“Eu, Tituba: Bruxa negra de Salém”, obra quebra o silêncio da história

Luz Negra
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4 min readDec 1, 2021

Escritora Maryse Condé retira personagem do esquecimento da história oficial. Nascida em Barbados, que se tornou República nesta semana ao romper com Império Britânico, Tituba foi uma das primeiras mulheres julgadas por bruxaria em Massachusetts no século XVII

Por sam

Autora Maryse Condé em fotomontagem da Revista Bula sobre fotografia de Adrian Dennis | AFP

Quando Tituba foi presa, a bruxaria não foi a única causa. O coração negro de Tituba foi o que pôs as correntes nos pés. O coração foi sua ruína, Tituba. Bruxa negra de Salém, perdeu a liberdade por um amor que a renegou quando ela mais precisou.

A história de Tituba, primeira bruxa de Salém, ou a única que foi “descoberta” por ser negra, é uma reflexão, sobre como a cultura do povo negro é capaz de se polarizar por entre pessoas brancas quando elas a julgam necessário, até o ponto em que ,de algum modo, as serve e é interessante.

Tituba falava com os mortos, com os pais e Man Yayá, a preta velha que lhe passou os poderes depois da morte. Ela sangrava animais para se comunicar com o mundo que ninguém via e todos a temiam. Caminhava liberta em meio ao mar de correntes. O coração a aprisionou e, por amor, Tituba escolheu perder a pequena liberdade.

Aceitou viver como escrava para amar John Indie em uma casinha dos fundos e, quando morrendo, a senhora dona da casa grande a chamou para curá-la, Tituba a amaldiçoou, lançou lhe a morte, e a morte a veio buscar. A velha soube o que ela tinha feito e, antes de morrer, vendeu Tituba e o marido ao reverendo Samuel Norris e foi levada para os Estados Unidos.

Tituba então agora vendida, morando em uma terra estrangeira (EUA) é obrigada a abdicar de seus princípios, sua língua, sua cultura.

“Que mundo era aquele que tinha feito de mim uma escravizada, uma órfã, uma pária? Que mundo era aquele que me separava dos meus? Que me obrigava a viver entre pessoas que não falavam a minha língua, que não compartilhavam a minha religião, num país feio, nada agradável?”

Litografia “A Bruxa nº 1” (Foto: Joseph E. Baker/Wikimedia Commons)

Desde o momento em que pisa naquele lugar, Tituba foi vista como ‘a enviada do demônio’ por causa da cor de sua pele. Todos os moradores eram obcecados pela presença de Satanás. Os moradores, presos no alto de seus egos e superioridade, não percebiam as atrocidades que cometiam dia-a-dia e, se percebiam, as escondiam por trás da fachada religiosa em que viviam.

Assim que a onda de acusações começa, todos apontam para a negra que com certeza tinha levado o “capeta” até suas casas. Mas, quando ninguém estava olhando, corriam até ela desejando poções de todos os tipos e ainda se sentiam indignados quando recebiam um ‘não’.

Existem documentos que comprovam que Tituba, uma mulher negra, foi reconhecida como a primeira bruxa de Salém. Contudo, em 2013, quando uma série chamada Salém começou a ser produzida nos EUA, para onde Tituba foi arrastada e enforcada por práticas de bruxaria, uma atriz branca foi contratada para interpretar o papel de Tituba, apagando a história ancestral da magia da personagem. À caça às bruxas não foi nada mais que uma caça às mulheres negras praticantes de magia ancestral.

Atriz Ashley Madekwe que interpretou Tituba na série de TV.

O passado de Tituba foi apagado e ignorado, quando na forca mulheres brancas morreram por prática de magia. Houve esquecimento do motivo pelo qual Tituba foi condenada à morte, no fim das contas, com o passar dos anos, Tituba, bruxa negra de Salém, foi só mais uma vida preta perdida na conta, com seu nome e história apagados.

Se Salém hoje tem uma história, é por causa de Tituba. E, em um romance histórico de 252 páginas, Maryse Condé faz justiça à história esquecida de Tituba.

Maryse Condé em Guadalupem, 1986. Imagem: Philippe Giraud/Gamma-Rapho via Getty Images

Sobre a obra :

“Eu, Tituba: Bruxa negra de Salem”, de Maryse Condé (vencedora do New Academy Prize 2018)
Editora: Rosa dos Tempos
Tradução: Natalia Borges Polesso
Gênero: Ficção (252 páginas)
Preço estimado: R$ 35,00

Texto: sam

Arte (redes sociais): Wallington Cruz

Supervisão editorial: Rostand Melo

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Projeto de extensão do curso de Jornalismo da UEPB.