André Santos, um (recente) Service Designer Português a Viver na Finlândia

André Santos
Lusofonia
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11 min readApr 29, 2020

Olá, para quem é novo por aqui, Lusofonia é um dos projetos do Portugal Chapter, da Service Design Network dirigido a tod@s os Service Designers que falam em língua Portuguesa, mas vivem fora do seu país de origem.

Um Artigo de Cada Vez

Como dissemos no artigo que apresentava o projeto, Lusofonia é uma porta aberta a todos os Service Designers que falam em língua Portuguesa e que vivem fora do seu país de origem. Mas também, é uma porta que se abre a nós próprios, oferecendo-nos a oportunidade de os conhecer e de ficar a saber sobre o seu percurso nesta área. Efetivamente, desafiámos cada uma das pessoas que entrevistámos a partilhar a sua história convosco, um artigo de cada vez.

Hoje temos o gosto de partilhar a história do André Santos.

©Luis Alfonso Monje 2019

Quem é o André?

Olá a todos! Eu sou o André, um português como muitos outros espalhados pelo mundo e a viver num país diferente. Depois de deixar a cidade invicta do Porto, e após várias experiências além fronteiras, encontro-me neste momento a residir em Helsínquia, uma cidade que dizem, nasceu do mar.

Uma das principais características da Finlândia é o investimento do governo no sistema educacional que é amplamente considerado um dos melhores, senão o melhor do mundo. Seja desde o ensino básico até ao ensino superior, existe um foco nos estudantes e na experiência de aprendizagem dos mesmos. Esta forma de ver e experienciar a educação, levou-me a que me candidatasse ao mestrado em Collaborative and Industrial Design na Aalto University. Nos primeiros dias de primavera de 2017 a minha candidatura foi aceite e, no verão desse mesmo ano, deixei a minha vida profissional na Noruega para abraçar uma nova aventura como estudante full-time na Finlândia.

Neste momento, estou no processo de finalizar a minha tese de mestrado — tudo aponta para o final do verão deste ano. O principal objectivo da minha investigação é estudar e analisar o papel das entidades governamentais, das autarquias e outros actores privados, e a articulação destas mesmas entidades no desenvolvimento de estratégias para a prevenção e o aumento de resiliência em relação a desastres como os incêndios florestais — um fenómeno que está muito presente na vida dos portugueses.

A nível profissional, trabalho há cerca de 2 anos na Aalto Design Factory como assistente da disciplina de Product Development Project (PDP). PDP segue uma metodologia de problem-based learning (PBL), na qual os estudantes aprendem em equipas interdisciplinares e trabalham em desafios lançados e patrocinados por parceiros de diferentes setores, que procuram cooperações inovadores com o mundo académico.

Como foi o teu percurso até ao Service Design?

O meu fascínio pelo relacionamento entre objetos e pessoas despertou o meu interesse pelo design. Este fascínio levou-me à Universidade de Aveiro, onde fiz o curso de Licenciatura em Design. Em Aveiro entendi a importância do design como uma disciplina global e transversal. Esta abordagem holística influenciou-me a procurar novas experiências em diferentes culturas e ambientes desconhecidos.

A minha primeira experiência além fronteiras foi como estudante Erasmus na TU Delft, nos Países Baixos. No entanto, não parei por aqui. A vontade natural de explorar e experimentar outros contextos levou-me a trabalhar e viver na Dinamarca, China e Noruega. Aí trabalhei em projetos centrados na saúde e em soluções de energia off-grid para comunidades a viver remotamente. Foi aqui que tive a oportunidade de colocar em prática todas as aprendizagens e conhecimentos que colecionei ao longo da minha jornada como profissional. No entanto, havia ainda algo a faltar neste processo. Eu tinha um forte interesse em entender não apenas a necessidade dos produtos que estava a desenvolver, mas como eles seriam integrados no quotidiano dos consumidores. Noutras palavras, eu queria entender o panorama geral, como é que os diferentes elementos e níveis estão conectados desde dos fornecedores ao fabrico, passando pela distribuição, escolha de um produto para comprar, compra e depois a utilização desse mesmo produto. Essa perspectiva holística vê o design como um todo interconectado que faz parte de um mundo maior. Cada mudança feita numa parte afecta o todo. Ir além da solução de problemas para incorporar todos os aspectos do ecossistema em que um produto é usado foi o que me levou ao service design.

Um outro aspecto que influenciou-me a mudar o meu caminho para o design de serviços foi a sua natureza colaborativa — integrar as partes interessadas como parceiros no processo de design para ajudar a determinar as necessidades de um produto ou serviço numa colaboração sincronizada.

Não é possível projectar um serviço sem envolver e co-criar com os stakeholders.

O que é Service Design para ti?

Da minha experiência como designer, o design, como um processo, é fácil, mas a entrega é difícil. No contexto do service design, projectar e fornecer um serviço significa que é preciso demolir os silos numa organização. Se resolvermos os problemas que a organização está a enfrentar, podemos fornecer muito mais valor e o service design pode desempenhar um papel muito mais estratégico nas organizações. Mas a transição de design para a organização e estratégia requer novas capacidades dos designers — a capacidade de fazer zoom out e conectar pessoas nas organizações.

Para um designer que mudou do design industrial para o service design, é fácil projectar artefatos bonitos. Mas o design pode ter um impacto muito maior se nos concentrarmos no alinhamento com a organização que deve prestar o serviço. O maior desafio é preencher a lacuna entre o design de um serviço e a realidade da entrega desse serviço.

No final, o Service Design é sobre “o quê”, não sobre o “como”.

É sobre as pessoas, sejam elas empregadores, colaboradores, clientes ou até beneficiários (no caso de ONGs). É sobre as organizações e os seus objectivos. É sobre as oportunidades que encontramos, que resultam em ideias que se criam e desenvolvem. É sobre o contexto e o ambiente em que esses serviços acontecem. É sobre o sistema em que os serviços estão integrados. É sobre os relacionamentos dentro do ecossistema. Acima de tudo, é sobre o impacto (sustentável) na sociedade e, fundamentalmente, no planeta.

Quais são os teus projetos na área de Service Design que mais te marcaram?

Como ainda sou novo nesta área, ainda não tive oportunidade de trabalhar num projeto que não fosse fora do espaço académico. Por essa razão, vou mencionar dois projetos que me marcaram de forma distinta:

Yhteispot (‘yhtei’ significa ‘comum’ em finlandês) foi um dos primeiros projetos que desenvolvi no âmbito de Service Design. O brief original abrangia um caminho de 40 km ao longo da margem de Espoo — cidade que faz fronteira a oeste de Helsínquia — com o nome Rantaraitti. A ideia inicial da câmara municipal de Espoo era criar uma nova rede de equipamento para barbecues e fogueiras ao longo da margem. Aparentemente, apesar de não haver equipamento adequado para grelhar ao longo da margem, existiam vários vestígios de ocorrências de queimadas. Durante a fase de pesquisa, o aspecto mais problemático foi encontrar pessoas a fazer fogueiras e a grelhar na margem, pois o tempo extremamente frio (-15º Celsius) dificultou os nossos esforços para encontrar utilizadores a explorar os lugares naturais ao longo da margem. Acredito que este factor fez uma enorme diferença no nosso projecto. Talvez fosse mais fácil encontrar padrões de comportamento relacionados com a actividade de grelhar e fazer fogueiras se tivéssemos desenvolvido este projeto na primavera ou no verão. No final, e apesar dos obstáculos conseguimos desenvolver um conceito de serviço no qual os cidadãos, colectivamente, reimaginam e reinventam Rantaraitti como o coração da comunidade, fortalecendo a conexão entre os residentes, os visitantes, e o local que partilham.

Para mim, proveniente de uma experiência como designer industrial, foi extremamente valioso explorar as minhas capacidades e o meu conhecimento numa área diferente dentro da esfera do design. A oportunidade de trabalhar ao nível municipal ajudou-me a compreender que, para os serviços públicos se tornarem mais eficazes e melhorarem a experiência dos utilizadores, é fundamental investir na inovação do sector público, envolvendo as partes interessadas no processo de desenvolvimento e tomada de decisão. Somente dessa maneira poderemos criar espaços públicos de qualidade que contribuam para a saúde, a felicidade e o bem-estar das pessoas.

Sessão de grupo à noite, Katmandu. ©Carles Martinez 2019 (esquerda) | Exposição de fotografia em Dhungentar, Katmandu. ©Luis Alfonso Monje 2019 (direita)

O segundo projeto, Nepali, consistiu na reconstrução sustentável de comunidades após o terramoto no Nepal em 2015, que matou quase 9.000 pessoas e deixou centenas de milhares de pessoas sem abrigo. O objetivo era estudar a coesão da comunidade num assentamento rural a norte de Katmandu, e como essa coesão poderia ser fortalecida para haver uma maior resiliência a desastres. Durante as duas semanas no terreno, identificámos diferentes aspectos da coesão social presentes na comunidade e, posteriormente, analisámos como esses fatores poderiam ser trabalhados e aperfeiçoados para uma coesão social mais resiliente. Para isso, desenvolvemos cenários futuros para abordar questões de coesão social sob diferentes perspectivas. Além destes cenários futuros, os resultados finais do projeto incluíram duas exposições de fotografia (uma no Nepal e outra na Finlândia) e um livro, “Bound — Photography born in Nepal”, com edição e publicação independentes.

Foi um projecto cheio de discussões, ideias, viagens, novos relacionamentos e aprendizagens! Todos estes factores foram relevantes para mudar a minha percepção sobre desenvolvimento sustentável e, consequentemente, mudar-me como pessoa. A minha ideia em relação à forma como as pessoas vivem nestas comunidades mudou radicalmente.

Service Design na Finlândia

Aqui na Finlândia, existe uma aposta forte na investigação e educação em Service Design, além duma longa tradição em design, em que o Service Design é uma consequência lógica. A cultura na Finlândia tem um ambiente propício para a abordagem do Service Design. Geralmente, a sociedade e a cultura de trabalho finlandesas não são hierárquicas, o que contribui para alavancar o campo multidisciplinar do Service Design. O chamado espírito “talkoo” — expressão finlandesa para uma reunião de amigos e vizinhos organizados para realizar uma tarefa — também permite que os finlandeses participem em workshops de Service Design e similares sem incentivos, o que não é o caso noutras culturas.

A nível profissional, existe uma grande procura de service design na Finlândia, porque as empresas estão a procurar oportunidades para melhorar a forma como se relacionam com os consumidores e com os próprios colaboradores. Além disso, os finlandeses têm altas expectativas, pois são exigentes do ponto de vista da qualidade e da experiência na compra de serviços. Na Finlândia, ao contrário de muitos outros países, o sector público tem sido um dos grandes promotores e impulsionadores do Service Design.

A oferta de serviços de Service Design é bastante diversificada. Desde agências de design locais como a Hellon, Nordkapp, Pentagon Design, às mais internacionais como Idean e Fjord, todas elas desenvolvem projetos focados na experiência do consumidor e dos colaboradores nas diversas organizações, sejam públicas ou privadas. Scope é outra empresa local que desenvolve projetos na área do impacto e inovação social. Existem outras empresas mais focadas na inovação digital e tecnológica como a Futurice, Gofore, Reaktor, Frantic, entre outras. Ainda na área privada, as grandes empresas também têm investido bastante no Service Design para mudar e impactar a cultura da empresa: a DNA e a Elisa, na sector da comunicação; a KONE e a ABB, no fabrico e produção; a OP e a Nordea, na sector bancário; a Finnair, no transporte; e o Posti, na área da logística. Para além da forte presença de Service Design no sector privado, também existe uma forte aposta de Service Design no sector público, nomeadamente a nível governamental e também ao nível local e municipal em cidades como Helsínquia e Espoo.

A comunidade de Service Design é relativamente pequena (tendo em conta a população). É composta na maioria por finlandeses, com uma grande percentagem de profissionais de várias áreas (psicologia, filosofia, gestão, etc) e de várias nacionalidades, incluindo alguns de origem lusófona. Esta diversificação dá uma perspectiva diferente à própria disciplina e à forma como o Service Design é visto pelas diferentes organizações.

Workshop com a equipa do projeto Nepali, em Katmandu. ©Carles Martinez 2019

Conselhos sobre a vida na Finlândia

Como andei a saltar de um lugar para outro na maior parte da minha vida profissional, não tenho certeza se sou a pessoa certa para dar conselhos. No entanto, sugiro que, antes de tomar qualquer decisão, é necessário entender que o contexto finlandês é muito particular e bastante diferente do português. Os contrastes entre Portugal e Finlândia são claros não apenas na cultura, mas também na maneira como as pessoas se socializam, na gastronomia, nas tradições, no idioma, nas condições climáticas e no custo de vida.

1. Os finlandeses adoram o silêncio. Para eles, os momentos de silêncio são normais e fazem parte da vida quotidiana. Normalmente, eles mantêm uma distância social entre pessoas e, geralmente, não há grandes conversas nos transportes públicos. Para os estrangeiros, isto pode ser estranho, mas a maioria das pessoas acostuma-se. Depois de conheceres um finlandês, descobres que ele é amigável, leal e confiável. Eu pessoalmente gosto da honestidade e frontalidade deles. Dizem o que querem dizer e são realmente bons em dar feedback, mesmo que sejam bastante modestos.

2. Em termos de comunicação com os habitantes locais, embora a Finlândia seja oficialmente bilíngue (finlandês e sueco), o inglês é amplamente falado, especialmente nas cidades maiores. É possível usar os serviços públicos, ir a restaurantes e viajar sem quaisquer problemas de idioma. No entanto, é sempre útil aprender o idioma local.

3. O custo de vida cá é bastante caro. O modelo expansivo do estado centrado no bem-estar social precisa ser financiado e isso significa que os impostos sobre a maioria das coisas são altos. Por outro lado, os salários também são altos, o que compensa.

4. No inverno, as noites são longas e escuras, no verão, os dias são longos e claros. Ao início a escuridão pode ter efeitos depressivos por isso é importante estarem especialmente activos nessa altura do ano.

Em geral, a Finlândia é um país muito pacífico e tranquilo, com particularidades como os mil lagos, os 2 milhões de saunas, ou até as renas no meio da estrada. Para viver aqui é necessário perceber o contexto local e ter uma grande capacidade de adaptação em termos de relações interpessoais, proximidade (ou não) de pessoas, clima, hierarquia horizontal e o modo de vida finlandês.

©Luis Alfonso Monje 2019

Tópicos interessantes e para partilhar

Actualmente, estou interessado em tópicos relacionados com desenvolvimento sustentável, life-centred design, sistemas e impacto social. Tenho particular interesse em estudar e analisar projetos que abordam desafios de sustentabilidade através do pensamento sistémico e do uso de equipas transdisciplinares que permitem que os membros contribuam com o seu próprio conhecimento e experiência, e onde os esforços são colectivos.

Como recente profissional na área do service design gostaria de ouvir de outros designers sobre as suas experiências no uso de múltiplas ferramentas e métodos, e perceber quais os melhores métodos e ferramentas para determinadas tarefas ou actividades dentro do processo de design. Para além disso, gostaria de saber mais sobre o impacto e a aplicabilidade duma abordagem de sustentabilidade no desenho de serviços.

A minha experiência nos diferentes países onde trabalhei e vivi, contribuiu para o desenvolvimento duma atitude mais experimental no meu processo de design — thinking by doing. Pessoalmente, gosto de experimentar e prototipar qualquer tipo de projeto. Terei todo o gosto em ajudar e contribuir para uma atitude mais experimental, que, provavelmente, resultará em melhores oportunidades de sucesso no processo de design.

André, muito obrigado pelo teu contributo. Sabemos que a comunidade lusófona irá ler com grande entusiasmo este artigo, o primeiro de muitos da iniciativa Lusofonia. Continua o bom trabalho e até breve. A equipa do Portugal Chapter, Service Design Network.

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