citadas anteriormente.

Torne-se inútil

Ok, inútil talvez tenha um teor pejorativo, mas pense por uma perspectiva positiva: você deve se tornar um facilitador. Dessa maneira os seus liderados estarão livres para tomarem boas decisões - formularem idéias coerentes, criativas e responsáveis - e serão capazes de desenvolver uma interpretação correta sobre as informações fornecidas por você. Trabalhe para promover um ambiente aonde errar é aceitável e aprender com o erro é a força que mantém o dinamismo, o aprendizado constante e o crescimento individual perdurando por mais tempo.

Uma equipe bem motivada normalmente sabe a direção que deve seguir, tem autonomia para decidir como pavimentar esse caminho e tem vontade de desafiar aspectos que não seriam comuns ou instintivamente normais.
Desenvolver esses comportamentos não é simples de ser feito, mas existem alguns mecanismos que podem te ajudar.

Não seja o dono da bola

É interessante que você exercite uma comunicação transparente e não reprima questionamentos às suas opiniões, e que as pessoas ao seu redor também o façam, especialmente seus pares e seus liderados. E é essencial que você compartilhe toda informação que você detém de maneira coesa e que defenda a direção que sua equipe, produto ou negócio deve seguir.
Claro que você deve saber dosar, mas uma boa maneira de entender a dosagem correta é variar a intensidade da informação compartilhada. Em alguns tópicos seja mais frequente e mais detalhista e em outros faça o oposto, e repare na resposta verbal e corporal das pessoas. Se muitas pessoas estiverem reticentes, desviando a atenção, provavelmente esse não é o caminho que irá funcionar. Se o seu ambiente está propício a questionamentos, isso vai te render um feedback de que aquilo foi demais: houve uma frequência inadequada, teve uma profundidade desnecessária ou faltou contexto pra que fosse compreendida corretamente. Isto é OK!
Você errou, mas com isto você tem a oportunidade de aprender! Mas essa é uma das habilidades mais difíceis de você desenvolver.

Seja analítico com o erro, não leve para o lado pessoal

Errar é humano - difícil - e aceitar o erro é instintivamente contraditório. Ninguém gosta naturalmente de errar, e gostar de errar obviamente não é saudável, mas é absolutamente necessário.

Quem não erra, não está fazendo nada: nada de diferente, nada de inovador, nada de arriscado. Arriscar também é contra intuitivo, e você deve aprender a avaliar quais riscos tomar.

Assuma riscos

Quando você aprendeu a andar de bicicleta o risco era cair, e provavelmente você aceitou esse risco. E você caiu. Mas dificilmente você desistiu.
Crianças tem menos medo do que nós adultos para muitas coisas, e em algum lugar do caminho nós adquirimos esse medo. Talvez por que nós aprendemos algumas coisas aqui e ali sobre o fato desagradável que é sentir dor e adquirir ferimentos, entre outros traumas. Talvez em algum ponto nós aprendemos a apreciar um status que motiva o não-risco, o caminho previsível e estável.
Cada um de nós provavelmente teve na vida um momento em que absorveu a idéia de se arriscar menos e cedeu lugar à inseguranças, medos de fracasso e de perder alguma espécie de status, que as vezes parece validar o resultado de muitos esforços e sacrifícios que fizemos.

Não alimente seu ego

A única maneira que eu conheço pra você mudar esse comportamento é o desapego. Se desapegue de elementos que alimentam seu ego de uma maneira a bloquear seu autoconhecimento e seu crescimento. É difícil, mas fazendo em pequenas doses e deixando esse hábito se tornar recorrente de maneira orgânica e não forçada, você deve começar a obter progresso. Algumas organizações alimentam o comportamento contrário, mas não observe seus liderados como seus concorrentes. Se você se sente ameaçado você provavelmente está fazendo algo errado e provavelmente está se tornando inútil do jeito errado.

Trabalhe pelos outros

Em lugares que tendem ao crescimento exponencial, pra poder se tornar indispensável de verdade e inútil do jeito certo, você vai precisar aprender a arriscar a sua própria capacidade de manter levantando a barra, incluindo-se abaixo dela recorrentemente. E você vai precisar habilitar seus liderados a se tornarem independentes de você, da necessidade de te consultar para toda decisão. Assim eles vão alcançar êxitos e cometer falhas por decisão deles próprios. E não só o sucesso, mas a falha também deve ser compartilhada. Isso delega responsabilidade e constrói uma imagem mais saudável e madura sobre a convivência colaborativa e servidora. Isso faz com que outras pessoas não repitam a mesma falha por saber exatamente o que não fazer. Inclusive, boa parte do aprendizado do erro vem do que não fazer após racionalizar o que induziu o erro.

Liderar bem envolve compartilhar os próprios erros, envolve desejar que os outros não cometam os mesmos erros que você cometeu, que exista um caminho mais bem trilhado até algum ponto da jornada, e que os seus liderados tenham a autonomia e compreendam como lidar com seus próprios erros, e esse ciclo se repita, em iterações contínuas e permanentes.

Quando esse ciclo se repetir, você se tornou inútil do jeito certo. A satisfação e produtividade geral dos seus liderados certamente vai estar melhor do que no começo desse processo, mas a sua habilidade em criar esse dínamo que potencializa a escala exponencial provavelmente acabou te tornando indispensável.

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