Por uma (e não só uma) visão de futuro brasileira

Edu Azeredo
Luneta
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4 min readSep 4, 2017

Enxergamos o futuro sob a perspectiva tecnológica, mas há mais para se ver.

Carro alegórico sobre DNA no desfile de carnaval da Unidos da Tijuca em 2004. Também sabemos falar de ciência e tecnologia de forma que merece ser ouvida. (Fonte: O Dia)

A cada mais e mais pessoas refletem e discutem sobre novas tecnologias (como inteligência artificial, biotecnologia e blockchain) e seus impactos no futuro. Assim, termos como exponencialidade e abundância começam a ganhar a boca das pessoas, e no Brasil isso não é exceção a isso. Pelo contrário.

No último Singularity Summit (encontro organizado pela Singularity University — a instituição mais reconhecida como referência em novas tecnologias para o futuro) a delegação brasileira foi a maior de todas as presentes, totalizando um terço do público participante do evento. Entre eles, estava o apresentador de TV Luciano Huck, que inclusive publicou artigo sobre o assunto (o primeiro parágrafo é justamente o tipo de coisa que precisamos ter cuidado ao se falar de futuro).

Muito do que se discute sobre futuro hoje está relacionado a novas tecnologias (Inteligência Aritificial, Nanontecnologia e Biotecnologia, por exemplo) e a própria Singularity cumpre um importante papel de pensar o futuro a partir deste aspecto tecnológico e com sua abordagem otimista para o futuro.

Porém, precisamos ter o devido cuidado para não repetir jargões sem refletir sobre eles. Exponencialidade, abundância e outras palavras que nem imaginamos que se tornarão buzzwords desgastados podem virar mantras repetidos à exaustão sem que a reflitamos plenamente sobre seus significados; sem que reflitamos se tudo que está sendo dito realmente trará um futuro desejável. Bob Wollheim traz boas reflexões sobre isso falando de sua ida ao Singularity Summit.

Além do mais, o discurso otimista/abundante tem parecido cada vez mais descolado da realidade. Se por um lado existe uma fé enorme que a tecnologia nos salvará, existe uma onda crescente de pessimismo em relação ao futuro. Sou o primeiro a pregar o otimismo quando ouço um discurso pessimista por perto, mas o otimismo pregado em circuitos ligados a tecnologia e futuro parece dialogar cada vez menos com as questões do momento presente.

Essa conversa não é nova. Algumas vozes já questionam a algum tempo esse predomínio de uma visão de futuro(como você pode ver aqui e aqui).

Pegando gancho nas palavras da Diana Assenato: “Quem está estudando o seu futuro (e vendendo isso para empresas) são, com raras excessões, homens brancos e norte-americanos da classe média/alta acima dos 50 anos.”

Evidentemente que um grupo tão homogêneo de pessoas tende a ter uma visão específica e com determinados vieses. Não devemos descartar essa visão (se eu estivesse no Vale do Silício, provavelmente ia pautar minha visão de futuro de maneira parecida). Mas pessoas com backgrounds diferentes trarão outras dores e perguntas importantes que devem ser respondidas.

Não acredito em uma visão monolítica brasileira — tenho a impressão de que o apego a uma identidade nacional tem pouco apelo às pessoas interessadas em futuro em geral (o que também é um problema de falta de diversidade, mas é assunto para outra conversa) — mas temos uma posição importante a partir da qual podemos pensar o futuro.

Uma das frases mais famosas relacionadas a futuro é “O futuro já está aqui — apenas não está igualmente distribuído” de William Gibson. E se algumas das perguntas frequentemente feitas sobre futuro na realidade refletirem problemas do nosso presente aqui no Brasil?

Quando ficamos aflitos porque alguém como o brilhante Yuval Noah Harari traz a possibilidade de a automação criar no futuro uma casta de pessoas excluídas por não terem utilidade econômica, será que não temos evidências disso no nosso presente?

Fica mais difícil de ver isso já que temos poucas opções de programas de estudos de futuro no Brasil (no que fica aqui meu destaque para a Aerolito e Tiago Mattos pelo Friends of Tomorrow onde é enfatizada a importância de se ter o cuidado de enxergar o futuro sob várias lentes) e ainda carecemos de aprofundamento nesse tipo de estudo.

Cracolândia: Será que já não temos uma casta de pessoas sem serventia econômica antes mesmo da difusão da Inteligência Artifical? (Fonte: www.nossasaopaulo.org)

Não tenho dúvidas da nossa capacidade para fazer algo relevante nos estudos de futuro. Pedro Rocha, meu sócio na Luneta, tem enfatizado bastante que têm surgido discussões muito relevantes aqui no Brasil que não ocorrem em lugares referência sobre futurismo, inovação e novas tecnologias.

O resultado disso são iniciativas como a Prospera, um dos exemplos mais concretos de paradigma da abundância e uso do Blockchain aplicados na prática, e a Fluxonomia 4D, uma ferramenta que permite visualizar os recursos disponíveis de uma forma completamente nova. E como essas, outras iniciativas interessantes borbulham por aqui.

Evidentemente, por uma série de razões, tais discussões estão restritas a uma bolha muito específica ainda.

Que fique claro: não proponho que passemos a negar o discurso otimista e abundante sobre futuro que vem do Vale do Silício. Mas devemos pensar o futuro sob uma perspectiva que considere os problemas, contradições e soluções que surgem aqui no Brasil. Até mesmo porque podemos ter as respostas para algumas perguntas que são feitas em San Francisco assim como eles tenham respostas para perguntas que fazemos aqui.

Afinal de contas, como dizem por aí, o Brasil é o país do futuro.

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Edu Azeredo
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Falo de tecnologia e como nossas vidas são impactadas.