Os Desafios de uma Recuperação

Fernando Luzio
Luzio Strategy
Published in
7 min readMay 9, 2016

--

A Serasa Experian publicou na 4ª feira (4 de maio) a triste notícia de que os pedidos de Recuperação Judicial de empresas brasileiras praticamente dobraram nos primeiros 4 meses de 2016, em relação ao mesmo período do ano passado: 571 empresas no total, o que significa um aumento de 97,6%! As micro e pequenas lideraram os requerimentos de recuperação (327), mas também é alarmante o número de médias (149) e grandes (95) em situação de crise estrutural. As causas não são novidade para ninguém, fruto amargo de uma combinação virulenta de queda nas vendas, pela retração gravíssima da economia, e um aumento significativo dos custos para operar no Brasil. Um empresário só entra com pedido de apoio da Justiça para ajudar a salvar a sua empresa quando está na iminência de quebrar, como alternativa à eutanásia da organização porque ele ainda acredita no seu projeto.

Este cenário me fez lembrar dos tempos difíceis que eu vivi como Presidente Executivo do Grupo Casa&Vídeo, para liderar a operação de salvamento da empresa que entrou em crise estrutural, após uma intervenção truculenta do Ministério Público, em novembro de 2008. Na época, a empresa faturava cerca de 1,8 bilhão de reais e operava 88 lojas com 7.000 funcionários. A analogia que eu fazia na época era a de um Titanic, que havia levado uma repentina trombada brutal e começava a afundar numa velocidade assustadora. Poucos meses depois que assumi a gestão da crise, foi inevitável entrar com pedido de Recuperação Judicial, para barrar um provável efeito manada de pedidos de falência, ajuizados por fornecedores apavorados. Sou testemunha viva de que a legislação brasileira de Recuperação (Lei nº 11.101/2005) é uma das melhores do mundo e, de verdade, ajuda a salvar empresas em crise profunda.

Entristecido com as estatísticas recentes e solidário com as centenas de empresários que tiveram de recorrer à Justiça, resolvi compartilhar alguns dos meus aprendizados mais importantes do processo de Gestão de Crise.

Em primeiro lugar, numa crise aguda, o desafio mais evidente para o(a) CEO é adotar uma estratégia de preservação severa e inflexível do caixa, promovendo uma “economia de guerra”. O que não é óbvio é o fato de que muitas empresas precisam trocar de Presidente, ou afastar o Empreendedor fundador da liderança do negócio, porque ambos normalmente têm muita dificuldade de dizer “não” para a enxurrada de cobranças que superam os parcos recursos disponíveis no caixa. Acuados pelas inúmeras algemas de compromissos assumidos nos tempos de prosperidade, dificilmente resistem ao sofrimento de fornecedores e parceiros, e muitos quebram a empresa por não conseguirem estancar a hemorragia de saída de dinheiro que parece não ter fim. É por isso, inclusive, que a Lei de Recuperação de Empresas, em seu artigo 60, prevê que no caso da segregação da empresa para criar uma nova plataforma de negócios “limpa” do passado carregado de passivos, esta nova organização não poderá ser administrada por quem “conduziu” a empresa à situação de crise — pelo menos não durante o período de 2 anos de Recuperação com apoio da Justiça.

Em segundo lugar, a empresa precisa eleger poucos bons indicadores de desempenho financeiros, de vendas e produtividade, para acompanhar diariamente. Com a empresa desfalecendo, a tendência é deslocar todas as pessoas chave para a trincheira e abandonar as referências fundamentais de apoio às decisões duras que terão de tomar nos intervalos da batalha, partindo para um voo às cegas. É trabalhoso e muitas vezes penoso produzir indicadores bons e confiáveis, por isso cedem à tentação de pilotar a olho nu, sem o apoio de instrumentos. Este é um deslize comum, mas tão perigoso quanto deixar um paciente em estado grave numa UTI sem a medição dos sinais vitais que precisam de acompanhamento rigoroso.

Em terceiro lugar, é fundamental revisitar o Modelo do Negócio para avaliar se a plataforma core ainda é de fato geradora de Valor, e quais são as alternativas de otimização ou inovação da Estratégia Competitiva para garantir a produção mínima e crescente de oxigênio, capaz de manter a organização viva. Nessas horas, o difícil é romper com as amarras dos modelos mentais (paradigmas) e crenças do passado, para definir os caminhos que vão tirar a empresa do leito de morte. É para isso que servem consultores ou conselheiros independentes, que podem exercer o papel de estrangeiros profissionais para ajudar a liderança e os acionistas a pensarem fora da caixa, selecionar recursos e atividades verdadeiramente estratégicos e eliminar as distrações daquilo que realmente vai fazer a diferença. Sem uma plataforma de negócios capaz de dar a volta por cima e gerar valor, a empresa não terá argumento sustentável para defender um Plano de Recuperação Judicial, caso esta seja a única saída para salvar o negócio. Neste caso, comprovar que a empresa tem mais valor viva do que morta é o único argumento que pode afastar o medo dos credores de falência e conseguir apoio do mercado para a Recuperação.

Em quarto lugar, é fundamental realizar um trabalho competente, transparente e amplo de Comunicação com seus Colaboradores, o Mercado e, em alguns casos, com a Imprensa. Todas as iniciativas de comunicação devem focalizar transparência dos fatos e demonstrar as fontes de singularidade da empresa. E se entrar em Recuperação Judicial, o gestor da crise tem de explicitar os benefícios do Processo para o Mercado e demonstrar por que a empresa precisa sobreviver. Eu sempre recomendo uma abordagem direta do número 1 da empresa aos credores, clientes e fornecedores mais relevantes em 3 ondas distintas: na primeira reunião, explica as causas da crise, pede ajuda e demonstra por que não é hora de desistirem e partirem para o abraço dos afogados; na segunda, apresenta o plano de recuperação (judicial ou não); e no terceiro, após a aprovação do plano ou início da execução, presta contas do progresso. Sem o empenho trabalhoso e autêntico de comunicação direta, a empresa dificilmente conquistará o apoio do mercado.

Em quinto lugar, definida a nova Estratégia Competitiva e o Plano de Recuperação, a empresa tem de promover uma simplificação transformadora de seus processos e da sua estrutura, realizando uma redução drástica de custos. Deve também rever a carteira de projetos em andamento, para tentar alguma nova saída focalizando poucos recursos (até mesmo tempo dos gestores) nas batalhas prioritárias a vencer. O maior desafio neste processo é conseguir imprimir agilidade decisória para as mudanças e uma tolerância aos erros honestos capaz de promover uma conduta do “tipo GPS” dentre os gestores — escolhida uma hipótese que não se comprova atrativa na prática, a empresa deve mudar o rumo rapidamente, sem deixar a vaidade atrasar a escolha do melhor caminho para atingir os objetivos da nova Estratégia.

Em sexto lugar, caso a única alternativa seja entrar em Recuperação Judicial, tenho algumas recomendações vitais a fazer. O Plano de Recuperação tem de ser ultra conservador, porque nenhuma empresa sobrevive a uma segunda quebra de expectativas. O empresário tem de assumir uma promessa que possa cumprir, simples assim. Por isso também é importante propor um período de carência para começar a pagar a dívida com os credores, porque a empresa precisa de uma janela de tempo suficiente para restabelecer as operações no presente, antes de começar a pagar o passado. Este período também será necessário para a empresa começar a gerar valor para os credores sem contar o pagamento da dívida — este é um fator crítico de sucesso do Plano, porque reforça a percepção de eliminação do risco de falência e acena para uma possível reparação dos danos causados aos credores.

A empresa também deve considerar fazer uso do Artigo 60 da Lei, sem dúvida o centro de gravidade da legislação brasileira e inspirada no Chapter 11 norte-americano. Ao permitir abertura de uma nova empresa que carrega em si as principais unidades produtivas e somente dívidas com fornecedores e bancos, deixa na empresa “velha” os passivos fiscais e trabalhistas, criando uma nova plataforma que pode inclusive atrair investidores. Esta é a forma encontrada pela lei de salvar a plataforma core do negócio, ao segregar os riscos que mais assustam o mercado. Mas é óbvio que a empresa “velha” tem de ter plataformas de negócios suficientes para conseguir gerar valor capaz de arcar com as suas contingências fiscais e trabalhistas geradas na crise.

Em sétimo lugar, minha última mensagem: o líder do processo de gestão da crise não precisa ter todas as respostas para as dúvidas inéditas que surgem todos os dias. Com humildade e transparência, deve pedir ajuda a quem possa ter as melhores respostas e pagar o preço do aprendizado — inclusive formando e pagando bem o melhor Comitê de Crise que puder constituir. Por isso, o líder não deve assumir uma postura de infalibilidade, e deve se dar o direito de ter dúvidas e sentir medo. Mas, acima de tudo, tem de acreditar que vencerá no final, haja o que houver. Sem a crença obstinada no sucesso da transformação que vai manter viva a grande causa refletida na sua declaração de Missão, dificilmente o gestor da crise vai mobilizar as pessoas e o mercado para persistirem ao lado dele, até o final das batalhas duras que terá de vencer. Aprendi que as pessoas não seguem líderes incondicionalmente apenas por argumentos racionais, estatísticas e projeções consistentes. As pessoas seguem, até o fim da batalha, líderes que falam com o coração, que depositam sua alma com coragem na defesa de um propósito maior que se perderia junto com o falecimento da empresa.

--

--

Fernando Luzio
Luzio Strategy

Business Strategist • Changemaker • Consultant • CEO Latin America at Luzio Strategy • www.luzio.com.br