CLUBE DO LIVRO: OLHOS DÁGUA
Quando a personagem do conto que inicia o livro de mesmo nome, Olhos d’água, desperta no meio da noite perturbada por uma pergunta ao qual não sabe a resposta “ De que cor eram os olhos de minha mãe?” As palavras que seguem por todo o restante do conto e do livro se desabrocham como uma flor.
Olhos d’água não é um livro para se consumir com rapidez. Ele segue com seu próprio ritmo, desabrochando lentamente, palavra por palavra, dando ao leitor tempo de respirar e sentir a beleza da escrita de Conceição Evaristo, bem como a agressividade com que as estórias se desenrolam.
A brutalidade com que Conceição coloca a vida de personagens negros em protagonismo nas páginas de olhos dágua, nos faz imergir dentro de uma realidade ficticia que parece não estar tão longe de nós. E, como no primeiro conto, a pergunta que perturba a personagem nos passa a perturbar também. Como a personagem, eu queria correr, interromper minha leitura e ir de encontro a minha mãe que diferente da mãe da personagem, estava no cômodo ao lado do meu, para mergulhar na cor dos olhos dela e matar a curiosidade da pergunta que agora me importunava também.
No conto de título Beijo na Face, o leitor se depara com o desabrochar de um amor manso e tranquilo que Salinda a personagem de Conceição vive.
“No princípio a aprendizagem lhe custara muito. Acostumada ao amor que tudo pode ser gritado, exibido aos quatro ventos, Salinda perdeu o chão. Habituada ao amor que pede e permite testemunhas, inclusive nas horas do desamor, viver silente tamanha emoção, era como deglutir a própria boca, repleta de fala desejosa de contar as glórias amorosas. E por que não gritar, não pichar pelos muros, não expor em outdoor a grandeza do sentimento? Não, não era a ostentação que aquele amor pedia. O amor pedia o direito de amar somente.”
As histórias ali contadas nos levam a crer que aqueles personagens são velhos conhecidos nossos, daqueles que todos os dias no mesmo horário pegam o ônibus das sete da manhã junto conosco, para além da ficção, Conceição Evaristo cria um laço do leitor com o personagem, fazendo com que quem está lendo mergulhe na história daquele velho conhecido do ponto do ônibus e é por esse motivo que a leitura deve ser lenta e sem pressa de chegar ao fim. Descobrir e mergulhar na vida de personagens que parecem tão reais, com problemas tão mundanos quanto os nossos, pede espaço para respirar e digerir o que foi lido. A autora mostra como a vida comum é nua, dura e crua, mas que nem mesmo na morte a vida deixa de ter sua beleza, e é com essa beleza nua, dura e crua que os contos de Olhos d’água se desabrocham para o leitor.
A HISTÓRIA DO LIVRO
Olhos D’água é uma reunião de contos. Alguns já haviam sido publicados em meados dos anos noventa através da série literária Cadernos Negros da editora quilombhoje que abre espaço e veicula textos de autas e autores afrobrasileiro, e outros inéditos.
O livro foi originalmente publicado em 2014 através de um projeto do Ministério Da Cultura e da Biblioteca Nacional, com o objetivo de dar visibilidade a escritoras e escritores afro-brasileiros.
Em 2015 a autora recebeu o Prêmio Jabuti, o mais tradicional prêmio literário brasileiro, na categoria contos. O prêmio trouxe uma grande visibilidade para o livro e para autora que apesar de já ter outros livros publicados não era tão conhecida; Foi preciso que Conceição Evaristo recebesse um prêmio para que seu nome fosse legitimado dentro da literatura brasileira e ela fosse reconhecida como tal.
A AUTORA
Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte, em 1946. De origem humilde, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Graduada em Letras pela UFRJ, trabalhou como professora da rede pública de ensino da capital fluminense. É Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade (1996), e Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense, com a tese Poemas malungos, cânticos irmãos (2011), na qual estuda as obras poéticas dos afro-brasileiros Nei Lopes e Edimilson de Almeida Pereira em confronto com a do angolano Agostinho Neto.
Texto: sasa roc
Supervisão editorial: Rostand Melo
O Luz Negra é um projeto de extensão vinculado à @proex_uepb (cota 2022–2023).