Como a automação irá interferir no seu emprego?

Edu Azeredo
Luneta
Published in
6 min readMar 7, 2017

Antes e depois de você ler esse texto, certamente você teve e terá contato com diversas notícias e artigos envolvendo inteligência artificial e automação. As máquinas ficam mais inteligentes e facilitam nosso trabalho, como mostra nosso outro texto.

Por outro lado, você provavelmente leu também a história da seguradora japonesa que planeja demitir 34 funcionários enquanto utiliza o Watson, o sistema de inteligência artificial mais conhecido.

A automação de hoje dia não afeta somente trabalhos braçais (colarinho azul), mas também os típicos trabalhos de escritório (colarinho branco). O seu trabalho “intelectual”, onde você traja roupa social também será afetado pela inteligência artificial.

E agora?

Como no caso dos funcionários de seguradoras, ou de qualquer linha de montagem, a automação é uma força que tende a subtrair empregos conforme poucas máquinas fazem o mesmo trabalho que vinha sendo feito por várias pessoas, com um custo menor.

Uma pesquisa da Universidade de Oxford aponta que 40% dos trabalhos se tornarão obsoletos por conta de tecnologias de automação.

Se 40% dos trabalhos deixarão de existir, quais seriam esses outros 60% que vão se manter? Uma possibilidade é a de que trabalhos que envolvam interações sociais e criatividade, por exemplo, se manterão.

Em outras palavras, máquinas são boas trabalhando com padrões. Em tarefas simples, previsíveis e realizadas em alto volume não temos como batê-las. Em compensação, situações novas, imprevisíveis e a conexão de conhecimentos que, aparentemente, não se relacionam entre si são onde temos espaço para trabalhar. Em tempos imprevisíveis, precisaremos cada vez mais dessas habilidades.

Repensando nossa relação com as máquinas

Kasparov x Deep Blue

Talvez você se lembre do duelo de xadrez entre Garry Kasparov e o Deep Blue — sistema de inteligência artificial precursor do Watson. Quando a inteligência artificial deu um xeque-mate no russo, pipocaram manchetes sobre a vitória da máquina sobre o melhor enxadrista do mundo e a história aparentemente acabou ali.

Na verdade foi depois disso que a história ficou mais interessante. Kasparov percebeu que seu jogo chegaria a um nível superior se tivesse o auxílio de uma máquina. E assim desenvolveu uma nova modalidade do jogo chamada xadrez avançado (também conhecida como xadrez ciborgue ou xadrez centauro) — nessa modalidade cada jogador tem auxílio de uma inteligência artificial que lhe sugere jogadas, mas a decisão final é do jogador, podendo ignorar ou acatar a sugestão de jogada de máquina.

A junção entre pessoas e máquinas fez com que o xadrez ganhasse muitos novos adeptos. Mais gente passou a jogar xadrez com a chegada da inteligência artificial. Aí está uma pista de como devemos enxergar a nossa relação com a inteligência artificial.

Algumas possibilidades para o futuro do trabalho

Com o panorama dado e um pouco de imaginação, visualizamos alguns possíveis cenários relacionados ao trabalho de acordo com o impacto da inteligência artificial.

Novos empregos surgirão

Como dito pelo futurista Tiago Mattos, as profissões de hoje são os skills de amanhã. Conforme a tecnologia permeia nossas vidas, passamos menos tempo nos dedicando a determinadas tarefas e temos tempo para fazer outras coisas. Já houve um tempo em que havia profissão de datilógrafo, por exemplo.

Da mesma forma, novas tecnologias geram novas demandas por profissionais. Há 10 anos atrás parecia inimaginável trabalhar com redes sociais e hoje isso é algo estabelecido — alguns empregos de daqui a 10 anos são difíceis de visualizar hoje. Empregos que nem imaginamos que existirão, se tornarão comuns ao passo que a tecnologia permitir que foquemos nossa atenção em outras coisas.

A automação vai tornar a maior parte do trabalho humano obsoleto

Para muita gente, este é um cenário apocalíptico. Para mim, é o contrário.

Vamos lembrar da seguradora japonesa. 34 pessoas perderam o emprego por causa da inteligência artificial. Imagine agora que a moda pega, e todo mundo automatiza seus serviços e começa a demitir seus 34, 12, 77 ou 2000 profissionais.

Depois que todo mundo for demitido pois a inteligência artificial os tornou dispensáveis, quem terá dinheiro para contratar o seguro analisado por robôs?

Pois é. Ninguém.

A possibilidade de automação ubíqua, que torna o trabalho humano obsoleto, traz algumas implicações. O debate sobre Renda Básica Universal (o direito de todo indivíduo receber uma renda periodicamente só por estar vivo) foi acelerado por conta disso.

O que pode ser uma libertação enorme. A partir do momento em que você não precisa trabalhar, você não precisa ocupar seu tempo com uma tarefa que não gosta somente para sustentar sua vida. A maneira como vemos o trabalho muda radicalmente diante de tudo isso.

Não muda nada

A ideia de mudança geralmente traz muita resistência. Mas aqui está o pior cenário de todos.

Vamos imaginar novamente a seguradora que demitiu seu departamento todo por causa da inteligência artificial.

Em um certo momento as empresas percebem que a automação vai causar demissões em massa e isso vai matar seus mercados.

Algumas soluções incluiriam brecar a automação (pouco provável em um cenário de competição) e criar empregos que não façam sentido, somente para manter a roda girando.

Mas não é exatamente isso o que acontece HOJE? Basta olhar ao redor para observar uma epidemia de insatisfação com o trabalho. Cada vez mais o discurso de propósito no trabalho ganha corpo por conta de tamanha insatisfação.

O antropólogo inglês David Graeber aborda de maneira contundente a onda de insatisfação com o trabalho que existe hoje e como a tecnologia já deveria ter reduzido a demanda pelo trabalho humano.

O maior desafio sobre automação está no futuro ou no presente?

Eu, Daniel Blake — O sofrimento de lidar com uma burocracia governamental totalmente informatizada

Não é difícil imaginar que o trabalho seja algo bem diferente daqui a 20 ou 30 anos. Mas o ser humano é incrivelmente resiliente, ainda mais quando jovem. Então, muitas das dúvidas que temos sobre o futuro do trabalho não serão dúvidas para aqueles que estiverem começando a trabalhar em um mundo totalmente diferente.

Em compensação, para aqueles que já trabalham há mais tempo, e viveram em uma sociedade industrial, as transformações que já acontecem hoje são difíceis de se adaptar. Como efeito colateral, a ideia de globalismo virou bode expiatório para os empregos perdidos nos EUA e Europa e abriu espaço para uma onda de políticos com apelo nacionalista.

Os políticos populistas possuem um enorme apelo junto à “classe trabalhadora”, mas o discurso que promete trazer trabalhos supostamente migrados para outros países não se sustenta justamente por causa da automação. E é alarmante que empregos estejam no debate central da política mas automação seja um ponto que sequer é citado, ficando restrito aos círculos mais interessados em tecnologia.

As questões mais importantes sobre o impacto da automação no trabalho talvez estejam mais próximas do filme “Eu, Daniel Blake”, que conta a história de homem de meia-idade sem familiaridade alguma com computadores ou dispositivos mais modernos e, quando depende dos serviços públicos, esbarra numa burocracia completamente informatizada e pouco preocupada em atender bem a população.

Os pontos mais importantes sobre o futuro do trabalho estão no presente — com uma população difícil de adaptar e uma educação inadequada para os desafios futuros — e requerem ação com um grau de imediatismo que pouco se reflete na classe política atual.

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Edu Azeredo
Luneta
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Falo de tecnologia e como nossas vidas são impactadas.