Por sam
Na franquia do anime Dragon Ball, quando os membros da raça de guerreiros Saiyajins, do planeta de Sada, atingem a mais alta e poderosa transformação são chamados de Super Saiyajin. Essa evolução, quando ocorre nos heróis animados, é acompanhada pelo cabelo loiro.
O loiro dos desenhos, apesar de ter sido confirmado pelo autor como uma escolha mais fácil de desenhar, acabou se tornando um símbolo da força dos heróis do anime.
Em Recife, os meninos que pintam o cabelo de loiro para as festas de final de ano e para o Carnaval são conhecidos como Super Saiyajin. Assim como esses meninos, os Saiyajin apesar dos super poderes, viviam à margem da sociedade, uma vez que sua existência foi negada por centenas de anos, após a quase extinção nas lutas contra a raça de guerreiros Freeza.
Pintar os cabelos de loiro nas favelas do nordeste é uma tradição muito antiga, contudo apesar da homenagem aos heróis do anime japonês, há muito preconceito por trás do loiro no cabelo de garotos periféricos.
Meninos negros de cabelo curtinho ostentando uma coroa dourada pelas ruas, mudando de visual para as festas, nunca andam sozinhos. Os loiros pivete, assim como os Saiyajins, mostram sua força, energia e poderes, ao atingirem sua forma mais brilhante com a tintura dourada nos cabelos.
Desafiam as regras da aparência considerada ideal pela sociedade. Fazem olhares enviesados saltarem por onde passam. Esses meninos, por muito tempo, carregam na cor dos cabelos coloridos o retrato de uma periferia cheia de rótulos agressivos e de estereótipos marginalizados.
FOTOLIVRO: DA MARGEM AO CENTRO
Com o objetivo de mostrar a criatividade por trás desse processo, a fotógrafa Ana Lee Sales, lançou o fotolivro “Loiro Pivete: da Margem ao centro”. A obra retrata crianças e jovens de bairros periféricos de Ilhéus, no sul da Bahia.
No livro, Lee traz fotos de meninos e meninas descolorindo os cabelos para o tom Loiro Pivete, como é popularmente conhecido. E, com um olhar desmarginalizado, ela mostra como a arte de uma transformação, mesmo que simples pode ter um impacto gigante na sociedade. E na auto estima dessas pessoas.
No livro, o estudante universitário Vinícius Cantuária fala um pouco sobre o loiro pivete:
“ Todo mundo meio que cria o loiro dourado, e aí eu pensei, tem essa percepção de que os meninos negros costumam fazer isso nos momentos de festa que é o réveillon, é o Carnaval. Então, sinto que apesar de toda repressão, apesar de todos os olhares atravessados, de todo olhar da polícia e da violência da polícia que isso pode ocasionar, tipo é um momento de festejar e a gente vai botar essa coroa, a gente vai botar esse ouro e a gente vai sair, a gente vai sair para brilhar, sabe?”
O foto livro está disponível gratuitamente para download no site oficial do projeto. O projeto contou com o apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Ana Lee e sua equipe também produziram um documentário sobre o estilo loiro pivete dos meninos e meninas de Ilhéus que protagonizam o livro. O doc está disponível no Youtube:
O loiro pivete se espalhou pelo Brasil no Carnaval de 2020. Os cabelos loiros coloridos romperam as paredes Invisíveis que separam as periferias e favelas do resto da cidade, o que fez com que muitos que antes viam os meninos de cabelos loiros e coloridos como marginais, violentos e criminosos, entendessem o modo como a periferia se manifesta através da moda.
A popularização do loiro pivete acaba sendo mais um reflexo de como a população negra é de certa forma uma grande responsável por ditar as tendências da moda moderna.
Apesar dos cabelos loiros terem ganhado as cabeças de meninos e meninas do país inteiro, para além das favelas, o título e o poder ainda pertence a esses meninos e meninas negres das favelas nordestinas. É deles, e só deles o poder de, nas datas comemorativas de final de ano e carnaval, se transformarem nos lendários Super Saiyajin.
Texto: Samanta Rocha sam
Arte (redes sociais): Wallington Cruz Wallington Cruz
Supervisão editorial: Rostand Melo Rostand Melo
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