A fotografia e a luta antirracista: a câmera como expressão da identidade

Luz Negra
Luz Negra
Published in
6 min readDec 2, 2021

Emanuel Tadeu, Isa Araújo, Marcela Bonfim e Roan Nascimento discutem a representatividade dos profissionais negros no mercado fotográfico.

Por Myrlla dos Anjos e Wallington Cruz

Emanuel Tadeu (autorretrato), Isa Araújo (autorretrato), Marcela Bonfim (por @petitjardim7) e Roan Nascimento (por Nathália Williany)

Um simples mapeamento da indústria fotográfica, hoje, ajuda a perceber uma falta de representatividade negra nesse mercado, que engloba tanto fotógrafos quanto modelos. Desse modo surge a reflexão: esse ainda é um espaço que perpetua o racismo? A fotografia foi, e continua sendo, um espaço majoritariamente elitista. A maioria dos profissionais que atua nessa esfera tende a ser branco e de classe média. Além de haver um número menor de fotógrafos negros, se comparado a quantidade de profissionais de pele clara, outra questão é a forma como pessoas negras são representadas, imageticamente.

Até que ponto essa lacuna, que resulta em uma quantidade reduzida de modelos negros e poucos fotógrafos contando sua própria história, pode ajudar na manutenção de estereótipos racistas? “Infelizmente o racismo existe em todo lugar se tratando de um país como o Brasil, na fotografia não seria diferente. Basta apenas analisarmos quais são os grandes nomes da fotografia e questionarmos quantos deles fogem do padrão homem-branco-rico”. Lembrou Roan Nascimento, fotógrafo negro e nordestino.

Fotografias de Roan Nascimento

A fotógrafa Isa Araújo complementa que “O trabalho de fotógrafos tem muita importância nesse momento, de mostrar a realidade e também de quebrar a realidade. A gente tem um trabalho muito intenso de ressignificar essa realidade e quebrar os estereótipos, tem sido um trabalho muito importante. Contar outras histórias, histórias mais nossas, histórias menos fantasiosas sobre o que nós somos, sobre o que nós falamos, sobre o que nós significamos”.

Fotografias de Isa Araújo

O primeiro fotógrafo negro do mundo, por exemplo, nasceu no Rio Grande do Norte. José Ezelino era filho de escravos e nasceu no ano de 1889, um ano após a abolição da escravatura. Ezelino foi o primeiro negro a fotografar outras pessoas negras e seus descendentes, além disso, ele registrava a si mesmo e aos seus familiares da mesma forma que as famílias de alta classe da época eram retratadas.

Não tem como afirmar que José Ezelino falava nas suas fotografias exatamente sobre o racismo, mas é possível notar as provocações trazidas por suas fotos. Ele retratava os negros de uma forma diferente, fotografados com roupas e poses muito elegantes — coisa que, naquela época, era quase impossível.

Marcela Bonfim, do projeto “Amazônia Negra”, destaca: “A questão que mais me preocupa é o conceito que se emprega às imagens, o conceito da produção, porque ela é difusa… eu me preocupo com a reprodução em massa de estigmas, que não para! Uma minoria que dá conta de destruir a imagem de muitos, então essa é a preocupação que eu tenho em ela [a fotografia] ser elitista. É o pensamento que se produz em cima da imagem. Sobre essa condição deles ditarem o que é bom, o que é ruim, o que é bonito, o que é feio. Mas a gente também tem essa força, nesse momento, onde todo mundo tem esse poder, — porque isso é um poder — quanta coisa tá sendo entregue!”

Fotografias de Marcela Bonfim

Hoje, as questões étnico-raciais são presença forte na fotografia — que além de arte é uma ferramenta de reflexão. As imagens conseguem repensar a forma que as pessoas estão sendo representadas nos diversos espaços e conferem grande ajuda na luta pela resistência, especialmente quando são capazes de pautar questões sobre empoderamento, ancestralidade e representatividade negra positiva. “Tem muita gente produzindo materiais fotográficos de tirar o fôlego, principalmente quando se trata de pessoas negras, mulheres, indígenas, lgbtqi+ mostrando a sua ótica sobre o mundo, rompendo com os estereótipos através das imagens, porém na maioria das vezes o reconhecimento não é tão grande”, conclui Roan.

O empenho da luta antirracista, inclusive nessa indústria, precisa ser diário. Não basta ver pessoas negras tendo voz e ocupando espaços apenas em datas comemorativas, como o dia da Consciência Negra; essa ideia precisa ser ressignificada. É importante perceber que o número de profissionais e especialistas pretos é cada vez maior, e é urgente dar visibilidade para que essas pessoas contem as suas próprias histórias e sejam referência nas suas áreas de atuação, o ano inteiro.

“Felizmente, esse quadro tem mudado em relação a produção de imagens, porém ainda é preciso mudar o pensamento de alguns profissionais responsáveis pelas campanhas que vemos no dia a dia. Segundo o IBGE, negros e pardos representam 53,6% da população brasileira, mas, ao vermos um anúncio, percebemos que essa representação é completamente diferente. É forte a ausência de personagens negros, ou eles sempre são minoria”. Pontua o fotógrafo e publicitário Emanuel Tadeu.

Fotografias de Emanuel Tadeu

O acesso à internet ajudou a descentralizar as produções fotográficas, deu lugar para que outras narrativas, cada vez mais plurais, pudessem ser contadas — principalmente por quem as vivencia. Conhecer o trabalho de artistas pretos também é abrir espaço para que essas histórias alcancem mais pessoas, para que os estigmas possam ser rompidos, e para que a população negra lembre que esses lugares também lhe pertencem — embora tenham sido historicamente negados. “Amenizar a nossa existência nos aproximando de pessoas que parecem mais com a gente. A gente precisa se educar, também; a gente precisa ter mais certeza, trazer essa certeza pra dentro da nossa arte, trazer essas pautas para serem discutidas. A gente precisa mostrar essa arte! Que a gente tá aqui, a gente trabalha, a gente tem força e a gente tem força juntos!”, conclui Isa.

Por isso, preparamos uma lista de outros fotógrafos que você precisa conhecer!

@_silvestrelucas

@alicerodriguesphotoart

@allieeloa

@amandatropicana

@carolinelima.co

@cruupoohre21

@edgarazevedo

@edvaldoraw

@eu.regianerios

@helesalomao

@janribeiro

@jessicabatann

@kayonareal

@leonardorosa.foto

@lilo.oliveira_

@marcinhalima13

@nayjinknss

@pamela.alencarfotografia

@rafaelfreiiire

@razec_peres

@rennanpeixe

@renanbenedit

@thiago_paixaao

@tonvalentim_

@wann_fotografias

@Brunogomesph

Texto e reportagem: Myrlla dos Anjos e Wallington Cruz

Arte/Redes sociais: Wallington Cruz

Supervisão editorial: Rostand Melo

--

--

Luz Negra
Luz Negra

Projeto de extensão do curso de Jornalismo da UEPB.