Carolina Faria: uma jornada para o design com impacto ambiental

Carolina Faria
Lusofonia
Published in
8 min readJun 19, 2020

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Um Artigo de Cada Vez

Como dissemos no artigo que apresentava o projeto, Lusofonia é uma porta aberta a todos os Service Designers que falam em língua Portuguesa e que vivem fora do seu país de origem. Mas também, é uma porta que se abre a nós próprios, oferecendo-nos a oportunidade de os conhecer e de ficar a saber sobre o seu percurso nesta área. Efetivamente, desafiámos cada uma das pessoas que entrevistámos a partilhar a sua história convosco, um artigo de cada vez.

Hoje temos o gosto de partilhar a história da Carolina Faria.

Chamo-me Carolina Faria, sou de Matosinhos, Portugal, e moro atualmente em Helsínquia, Finlândia. Pessoalmente, gosto de ir à praia e de dançar. Adoro passar dias a tentar decifrar um problema, seja interpretar um filme ou uma questão de design. Sou apaixonada por usar design para criar soluções significativas para melhorar a vida das pessoas e uma maneira mais sustentável de interagir com o mundo.

Trabalho na Vincit desde Junho de 2019, como Planet Centric Designer (falaremos sobre isso daqui a pouco).

Uma jornada para o design de serviços

Comecei minha jornada em direção ao design de serviços, realizando a Pós-Graduação ME310 em Inovação de Produtos e Serviços, no Instituto Politécnico do Porto. Em colaboração com a Universidade de Stanford e a Universidade de Ciência e Tecnologia da China, trabalhámos numa equipa multidisciplinar a desenvolver um projeto de um ano para a IKEA Industry. Foi um ano intenso, muito prático, que me deu a base para o trabalho que faço hoje.

Durante a criação de protótipos, na pós-graduação ME310 em Inovação de Produtos e Serviços

De seguida, trabalhei como coach de human-centered design em cursos de mestrado, nas redes DFGN e SUGAR, em Portugal e na Suíça. Estes usam várias metodologias, como design thinking e design circular. Aqui, trabalhei com o design como um processo que possibilita a inovação de produtos e serviços.

O meu projeto favorito

Um dos meus principais interesses tem sido investigar como a educação pode capacitar as pessoas a criar soluções impactantes para os problemas de hoje. Um ótimo exemplo disso é o programa Challenge Based Innovation (CBI), onde trabalhei como coach de human-centered design.

O CBI é um programa universitário em que equipas de estudantes criam projetos inovadores de design em colaboração com o CERN, para responder aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Cada universidade participante do CBI cria a sua própria versão do programa. Portanto, este não é um programa fechado, mas aberto a diferentes currículos, períodos e formações dos estudantes. Apesar do impacto sobre os participantes e o potencial do programa, este não é tão reconhecido internacionalmente quanto poderia ser. Como identifiquei este problema, mais tarde, quando fiz a minha tese de mestrado, desenvolvi um projeto que renova e redesenha a identidade gráfica do CBI.

Tirada por John Eggleston: CBI A3 2017/2018 na IdeaSquare, CERN

Este é o meu projeto favorito até agora, porque, nele, este programa educacional foi desenvolvido como um serviço que responde a diversos utilizadores — estudantes, professores, organizadores e especialistas do CERN — ao mesmo tempo que visa despertar o interesse de empresas e instituições governamentais em torno das soluções propostas pelos alunos.
Portanto, a comunicação do programa foi redefinida para melhorar o serviço prestado pelo CBI a todas as partes interessadas. Além disso, o objetivo da mudança de marca era aumentar o seu reconhecimento, comunicar melhor as suas metas e resultados do projeto. O processo envolveu uma compreensão do problema, com base em entrevistas com os utilizadores, juntamente com o desenvolvimento da identidade obtido por meio de brainstorming, sketching, prototipagem experimental e iteração. O resultado pretende ser uma marca modular distinta que represente a abertura do programa e a sua conexão com a tecnologia e a sociedade.

Logótipo modular do CBI

Atualmente, em quais tópicos você está interessado?

Atualmente, estou a trabalhar na Vincit em Planet Centric Design. O nosso trabalho visa incorporar a sustentabilidade nos processos de design e desenvolvimento de projetos. Desta forma, o nosso objetivo é reduzir o uso de recursos e permitir estilos de vida sustentáveis ​​para acelerar a transição para uma sociedade sustentável. Isto é fundamental, visto que os modelos atuais de design, como o human-centered design, não reconhecem o impacto do nosso trabalho na sociedade e no planeta.

Acreditamos que precisamos de uma lente mais ampla no design: criar produtos e serviços que não sejam apenas desejáveis, viáveis ​​e praticáveis, mas também responsáveis, sistémicos e transparentes.

Elementos do Planet Centric Design

Criamos uma metodologia para integrar o Planet Centric Design no nosso trabalho como designers. Nós testamos e fazemos iterações constantemente, pois acreditamos que definir o Planet Centric Design e as formas de trabalho destes mesmos designers devem sempre estar em desenvolvimento, para que não paremos de nos questionar.

Aqui trabalhamos com o design como um facilitador para ajudar pessoas e equipas a encontrar oportunidades de melhoria e mudança. O feedback sobre o nosso trabalho tem sido bastante positivo — as pessoas estão empolgadas e inspiradas para agir. Além disso, as empresas sentem cada vez mais pressão para mudar para formas mais sustentáveis ​​de operar, por causa de legislação, necessidades do consumidor, etc.

No entanto, o Planet Centric Design tem os seus desafios. Os principais desafios são que este requer pensamento diferente e navegação de mais complexidade do que fizemos até agora. No que diz respeito ao pensamento diferente, devemos abraçar novos princípios e ser críticos, criativos e inovadores. Ser crítico é fazer perguntas, mesmo que sejam desconfortáveis, mesmo que as respostas não apareçam imediatamente. Ser criativo é pensar em como desejamos que as coisas sejam, como podemos viver de maneira diferente e como podemos fazer negócios de forma sustentável. Ser inovador envolve tomar medidas práticas em direção a uma meta declarada de um futuro sustentável, experimentando, aprendendo, adaptando-se.

O principal fator para possibilitar o pensamento diferente e a navegação de maior complexidade são as pessoas. O Planet Centric Design requer vontade de colaborar e fazer mudanças. A resistência a isso é provavelmente o principal desafio para desenvolver um trabalho significativo. Um exemplo de mudança está na maneira como trabalhamos: para ser sustentável, precisamos de envolver mais pessoas — como especialistas em sustentabilidade. Isto requer uma abordagem mais sistémica a projetos, onde não podemos trabalhar isolados, mas em colaboração radical.

Resumindo, é importante para cada um de nós perceber de que forma o nosso trabalho tem impacto e ter consciência de que temos as capacidades necessárias para fazer a diferença. Começa com perguntarmos a nós mesmos:

  • Quão responsável é o trabalho que eu faço?
  • Quais podem ser as suas consequências ao longo do tempo?
  • Como é que o meu trabalho influencia o comportamento das pessoas?
  • Quem me pode ajudar a responder a estas perguntas?

No início, pode parecer difícil responder, mas é o primeiro passo para “desbloquear” e encontrar oportunidades para criar um trabalho com impacto positivo.

Design de serviços na Finlândia

A Finlândia é muito madura na sua oferta de design de serviços em cursos universitários e oportunidades de carreira. Por exemplo, a Universidade LAUREA, a Universidade de Aalto e a Universidade de Lapland têm programas bastante reconhecidos. No que diz respeito ao mundo do trabalho, são comuns posições de designer de serviços internos em empresas e consultores. Além disso, existem comunidades de redes de design de serviços em várias cidades, o que também realça a presença deste campo de trabalho. Não vou falar muito sobre isto, uma vez que o André já fez uma ótima descrição no seu artigo.

O que é que as pessoas interessadas em se mudar para a Finlândia precisam de saber antes de reservar o voo?

Sustentabilidade & trabalho: Uma das principais razões que me levou a mudar-me para a Finlândia foi a oportunidade de trabalhar com sustentabilidade. A preocupação com esta área é visível aqui e há um investimento em tornar processos, produtos e estilos de vida mais sustentáveis ​​em toda a sociedade. Além disso, a meu ver, há uma ótima cultura de trabalho. O equilíbrio entre vida pessoal e trabalho é incentivado, hierarquias planas são a estrutura de trabalho comum e os sindicatos são muito fortes na defesa dos direitos dos funcionários. Algo interessante foi o facto de ter de adaptar a minha forma de estar no trabalho. O meu local de trabalho culturalmente é muito finlandês, sendo que as pessoas são muito calmas, diretas e não usam emoções. Portanto, tive que aprender a suavizar e expressar-me de maneira diferente.

Relaciona-te antes de cá chegar: Um facto interessante são os nossos temas comuns na música. Em Portugal, temos o Fado, que celebra o destino e a saudade, ao mesmo tempo que aquece nossos corações, ligando-nos à música e uns aos outros. Da mesma forma, na Finlândia, há o Tango Finlandês. Expressa amor, tristeza, natureza e um desejo por uma terra distante de felicidade. Na verdade, é uma dança, como se pode concluir pelo nome. Mas, diferentemente do que os portugueses fariam, os finlandeses ousam dançar tango finlandês na neve do Inverno.

Uma oportunidade de aprendizagem: Os comprimidos de vitamina D são para os finlandeses o que protetores solares são para nós em Portugal. Como deves saber, os Invernos são muito escuros com poucas horas de sol e os Verões com muitas horas de sol. Esta é definitivamente uma ótima experiência, porque o impacto do sol torna-se muito claro nas nossas vidas, de maneiras que não seriam possíveis em Portugal. Sempre que vou para casa, fico surpreendida (no Inverno ou Verão) com o brilho e o calor do sol. Mas reconheço que o tomamos como garantido. Depois de passar o Inverno aqui — a lutar contra a minha baixa energia e as mudanças de humor — os longos dias de Verão em que a natureza desabrocha são um enorme prazer.

Pensamentos finais

Na minha curta jornada, observo que que sempre foi muito importante para mim fazer trabalho que fosse significativo. Eu nunca tive o desejo de fazer coisas centradas em tecnologia ou baseadas em estética. É a resolução de problemas que eu acho interessante.

Considerando os desafios que a sociedade enfrenta hoje em dia, independentemente de qual é a nossa motivação, todos precisamos de usar as nossas capacidades para também criar trabalho que tenha um impacto positivo na sociedade e no planeta, trabalho crítico e constantemente iterado para diminuir a sua pegada ecológica e ajudar as outras pessoas a fazerem o mesmo.

“Precisamos de construir designers que entendam que o seu trabalho não é ser um par de mãos, mas ser os guardiões da sociedade” — Mike Monteiro.

Originalmente: “We need to build designers who understand their job is not to be a pair of hands, but to be society’s gatekeepers”

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Carolina, muito obrigado pelo teu contributo. Sabemos que a comunidade lusófona irá ler com grande entusiasmo este artigo, o primeiro de muitos da iniciativa Lusofonia. Continua o bom trabalho e até breve.

Se quiseres contactar a Carolina, cá fica o seu on Linkedin or Medium.

A equipa do Portugal Chapter, Service Design Network.

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Carolina Faria
Lusofonia

Passionate about using design methodologies to improve people’s lives and our interaction with natural systems.